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Cinema amordaçado e a luz no fim do túnel

A recente aprovação da Lei 12.485 (antiga PL 116) foi exaltada pela produção independente. A Lei normatiza e regulamenta o Serviço de Acesso Condicionado, ou seja, da TV paga. Entre outras medidas, cria uma reserva de mercado no horário nobre para a produção brasileira. Ótima notícia, realmente, mas ainda há grandes obstáculos a transpor para que a indústria do audiovisual amadureça e se consolide.   

Há quase uma década a atividade pleiteia uma presença maior de conteúdo nacional na programação dos numerosos canais da TV a cabo que inunda a telinha dos mais abonados com enlatados de baixa qualidade.

A programação da TV paga – com exceção dos canais jornalísticos e esportivos, dos culturais SescTV (que desde o início vem trabalhando com os independentes), GNT, Multishow e Canal Brasil (que se transformou no gueto do cinema brasileiro) – é puro filme B americano empacotado por sua agressiva indústria de produção e distribuição. Para se ter uma ideia, em 2010 foram nacionais apenas 64 títulos (1,4% do total) de filmes exibidos na TV paga.

A nova lei não é só importante pela defesa da cultura, mas é uma questão econômica e estratégica, principalmente. Qualquer país que ambiciona ter um papel proeminente nas questões planetárias tem que ser também um exportador de ideias e imagens. Do ponto de vista da produção de dramaturgia, somos ainda estrangeiros em nossas telas de cinema e TV, reserva feita às novelas produzidas pelos canais abertos. Somos os ‘diferenciados’ em nosso próprio meio e vivemos uma situação que inibe o desenvolvimento do mercado e da indústria.

Foi através de legislação, ainda mais restritiva que a nova Lei, que os EUA e Europa desenvolveram uma relação mais sadia entre as emissoras de TV e as produtoras independentes, que abastecem suas programações com conteúdos diversificados.

A reserva de mercado como instrumento de proteção ao desenvolvimento da indústria local não apenas é legítima – proporcionou a formação, entre outros, dos setores nacionais automobilístico, petrolífero e da informática –, como é ainda largamente usada pelos próprios Estados Unidos quando se discute a importação do álcool, do aço e dos produtos agrícolas.

O cinema é estratégico, e o Brasil, acredito, é um país vocacionado para o audiovisual. A imagem exerce um grande atrativo em toda a população, e a juventude é fascinada por suas possibilidades. Como estamos 30 anos atrasados em relação ao resto do mundo, para que o abismo seja vencido na próxima década são necessárias inteligência e coragem. Coragem para enfrentar os interesses econômicos hegemônicos e consolidados (a TV aberta continua um terreno inexpugnável), coragem para que a reserva de mercado não seja desvirtuada e as três horas e meia semanais de conteúdo nacional qualificado no horário nobre sejam efetivamente implementadas.

Não se pode permitir que esse espaço de exibição seja tomado por programas de entrevistas, jornalísticos e esportivos. É necessário fomentar e estimular a produção de telefilmes, séries,documentários e produtos audiovisuais de DRAMATURGIA. Esperamos que a regulamentação da Lei, que tem que acontecer até março de 2012, não decepcione.

Produzir dramaturgia exige qualificação em alto grau, larga experiência, e custa muito caro, mas os benefícios são elevados. É uma indústria limpa que para atender a complexa cadeia de produção demanda grande quantidade de mão de obra: roteiristas, diretores, produtores, atores e artistas de todos os campos do conhecimento, além de técnicos e profissionais das mais diferentes áreas.

Uma série televisiva pode empregar por anos centenas de profissionais, sem contar os milhares de empregos indiretos e as muitas dezenas de fornecedores que atendem a produção: arte, figurinos, cenários, cenotécnica, serviços de alimentação, treinadores de animais, efeitos especiais, equipes especializadas em cenas de ação, lutas, corridas de carros, acidentes, maquinaria, elétrica... além de todas as necessidades da pós-produção da imagem e som: informática sofisticada, computação gráfica de primeira linha, estúdios, música, dubladores, ruídos de cena, editores, coloristas, finalizadores, produtores de finalização...

A televisão aberta e o teatro vêm há décadas formando um mercado de atores e técnicos de nível e sensibilidade, a publicidade vem proporcionando a constante atualização do parque tecnológico, e o cinema, mesmo de forma tímida, vem capacitando novos profissionais e uma mão de obra especifica. Estamos ainda carentes de criadores, roteiristas e especialistas em dramaturgia. Mas onde há demanda a oferta logo aparece.

A boa noticia é que temos uma Agência (Ancine) imbuída da missão histórica que o momento exige e estamos presenciando o surgimento de uma primeira geração de produtores especialistas (eu chamo de produtores criativos) que querem só produzir e vêm com formação das universidades de cinema.

E a pergunta que não quer calar? De onde virá o dinheiro para se fazer esta revolução audiovisual? A Lei estabelece que 10% dos recursos do Fistel sejam direcionados para um fundo de fomento, o que representa R$ 300 milhões ao ano. Sem dúvida, suficientes para começar. Para quem iniciou a carreira na era Collor, quando o cinema entrou em colapso e a produção independente ainda era um sonho, a primavera do audiovisual brasileiro parece estar batendo à porta.

Toni Venturi é cineasta, diretor de O Velho, a historia de L. C. Prestes; Latitude Zero; Cabra-Cega e Estamos Juntos

 

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