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Fauna urbana

A bióloga Anelisa Magalhães trabalha na Divisão de Fauna Silvestre da Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente de São Paulo. A professora universitária e coordenadora do Programa de Inventariamento de Fauna Silvestre de São Paulo realiza pesquisas anualmente em São Paulo para mapear os animais silvestres que habitam a cidade. Em encontro realizado pelo Conselho Editorial da Revista E, a convidada desta edição falou sobre o surgimento desse tipo de levantamento, apontou alguns dos animais que podem ser encontrados e comentou o processo de deslocamento de diferentes espécies de aves. “Como fazemos esse levantamento de fauna? A coisa mais bacana desse trabalho (...) é participar de um estudo de longo prazo”, afirma. “Você vê bicho migratório de longa distância vindo frequentemente a São Paulo.” A seguir, trechos.

O início
Quando comecei a trabalhar na divisão de fauna, tinha acabado de me formar, o serviço era novo e eu me perguntei “será que vou encontrar animal silvestre na cidade de São Paulo?” As minhas expectativas eram baixíssimas. Eu pensava que veria no máximo algumas aves. Entretanto, essa expectativa foi superada.

Em 1991, teve início o serviço de atendimento de fauna silvestre pela prefeitura de São Paulo. Antes, muitos animais eram entregues aos zoológicos, mas não havia um serviço municipal para atendê-los. Então começou um tipo de trabalho que era e ainda é ligado aos parques municipais de São Paulo. Foram contratados veterinários e biólogos. Depois que os animais encontrados eram tratados, os profissionais tinham obrigação de devolvê-los para a cidade – se estivessem recuperados, é claro.

Logo fomos atrás de informações a respeito da localização dos bichos na cidade e dos ambientes em que eles viviam, pois percebemos que havia pouco conhecimento a respeito disso. Na verdade, existia o trabalho com dados da fauna do Parque Estadual da Cantareira, que foi a primeira unidade de conservação da cidade, mas não se tinha notícias sobre o resto das áreas da cidade. Havia também um livrinho com estudos das aves do Campus Butantã da Universidade de São Paulo (USP), mas esse material era insuficiente para nós, que começaríamos a trabalhar em áreas municipais. Assim, fomos a campo e em 1993 demos início a um levantamento sistemático de animais que habitam os parques municipais.

Começamos com os parques Ibirapuera, Carmo e Alfredo Volpi. Em 1994, avançamos para a área de Capivari [Área de Proteção Ambiental (APA) Municipal Capivari-Monos], um espaço na zona sul que pertencia à Sabesp. Fomos estudar a região, pois a empresa planejava fazer mais uma represa de reservatório de água nesse local, que tem um dos últimos rios não poluídos da cidade, o Rio dos Monos. Lá a gente registrou pegadas de onça, anta e veado – dentro do município de São Paulo. A Cantareira nem tinha essa informação! Por isso, levamos o material para os especialistas da USP, até para saber se era onça mesmo. Passados vinte dias do registro, ficamos sabendo que um índio da aldeia do Kurukutu [localizada na APA Capivari-Monos] havia capturado e matado uma onça da região. Na verdade, a armadilha havia sido feita para pegar um veado, mas o índio acabou pegando uma onça fêmea. Resultado: o índio nos deu a pele dela, que foi depositada e tombada no Museu de Zoologia (USP) como o primeiro registro de onça depois de muitos anos, um verdadeiro registro histórico dessa região.

Levantamento

Como fazemos esse levantamento de fauna? A coisa mais bacana desse trabalho, apesar de sermos uma equipe que não tem taxonomistas [especialista em descrever, identificar e classificar os seres vivos] – quer dizer, a gente conta com a ajuda deles quando não sabemos de alguma coisa –, é participar de um estudo de longo prazo. Não é uma tese que vai ter um começo e vai terminar em dois, três anos. Ele se inicia e você vai coletando informação ao longo do tempo, de modo que temos 20 anos de informações sobre a fauna. Como a fauna é dinâmica, você consegue ter um filme e não apenas um retrato de uma situação. Isso é muito interessante.

Nós vamos a campo fazer as coletas de fato, pois não adianta nos basearmos nas teses de 1985, por exemplo. Temos que voltar ao lugar para ver como ele está, saber em que condições estão os bichos, se ainda estão lá ou não. Isso se chama coleta de dados primários. Como trabalhamos principalmente com fauna de vertebrados, pequenos mamíferos, por exemplo, temos que usar a coleta, como um balde que serve de armadilha para pequenos roedores. Há também outras armadilhas para animais, como redes. Então para cada grupo a gente usa uma metodologia diferente.

Mudando os ares

Há bastante deslocamento de animais dentro do município de São Paulo. Podemos ver diariamente migração de biguá [ave aquática] e de garça. Na zona sul é muito comum vê-los em formação, voando. As garças que vêm para o Ibirapuera não dormem lá. Elas comem e vão dormir em outro local. Sabemos da existência de um ninhal muito grande no Jardim Botânico e de outros dois na beira da Billings [reservatório de água da região metropolitana de São Paulo que faz limite a oeste com a bacia hidrográfica da Guarapiranga e, ao sul, com a Serra do Mar]. Esses bichos utilizam um local para dormir e outro para comer.

Tem também a migração de longa distância de animais que vêm do hemisfério norte: maçaricos, batuíras. Eles também usam esses reservatórios, a Billings e a Guarapiranga. Durante a “seca”, quando se forma a praia, podemos ver mais deles, que, normalmente, passam quase despercebidos. Não usam São Paulo da mesma forma que usam a Lagoa dos Patos [laguna localizada no estado brasileiro do Rio Grande do Sul considerada a maior do Brasil e a segunda maior da América Latina], mas é possível ver bicho migratório de longa distância vindo frequentemente a São Paulo.

A águia-pescadora e o falcão-peregrino também vêm do hemisfério norte todo ano. Eles vêm, arrebentam-se em alguma vidraça e chegam lá [na Divisão de Fauna do Viveiro Manequinho Lopes, local onde Anelisa Magalhães trabalha]. Tem o gavião-pomba, ameaçado de extinção, que aparece também de vez em quando, sempre entre abril e maio. O nosso banco de dados de atendimento é muito interessante porque as ocorrências se dão sempre nas mesmas datas, então você pode começar a entender o que acontece com esses animais que aparecem em determinadas épocas do ano.

A araponga [ave conhecida por grito alto e estridente] aparece no Ibirapuera na primavera. Nessa primavera ela não apareceu, mas esteve por cinco primaveras consecutivas no parque em busca de comida. Essa ave é uma dispersora de sementes, come frutos grandes, então ela vai atrás de árvores frutíferas – assim como os papagaios e as maritacas, que têm olfato apurado para isso.

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