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Brasileiro perdeu o medo de avião

Por: FRANCISCO LUIZ NOEL

Arte PB Nunca como agora os brasileiros viajaram tanto de avião pelo país, visitando parentes, retornando à terra natal, conhecendo novos lugares ou, simplesmente, passeando. Por conta da redução dos valores cobrados pelas tarifas (que caíram pela metade, na média, entre 2002 e 2012), do crescimento da renda dos assalariados e da expansão do crédito, a decolagem da oferta e da procura de voos deixou definitivamente para trás o tempo em que os preços eram proibitivos e faziam do transporte aéreo um privilégio dos ricos. O céu em que o setor trafega desde a virada da década é de brigadeiro – todo azul, sem nuvens –, de acordo com o último estudo do Ministério do Turismo sobre o mercado doméstico: 17% das viagens turísticas em 2011 foram feitas de avião, contra 11,3% em 2007.

O aumento de 50,4% em quatro anos no número de viagens turísticas aéreas indica que o mercado brasileiro de aviação tende a continuar em alta nos próximos anos. “Embora o turismo por avião tenha menor escala que o terrestre, a expansão foi muito expressiva”, diz José Francisco Salles Lopes, diretor do Departamento de Estudos e Pesquisas do Ministério do Turismo. “A probabilidade de que continue crescendo é grande, pois os preços, hoje, são convidativos.” Lopes explica que, à medida que amplia seu poder aquisitivo, o brasileiro passa a preferir o avião. “O modal aéreo vai ocupar, percentualmente, um espaço cada vez maior como meio de transporte no país.”

A “Pesquisa de Turismo Doméstico 2012”, realizada pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) para o ministério, traça um detalhado perfil do viajante brasileiro, com base em entrevistas feitas em mais de 37 mil domicílios urbanos de norte a sul do país. Moradores das 27 capitais e de outros 110 municípios com população superior a 200 mil habitantes responderam a mais de 40 perguntas sobre o que fizeram ou deixaram de fazer em matéria de atividade turística ao longo de 2011. Na amostra das residências, modelada de acordo com a composição socioeconômica da população urbana, os entrevistados foram distinguidos em três faixas de renda familiar – até quatro salários mínimos, de quatro a 15 e acima de 15.

A média de viagens domésticas por domicílio no ano foi de 2,6, realizadas por pelo menos um morador, tendo como meios predominantes, pela ordem, o carro próprio (44,1%), o ônibus de linha ou excursão (31,6%) e o avião (17%). O principal local de hospedagem foi a casa de amigos ou parentes. Em 44% dos domicílios, pelo menos um residente realizou no mínimo uma viagem doméstica em 2011, enquanto em 7% pelo menos um morador fez viagens rotineiras, não turísticas, no país. Mais de 90% dos viajantes não recorreram a agências de turismo. Além disso, pelo menos um morador de 4,3% dos domicílios cruzou os ares com destino ao exterior. No saldo geral, em 48,5% dos domicílios alguém realizou algum tipo de viagem no exercício pesquisado.

Em números absolutos, para um país em que o Censo 2010 contabilizou 49,2 milhões de domicílios urbanos, moradores de 23,3 milhões deles saíram em alguma viagem doméstica em 2011. O total desses trajetos foi estimado em 347 milhões, dos quais 190,8 milhões foram a passeio. São Paulo aparece folgado na liderança das origens e destinos das viagens turísticas – 44,5 milhões e 39,4 milhões, respectivamente. O segundo estado no ranking é o Rio de Janeiro, com 17,5 milhões e 15,8 milhões. Por região, a que mais recebeu viagens turísticas de brasileiros foi a sudeste, com 70,8 milhões, seguida pela nordeste, com 54,2 milhões – 12,6 milhões para a Bahia, líder entre os estados nordestinos.

A perder de vista

A pesquisa do Ministério do Turismo confirma que essa forma de lazer tem relação direta com a disponibilidade de renda. Na faixa acima dos 15 salários mínimos, em 78% das residências visitadas pelo menos um morador fez uma viagem em 2011, ao passo que no estrato até quatro mínimos a proporção foi de 39,2%. O número de pessoas por domicílio que realizaram pelo menos uma viagem também dependeu do bolso. Na faixa mais baixa, em 30,4% das casas três ou mais residentes viajaram, enquanto na mais alta totalizaram 47,5% as moradias em que pelo menos três pessoas fizeram viagens. Entre os que não saíram de casa, 53,7% na faixa até quatro mínimos lamentaram a falta de dinheiro e 50% entre os que ganham mais de 15 disseram que não sobrou tempo.

O modo de transporte nos percursos turísticos também guarda forte associação com o nível da renda familiar. A pesquisa do ministério mostra que, na principal viagem doméstica feita em 2011, o uso de carro próprio e do avião correu paralelo ao poder aquisitivo. O automóvel foi usado por 34,1% dos viajantes da faixa de até quatro salários mínimos e por 49,2% dos que ganham mais de 15. No caso do avião, a utilização do modal foi respectivamente de 9,8% e 39,2%. Em sentido inverso, a participação percentual dos ônibus de linha e de excursão é maior entre os mais pobres: 39,2% e 5,9%, contra 6,8% e 2,3% entre os que têm renda familiar acima de 15 mínimos.

Um dado salta aos olhos nos números do Ministério do Turismo, assinala o diretor do Departamento de Estudos e Pesquisas: as pessoas estão passeando mais e, sempre que podem, valendo-se do avião. “O brasileiro está colocando o turismo em sua estrutura de consumo, e isso favorece a viagem aérea”, destaca Salles Lopes. O fato é que quem não gastava com turismo está passando a fazer isso. Em 2007, ano da pesquisa anterior, cerca de 38% das famílias viajaram a turismo; em 2011, foram 44%. “É um dado significativo no quadro das viagens domésticas. Há um aumento expressivo da classe C, e a classe A olha com mais atenção a ideia de viajar de avião mesmo no caso de distâncias curtas”, salienta o representante do Ministério do Turismo.

Toda uma conjuntura favorável ao transporte aéreo está fazendo o brasileiro perder o medo de viajar de avião. “Esse temor acabou. Os turistas estão se dando conta que os acidentes aéreos, normalmente fatais, apresentam um percentual extremamente pequeno em relação ao número de voos”, declara Salles Lopes. Os últimos grandes desastres aéreos no país aconteceram em setembro de 2006 e julho de 2007 – no primeiro, com 154 mortes, um Boeing da Gol caiu após um choque com um jato executivo Legacy, em Mato Grosso; no segundo, com 199 vítimas, um Airbus da TAM explodiu após derrapar no aeroporto paulistano de Congonhas.

Liberdade tarifária

As facilidades de financiamento das passagens, incluídos parcelamentos a perder de vista no cartão de crédito, têm contribuído sobremaneira para o incremento das viagens por avião. Do lado da oferta, a diminuição dos custos operacionais e a concorrência acirrada entre as companhias ajudaram a tornar as tarifas convidativas e, em muitos casos, inferiores às do modal rodoviário. Em março último, se comprada com antecedência de três meses, a viagem aérea de ida e volta Brasília-São Luís saía por R$ 448, enquanto a realizada em ônibus de linha custava R$ 547. O trajeto por ar não dura mais que 3 horas; já o de ônibus, 35.

A comparação de preços no percurso entre a capital federal e a maranhense é exemplo de como o transporte aeroviário vem conquistando terreno que, tradicionalmente, pertence ao rodoviário. “Onde há fluxo aéreo e terrestre, a viagem de avião tem se mostrado muito competitiva”, afirma Salles Lopes. Todavia, para tirar proveito da concorrência entre as companhias, beneficiar-se de promoções e conseguir bons preços é necessário que o viajante faça um bom planejamento, que deve começar, invariavelmente, pela decisão antecipada do destino turístico.

“É preciso se programar, fazer pesquisa de preços e analisar as condições mais vantajosas de pagamento. Tudo isso é muito importante para a aquisição de passagens aéreas com preço razoável e em condições de competir, portanto, com o da viagem por ônibus”, diz o técnico do Ministério do Turismo. “Sabendo se organizar, a viagem de avião pode sair bem em conta. Quem compra de afogadilho, em cima da hora, acaba tendo de encarar os preços de mercado, que podem, em alguns casos, ser dez vezes mais elevados”, alerta.

A variação do valor da viagem entre Brasília e a capital de Minas Gerais ilustra como o fator tempo condiciona as cotações no mercado aéreo. Com antecedência, a passagem pode ser comprada por até R$ 59, mas chega a custar mais de R$ 800 quando adquirida na véspera do embarque. A elevação de preços que acompanha a contagem regressiva até o momento da partida é realidade na aviação comercial em todo o mundo. Pelas regras de funcionamento do setor, a venda de assentos mais baratos de forma antecipada objetiva a garantia dos custos do voo. Cobertas as despesas, as passagens mais caras respondem pelo lucro das companhias.

As passagens aéreas estão em rota de queda no Brasil desde 2002, como resultado do regime de liberdade tarifária adotado pelo setor seis anos antes e ratificado em 2005 pela lei 11.182, que criou a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e determinou que as empresas aéreas fossem somente obrigadas a comunicar previamente à agência os valores estipulados. Até a liberação dos preços, porém, o processo havia sido longo. Fixadas pelo governo federal até 1989, as tarifas de avião passaram nesse ano a ser cotadas de acordo com um regime de bandas, que demarcavam limites mínimos e máximos para os preços, tendo como referência a evolução dos custos dos voos.

O efeito da concorrência no bolso dos viajantes é medido pela Anac nas edições trimestrais do Relatório de Tarifas Aéreas Domésticas. “Em 2002, menos de um terço das passagens aéreas era comercializado com tarifas inferiores a R$ 300; em 2012, essa parcela chegou a cerca de 65%”, afirma Cristian Vieira dos Reis, gerente de Análise Estatística e Acompanhamento de Mercado da Anac. Os preços mais acessíveis, com a vantagem das vendas parceladas, têm relação direta com a marca alcançada em 2012 de 100 milhões de passageiros em voos domésticos e internacionais.

Os números confirmam a redução de preços nos últimos anos. “Em 2012, a tarifa aérea média doméstica foi apurada em R$ 293,50. O passageiro desembolsou pouco mais da metade do que pagava dez anos antes para voar. Apenas 0,36% das tarifas aéreas comercializadas tiveram valores acima de R$ 1,5 mil”, conta Reis. Ao longo do ano, os preços médios ficaram na mesma faixa registrada em 2011, com pequena queda de 0,16% no valor gasto pelos passageiros por quilômetro de voo.

Os preços atrativamente estáveis e as promoções vêm sendo mantidos pelas companhias mesmo num cenário de pressão sobre os custos. O desembolso que elas obrigatoriamente bancam inclui arrendamentos, seguro e manutenção de aeronaves, além da folha de pessoal e do combustível, que tem preço condicionado às oscilações internacionais das cotações do petróleo e da taxa cambial. Do faturamento das companhias, segundo a Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear), 43% correspondem a gastos com o querosene de aviação. Seja como for, o fato é que a renhida disputa por passageiros prossegue, emitindo sinais de que os preços vão continuar atraentes.

A concorrência, liderada pela TAM e pela Gol, intensificou-se com o crescimento de companhias como Avianca e Azul-Trip. A oferta de voos dentro do país quase triplicou de 2003 a 2012, paralelamente ao aumento do número de empresas, algumas delas regionais e de pequeno porte. “Em 2003, foram efetuados 30 milhões de desembarques domésticos, só de brasileiros; em 2012, esse número subiu para 85,4 milhões”, informa Salles Lopes. Segundo ele, a estrutura da aviação civil cresceu. “Foi, naquele período, uma das maiores expansões em nível mundial.” A frota das companhias brasileiras, composta por cerca de 500 grandes aviões, também vem encorpando, com encomendas firmes a fabricantes como a brasileira Embraer, a estadunidense Boeing e a europeia Airbus.

“Dentro da média”

A competição nos céus marca a nova era da aviação comercial no país, iniciada em 1927, quando foram criadas a Condor (Cruzeiro do Sul) e a Viação Aérea Rio-Grandense (Varig), que se tornaria a gigante do setor. Em 1929, surgiu a Panair do Brasil, que funcionaria até 1965. A Viação Aérea São Paulo (Vasp), pioneira na ponte aérea entre a capital paulista e o Rio de Janeiro, foi fundada em 1933 e se manteve no ar até 2005. Em 1955, nasceu a Sadia, fechada – já com a denominação Transbrasil – em 2001. Essa fase foi encerrada com a quebra da Varig, em 2006, abrindo caminho para a tomada do mercado pela TAM e pela Gol.

A Anac considera que as companhias aéreas estão preparadas para fazer frente às perspectivas de crescimento da demanda doméstica, até porque a oferta de voos ainda é superior à procura, resultando num índice de ocupação dos aviões em torno de 70%. “Pressionadas a buscar uma taxa mais elevada, com vistas a otimizar a utilização das aeronaves, recuperar a rentabilidade e reverter prejuízos dos últimos dois anos, a TAM e a Gol reduziram a oferta desde setembro de 2012, alcançando índices de ocupação em torno de 80%”, comenta Reis, da Anac.

Apesar dos relatos de atraso de voos que irrompem às vezes no noticiário, as autoridades da aviação e do turismo consideram que são anormalidades pontuais, dentro da margem internacional. “É um percentual muito pequeno, que não configura uma característica da aviação brasileira, já que há atrasos no mundo inteiro”, diz Salles Lopes. “Somos um país continental. Numa viagem longa, do Amazonas ao Rio Grande do Sul, com muitos pontos de parada, uma pequena demora, por menor que seja, acaba, invariavelmente, retardando toda a viagem.”

O esperado teste de eficiência da aviação comercial no país é a Copa do Mundo, de 12 de junho a 13 de julho de 2014. Tanto as delegações esportivas e os torcedores estrangeiros quanto os brasileiros deverão se movimentar de forma intensa entre as 12 cidades escolhidas para sediar as partidas de futebol. Como parte dos aportes em infraestrutura aérea previstos pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) 2, em sintonia com os compromissos do Brasil com a Federação Internacional de Futebol (Fifa), estão sendo investidos R$ 7,4 bilhões em 31 obras de ampliação e reforma de pistas e terminais de 13 aeroportos.

As companhias aéreas e a Anac apostam no legado que as obras deixarão para o crescimento da aviação, passada a Copa. Em março, a Abear apresentou à presidente Dilma Rousseff um pacote de propostas de medidas governamentais para o estímulo às viagens aéreas, tendo como meta elevar, até 2020, para 200 milhões o número de passagens vendidas ao ano no país. Segundo a agência, a conclusão das obras de infraestrutura e a concessão de aeroportos à iniciativa privada deverão impulsionar o setor. Os investimentos na ampliação e na melhoria dos aeroportos de Guarulhos, Campinas e Brasília, a recente autorização para a concessão dos aeroportos de Confins (Tancredo Neves), em Minas Gerais, e Galeão (Antônio Carlos Jobim), no Rio de Janeiro, e a política de estímulo à aviação regional devem contribuir para o aumento do número de voos e promover a entrada no mercado de novas empresas aéreas, ampliando assim ainda mais a oferta e a concorrência no setor do transporte aéreo nos próximos anos.