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Meandros do esporte

Por: por Antonio Carlos da Silva

Antonio Carlos da Silva é doutor pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), professor associado do Departamento de Fisiologia e chefe do setor de Fisiologia do Exercício da Unifesp. O biomédico preside o Centro de Educação Física e Esporte (Cefe), do qual é membro fundador, além de atuar como coordenador geral e docente de diversos cursos de pós-graduação da Unifesp, como os de Fisiologia do Exercício e Treinamento Desportivo. Em encontro realizado pelo Conselho Editorial da Revista E, o convidado desta edição falou sobre o início de seu trabalho de pesquisa na área de fisiologia do esporte, apontou o grande potencial que representam os atletas paraolímpicos para o país, comparou o treinamento de atletas olímpicos com o de paraolímpicos e ressaltou a importância do acompanhamento fisiológico nas equipes de futebol. “Se os profissionais jogam toda quarta e domingo, e ainda têm treino no meio-tempo, eles têm que descansar. A grande parte do ganho do treino ocorre durante a recuperação”, afirma. A seguir, trechos.

Início

A Escola Paulista de Medicina [hoje Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)] foi uma das primeiras a estudar a área de fisiologia do exercício no Brasil. O nosso professor, na época, tinha interesse em estudar o chamado metabolismo basal, que é aquele mínimo de energia que você precisa gastar para manter o seu corpo em funcionamento. É quase como se fosse a marcha lenta do carro. Isso era importante na época por causa das doenças na tireoide, já que muita gente sofria de hipertireoidismo e precisava de uma confirmação de diagnóstico. Nessas pessoas o metabolismo basal estava aumentado, pois o hormônio da tireoide é como um acelerador do metabolismo – então a pessoa tinha o gasto energético basal aumentado. Por outro lado tinham os obesos. Todo obeso sofre de doenças na tireoide, nenhum obeso é obeso apenas por conta de excesso de ingestão alimentar.

Enfim, por causa desse interesse, nós começamos a fazer medida de consumo de oxigênio em animais, só que eu e o meu colega Turíbio [Leite de Barros, fisiologista do São Paulo Futebol Clube por 25 anos] éramos apaixonados por esporte. Começamos, então, a receber catálogos de esteiras e vimos que aquilo que nós fazíamos podia ser aplicado ao esporte: medir o consumo de oxigênio e o gasto energético de atletas. Nós também estudávamos fisiologia respiratória, fisiologia cardiovascular, e começamos a enxergar que o exercício físico era uma forma reproduzível, quantificável de você impor sobrecarga ao sistema funcional humano, ao sistema fisiológico.

Então, por exemplo, não posso comparar fisiologicamente duas pessoas pela quantidade de quilômetros que correm, mas posso dizer que estão a 70% das suas capacidades cardíacas máximas, estão sendo igualmente exigidas. Posso quantificar o grau de esforço pela porcentagem de elevação da frequência cardíaca. E posso também quantificar o estresse fisiológico do esforço de qualquer pessoa. Agora, por exemplo, vocês [refere-se à plateia] devem estar respirando de 14 a 16 vezes por minuto, consumindo 250 mililitros de oxigênio por minuto. Qualquer um dos senhores chega a consumir facilmente 3 litros de oxigênio por minuto. Esses conhecimentos permitiam uma série de quantificações. Pelo ponto de vista clínico, daria para verificar, por exemplo, se o indivíduo tinha uma tolerância ao exercício normal ou abaixo do normal. Todo mundo tem o seu limite, mas como quantificar se esse indivíduo tem o limite dentro da normalidade ou não? Então isso foi desenvolvido. O sujeito tem que ser capaz de produzir um determinado grau de gasto energético ou de atingir uma certa velocidade numa forma padronizada de exercício. Se ele não conseguir, já manifestar fadiga, ele tem uma intolerância ao exercício acima do normal. Se a intolerância ao exercício for alta é uma indicação para que se mande fazer uma avaliação clínica e cardiovascular.

Esporte paraolímpico

O esporte paraolímpico tem como principal finalidade mostrar às pessoas com necessidades especiais ou com deficiências que são capazes de fazer muito mais do que pensam. Serve também para indicar ao restante da comunidade mundial que o deficiente tem dificuldades com algumas coisas, mas tem todo o restante potencialmente produtivo. Trabalhei 12 anos com esses atletas e percebi que a capacidade de evolução, a malandragem, é tudo igual. A diferença é que eles andam de cadeira de rodas ou não enxergam.

A mesma coisa nas Olimpíadas. Qual era o ideal olímpico? Mostrar a evolução da raça humana. No entanto, houve uma época em que ela era exclusiva de uma elite branca, anglo-saxônica e protestante. Não competia negro, não competia deficiente. Com o tempo a situação foi mudando. A principal importância social do esporte paraolímpico é conscientizar o próprio paciente e depois o resto da população de que os deficientes têm capacidade para fazer uma série de coisas que a população esquece. Eles têm vontades semelhantes às da maioria das pessoas naqueles aspectos em que eles não estão comprometidos e têm uma enorme capacidade de adaptação.

Eu, como fisiologista, percebo que muitas vezes os atletas paraolímpicos treinam tanto que conseguem pular mais alto que um atleta olímpico. Estou interessado em saber o que essa pessoa tem, como ela mantém o equilíbrio, o que ela conseguiu desenvolver. O interesse não é só ajudar outros em condição semelhante à dessa pessoa, como também para fortalecer alguma coisa que possa melhorar o desempenho do atleta olímpico e vice-versa. Isso dentro do raciocínio da contribuição.

Não se devem comparar os dois tipos de olimpíadas. O importante é estimular o esporte paraolímpico, para que as pessoas com deficiência pratiquem atividade física, tenham menos doenças crônicas degenerativas e para que surjam novos recordistas. Todos os atletas devem superar limites.

Fisiologia no futebol

O profissional de fisiologia do exercício acaba tendo uma participação mais ativa na comissão técnica dos times de futebol. É sabido que frente a determinados níveis sanguíneos de uma determinada enzima do corpo humano existe um risco maior de lesão muscular. Então, a partir de certo nível é possível fazer uma sugestão sobre poupar ou não determinado atleta. De modo geral, há o departamento médico e o fisiológico, que também cuida de elementos como nutrição, de avaliações de estresse muscular etc.

Quando o Ronaldo, o Ronaldinho Gaúcho e outros jogadores foram para a Europa, a gente viu que eles encorparam muito. A musculatura aumentou. O histórico que temos é de que lá é feita uma preparação forte da parte muscular, muito mais do que era feita aqui. Em consequência dessa realidade, o Brasil também aumentou a quantidade dos treinos e a preocupação, mas ainda temos calendários incompatíveis com determinados programas de treino. Se os profissionais jogam toda quarta e domingo, e ainda têm treino no meio-tempo, eles têm que descansar. A grande parte do ganho do treino ocorre durante a recuperação. É por isso que há necessidade de um profissional para avaliar esses intervalos.

“A principal importância social do esporte paraolímpico é conscientizar o próprio paciente e depois o resto da população de que os deficientes têm capacidade para fazer uma série de coisas que a população esquece”