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Nova Velhice

Ilustração: Marcos Garuti
Ilustração: Marcos Garuti



Nova velhice


As mudanças na concepção da velhice envolvem novas perspectivas psicológicas, sociais e físicas. O processo que antes tendia a ser visto como penoso, hoje pode ser considerado um momento de auge de sabedoria ou mesmo de sexualidade. Com os avanços da medicina, a chamada “terceira idade” já se torna a nova “quarta idade”, mas nem por isso o tratamento concedido aos idosos foi acompanhado de melhorias. Talvez, a combinação infraestrutura urbana adequada, apoio familiar e cuidados com a saúde seja a chave para alcançar longevidade com qualidade. A professora do Departamento de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) Tereza Goes e o geriatra e professor de clínica geral pelo Hospital das Clínicas, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), Paulo Camiz, analisam o assunto.

 

Nova Velhice em Novos Tempos
por Tereza Goes


No início dos anos 2000 organizei um livro intitulado A Nova Velhice (Editora Revinter), reunindo textos de profissionais e estudiosos do tema “envelhecimento” em diversas áreas – medicina, psicologia, comunicação social, arquitetura, educação física.
Decorrida uma década, algumas mudanças se sucederam, embora desde então tenha sido destacada que a intitulada “terceira idade” e eufemismos como “melhor idade”, “maior idade”, “feliz idade” etc., tentavam encobrir o termo velhice, associado à decadência e à proximidade da sempre negada morte.


O fato é que a maior conquista dos últimos anos – aumento da expectativa de vida – carrega um desafio que não vem se tornando menor ao longo deste novo milênio. Ao contrário, por um lado o envelhecimento crescentemente é adiado para uma “quarta idade”, para os que podem e conseguem. Neste caso, é só constatar os atuais jovens idosos- sexagenários “sexy” e septuagenários ativos e em posições de destaque social, econômico e cultural: desportistas, artistas, intelectuais, empresários, de ambos os sexos. No entanto, por outro lado, verificam-se, cada vez mais, idosos debilitados por doenças físicas e mentais – octogenários, nonagenários e até centenários, necessitando de cuidados dificilmente conseguidos.


E quem são os cuidadores dos mais frágeis em uma sociedade materialista como a contemporânea, em que estão presentes, além do afrouxamento dos laços afetivos familiares, a violência desenfreada, a competição social acirrada, o não compromisso com os valores humanos, a ética?


Encontram dificuldades até as classes mais altas da população – atualmente colocada como vilã e chamada pejorativamente de “elite”–, sem se levar em conta a diversidade que existe nesta camada social.  Na classe A, o familiar cuidador – que, no mínimo, administra os cuidados – quase sempre é a esposa, também idosa, ou filha que ainda exerce uma profissão ou já está na chamada terceira idade, desejosa de usufruir descanso e lazer, em vez desta árdua tarefa.


Quanto às ditas classes médias, torna-se cada vez mais difícil obter ajuda. Em primeiro lugar, porque os profissionais ainda estão despreparados para um trabalho efetivo e afetivo como demanda este tipo de cuidado. Em segundo, porque, com a nova lei das domésticas e a pauperização dos setores médios da população, os salários e benefícios exigidos pelo profissional se aproximam do próprio rendimento familiar dos que solicitam auxílio.


Em terceiro, porque raramente este papel é compartilhado com figuras masculinas ou com os mais jovens. O engajamento masculino, embora maior que no passado, ainda é muito precário. Quanto às gerações mais jovens, paira como ideal desta camada social que seus deveres se esgotam nas escolas, devendo o tempo restante ser dedicado ao lazer. Em quarto, porque as diversas instituições de trabalho não facilitam horários e até discriminam servidoras e, principalmente, servidores que solicitam algumas facilidades para atender os seus familiares. E, last but not least, os planos de saúde vão ficando inaccessíveis aos mais velhos com suas minguadas aposentadorias, onerando as famílias. 


Então, esposas e filhas, após jornadas duplas de trabalho, vão para a terceira jornada, até a exaustão. A hétero e autocobrança dessas mulheres aumentam o estresse. O tempo escasseia e o cansaço domina. Restam as “pílulas mágicas”: antidepressivos, para se enquadrar na dura realidade, e ansiolíticos, para dela fugir, ao menos por breves momentos de sono. Muitas vezes, tornam-se dependentes destes químicos legais, mas que também acarretam males diversos.


Quanto aos mais pobres, tudo isto é agravado pela quase absoluta falta de assistência médica e hospitalar, mesmo com os tímidos avanços dos abrigos e casas de convivência. Muitas vezes, o socorro dos vizinhos, mais solícitos e próximos do que em outras classes sociais, ainda soa como a última e única dramática forma de ajuda. Denunciar e admitir a existência de problemas é uma primeira etapa para as transformações. Até a própria etimologia da palavra, do grego pro-ballo, significa rolar para diante.


A esperança é que seja na direção de uma sociedade que vá se ajustando até conseguir ser, de fato, uma sociedade mais justa.
Toda denúncia carrega, em si, um tom pessimista, pois aponta para questões que necessitam mudar. No entanto, sem fantasiar ou tentar maquilar esta etapa de desenvolvimento humano conhecida como velhice, precisamos apreciá-la por diversos ângulos. Ela, nos novos tempos, se configura como algo muito distante dos estereótipos negativos do passado – inatividade, decadência, desligamento, doença, rigidez.


Se o indivíduo goza de saúde física, mental e financeira (não falamos aqui de riqueza, mas de equilíbrio entre ganhos e gastos), tende a prolongar seu processo de envelhecimento com bem-estar e em paz. Muitos são os que mantêm ou passam a deter seu poder atuante na família, por ser o mais bem-sucedido, aquele que já galgou os postos mais altos ou, ao menos que, com sua aposentadoria e trabalhos posteriores, consegue uma renda capaz de sustentar filhos e netos em processos laborais e educacionais sem rendimentos ou pouco lucrativos.


Ainda que, com as velozes transformações e a rápida difusão de informação, a experiência dos mais velhos tenha passado a representar menos, do ponto de vista do conhecimento objetivo, pode valer bastante em relação ao chamado e já valorizado quociente emocional. Portanto, no papel de consultores aos novos executores, eles podem ser muito úteis à família, no trabalho e à sociedade como um todo. Não há como ressuscitar o “velho sábio” dos tempos em que o conhecimento oral era o de que se dispunha para manter a cultura, mas também não há necessidade de tornar sábio todo aquele que não se deixa envelhecer, mascarando suas condições mais frágeis. Aceitar esta fase do desenvolvimento, com suas possibilidades e limites, já é um indício de sabedoria.


De qualquer modo, é preciso lembrar que a felicidade (felicitas) é antes uma fé lícita do que um estado permanente. No decorrer da vida há momentos inglórios que necessitam ser atravessados. Um deles é o que ora destacamos neste texto: as dificuldades pessoais e sociais de lidar com um contingente crescente de idosos adoentados e enfraquecidos na contemporaneidade. Falar é mais fácil do que fazer, todos sabemos. Então, que tal se cada ser humano, independentemente de gênero, geração ou camada social, começar a fazer, dentro de seus limites, o melhor possível?


Se as novas gerações usufruem de progressos incríveis obtidos ao longo do século passado, graças aos quais vivemos mais, por que não ajudar a pagar o ônus destes benefícios, abrindo caminhos para inovações e políticas que desenvolvam a economia, a educação, a moral e a saúde física e mental dos seres humanos?


Por que os mais jovens não podem dispensar um horário de suas comunicações virtuais e jogos eletrônicos para se envolver com uma comunicação real com o idoso frágil de sua família? Por que o homem de negócio, que tanto nega o ócio, não pode tirar um tempo para ouvir as repetidas histórias de seus pais, com a memória afetada pela demência em curso, mas muitas vezes ansiosos para rever o filho?


Cabe ressaltar, neste mundo apressado e caótico, onde o sofrimento é negado, ampliando a angústia, que aquilo que o consumo materialista promete – aplacar o vazio – a espiritualidade oferece gratuitamente e pode cumprir.
Que cada um comece, desde já, a fazer a sua parte, pois vale lembrar as palavras de Santo Agostinho, confirmadas pela neurociência contemporânea: “Nós envelhecemos desde que nascemos”.


“Se o indivíduo goza de saúde física, mental e financeira (não falamos aqui de riqueza, mas de equilíbrio entre ganhos e gastos), tende a prolongar seu processo de envelhecimento com bem-estar e em paz”


Tereza Goes é professora do Departamento de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), doutora em psicologia clínica e autora de diversas publicações sobre o processo de envelhecimento




O Idoso Ontem e Hoje
por Paulo Camiz



O século 20 foi marcado, entre outras coisas, pelo que chamamos de transição demográfica. Uma mudança que segue ocorrendo de uma maneira cada vez mais marcante na população. Todos já ouviram falar ou já se referiram, até mesmo sem saber, ao chamado “envelhecimento populacional”. O que a maioria das pessoas não se pergunta e ainda não se interessa em entender é aonde estão esses idosos, quem são esses idosos e, mais do que isso, como estão vivendo esses idosos.


Difícil responder a essas perguntas quando se trata de um grupo tão heterogêneo. Quando nascemos, somos de uma maneira geral bastante parecidos. Conforme envelhecemos, nos diferenciamos cada vez mais e isso atinge o seu auge na terceira idade, quando realmente deparamo-nos com uma heterogeneidade ímpar. Chega-se ao ponto de muitas vezes a idade dizer pouco sobre a pessoa. Há idosos de 80 anos que são perfeitamente funcionais e há idosos que na mesma faixa etária encontram-se restritos ao leito ou com sérios problemas de saúde.


Assim, para responder a essas simples perguntas, precisamos saber a que contexto está se referindo. Vive-se mais? Sem dúvida. Vive-se melhor? Nem sempre. Não concordo quando vejo declarações dizendo que os 80 anos de idade de hoje equivalem aos 50 ou 60 anos de idade de décadas atrás. Pensando em proporções de uma pirâmide populacional pode até ser, mas o perfil de doenças e de funcionalidade é totalmente diferente.


O motivo para o aparecimento e expansão dessa especialidade médica chamada geriatria é justamente esse. Doenças que antes eram vistas muito esporadicamente, agora estão virando rotina e com tendência de aumento. As pessoas ainda morrem de problemas circulatórios (infartos e acidentes vasculares cerebrais), mas bem menos. Quando não morrem, ficam muitas vezes com danos funcionais permanentes.


Assim, as doenças degenerativas ganharam e ainda ganham um espaço cada vez maior na medicina e a noção de que o idoso acumula muitas delas precisa ser levada em consideração. Alzheimer e outros problemas de memória, osteoporose, osteoartrose, incontinência urinária, quedas... Esses são alguns dos pilares de atuação do geriatra, mas deveriam despertar a curiosidade de toda a população. Será que as pessoas que convivem com essa cada vez menos minoria, têm consciência disso?


Quem já teve a oportunidade de, em um final de semana, subir no meio de transporte público de um país desenvolvido como o Japão (país que hoje tem proporcionalmente a maior população de idosos do mundo), pôde comparar a diferença em relação ao Brasil. A proporção de usuários idosos é muito maior no Japão. Questiona-se aonde estaria o idoso brasileiro neste momento. Talvez apreciando alguma atividade de lazer de final de semana.


Porém, ele terá muita sorte se não estiver em um ônibus público, em que iria ser atirado ao vidro a primeira freada brusca. Talvez mais sorte ainda por não estar andando em uma calçada esburacada, correndo o risco de cair e fraturar o fêmur ou de ser assaltado de forma violenta. Diante de tais exemplos, fica clara uma situação: há uma necessidade de adequação ambiental e também de uma educação da sociedade como um todo, que inevitavelmente caminhará na mesma direção – a do envelhecimento.


Em um país desenvolvido, as condições ambientais e educacionais favorecem que o idoso tenha mais vida nos seus dias e não apenas mais dias em suas vidas. Permitem que ele viva, e não somente sobreviva. Realmente, a maneira como as pessoas pisam nos freios de seus automóveis é diferente nos dois lugares. Seja por educação, respeito ou ambos. Precisamos esperar que passem várias gerações para observar uma mudança de consciência do nosso país?


Vagas e filas para idosos são realmente uma realidade recente, que deve ser elogiada, mas devemos entender que ainda é pouco.
Muitos idosos são vistos como um estorvo pela sociedade. Isso é um grande erro (mais da metade deles dá sustento a sua família) e é também uma grande injustiça com quem serviu aos seus durante muitos anos. Ainda vemos abusos financeiros, psicológicos e emocionais.


Na qualidade de geriatra, muitas vezes me deparo com os momentos finais de uma vida. Reflito se o desfecho poderia ser outro, caso aquela pessoa tivesse feito algo diferente décadas atrás. Aproveito para dizer que cerca de 30% dos idosos têm algum grau de dependência. Qualidade de vida é um conceito de difícil definição, visto que o que agrada a um, não necessariamente irá agradar ao outro e vice-versa, mas estudos mostram que depender de alguém afeta negativamente a qualidade de vida de praticamente qualquer pessoa.


A prevenção está no envelhecimento saudável. O antienvelhecimento? Não existe! Ao menos com o conhecimento de hoje. Sempre desconfie de alguém que advoga o “antienvelhecimento”. A chave está em saber como envelhecer de forma saudável. Alimentação adequada, atividade física, saúde emocional, inserção social e controle de doenças. Cinco pilares para o envelhecimento saudável. Conteúdo para muitos textos, mas restrinjo-me a citar brevemente neste momento.


Talvez a leitura de um texto como esse nos leve a pensar no envelhecimento no contexto atual como algo ruim, o que não é verdade. A tecnologia e os avanços da medicina hoje podem tornar a vida mais fácil para muitos. Para outros, esses mesmos avanços irão tornar a vida simplesmente possível. Em termos de funcionalidade e de qualidade de vida, isso representa muito.
Faço um convite a tomarmos mais consciência das doenças que atingem o idoso, de como ele está vivendo e do papel que podemos ter na melhoria de sua qualidade de vida, pois tudo indica que temos boas chances de chegar lá.



“A tecnologia e os avanços da medicina atual podem tornar a vida mais fácil para muitos. Para outros, esses mesmos avanços irão tornar a vida simplesmente possível”




Paulo Camiz é geriatra e professor de clínica geral no Hospital das Clínicas, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, membro da American College of Physicians (Sociedade Americana de Clínica Médica) e membro da American Geriatrics Societey (Sociedade Americana de Geriatria)