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Versos doces

O fogão a lenha, o tacho de cobre, o rio Vermelho, os becos de Goiás. Impregnada desses objetos e ambientes e sobretudo da vida simples da cidade de Goiás no início do século, a poetisa e doceira Cora Coralina conquistou um espaço permanente na literatura brasileira. Nascida Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretas em 20 de agosto de 1889.

Cora só publicou o seu primeiro livro aos 76 anos de idade. Escreveu contos e poesias, tendo estreado no cenário das letras com a obra “O Poema dos Becos de Goiás e Estórias Mais”, publicada pela editora José Olympio em 1965.

A relação de Cora com as letras, contudo, vinha já de longa data. A poetisa de Goiás escrevia desde 1903, e cinco anos depois chegou a criar, com duas amigas, um jornal de poemas femininos intitulado “A Rosa” – início de uma longa trajetória de amor com a escrita, marcada sempre pela despretensão com que retratava a sua vida e a de seus conterrâneos.

Em 1911 Cora – pseudônimo que criou na mocidade e adotou definitivamente por volta dos cinquenta anos de idade conheceu seu futuro marido, o advogado Cantídio Tolentino Brêtas, com quem fugiu de Goiás para Jaboticabal, no interior paulista, onde criaria os seis filhos do casal: Paraguaçu, Enéias, Cantídio, Jacintha, Ísis e Vicência.

antiguidades
[trecho]
Quando eu era menina
bem pequena,
em nossa casa,
certos dias da semana
se fazia um bolo,
assado na panela
com um testo de borralho em cima
Era um bolo econômico,
como tudo, antigamente.
Pesado, grosso, pastoso.
(Por sinal que muito ruim.)
Eu era menina em crescimento.

Na atribulada vida doméstica, e conforme o costume de uma época muito mais restritiva para as mulheres, Cora abandonou os estudos logo cedo, tendo completado apenas o curso primário. Depois da bem recebida estreia na literatura, inicia uma prolífica e variada trajetória, marcada ainda pelas obras “Estórias da Casa Velha da Ponte”, “Os Meninos Verdes”, “Meu Livro de Cordel”, “O Tesouro da Velha Casa”, “Becos de Goiás” e “Vintém de Cobre: Meias Confissões de Aninha”.

Sobre este último livro, o consagrado poeta Carlos Drummond de Andrade escreveria, em 1980, uma elogiosa carta que ajudaria a divulgar para todo o Brasil o nome de Cora Coralina. À época, Drummond escreveu a ela que “seu ‘Vintém de Cobre’ é, para mim, moeda de ouro, e de um ouro que não sofre as oscilações do mercado. É poesia das mais diretas e comunicativas que já tenho lido e amado. Que riqueza de experiência humana, que sensibilidade especial e que lirismo identificado com as fontes da vida!”.

Na sequência, o poeta alerta para a consagração da colega: “Aninha hoje não se pertence. É patrimônio de nós todos, que nascemos no Brasil e amamos a poesia”.

Na sua obra, como os poemas reproduzidos pelos Cadernos SESC de Cidadania nesta página e na anterior bem ilustram, Cora se coloca diante da vida com uma postura franca e humilde – sem aderir a modismos literários, manteve sua poesia direta e universal.

Além de trabalhar como doceira, também chegou a produzir e vender linguiça caseira e banha de porco – sempre conciliando a cozinha e a poesia. Cora ainda gravou um LP declamando algumas de suas poesias. Morreu em Goiânia em 1985, e sua casa na Cidade de Goiás foi transformada em museu.