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Nada de café com leite



 


Primeira edição da Mostra Tiradentes – SP traz para a cidade seleção de filmes do evento mineiro, além de debates, lançamento de livro e oficina


A tradicional Mostra de Cinema de Tiradentes, que há 16 anos vem incentivando a difusão do cinema brasileiro contemporâneo, ganhou uma versão paulistana. De 4 a 11 de julho, foi possível acompanhar de perto a Mostra Tiradentes – SP no CineSesc, na qual foram exibidos 24 filmes da Mostra Aurora, uma das principais seções do evento mineiro. Fruto da parceria entre o Sesc São Paulo e a Universo Produção, de Belo Horizonte, uma segunda edição do evento já está confirmada para 2014.


Com o intuito de trazer novos olhares à discussão cinematográfica, foram diversas as atividades paralelas à exibição dos filmes. O Cinema da Vela, atividade que ocorre no CineSesc há mais de dois anos, recebeu especialistas como Cleber Eduardo (professor, crítico de cinema e curador da Mostra Tiradentes – SP) e Ismail Xavier (professor e crítico de cinema) para conversar com o público sobre os rumos do cinema brasileiro contemporâneo. “O bate-papo dura até a chama de uma vela se apagar, tal qual o samba da vela paulistano”, explica a técnica de programação do CineSesc Kátia Caliendo. Além disso, foram promovidos debates acerca dos temas Perspectivas do Cinema Brasileiro e Fora do Centro, houve o lançamento do livro Cinema sem Fronteiras e a oficina Análise de Estilos Cinematográficos.


Na abertura da Mostra, a Performance Audiovisual – com participação especial de Sérgio Pererê e direção de André Amparo – precedeu a exibição do filme de Paulo Henrique Fontenelle Dossiê Jango, vencedor do prêmio de melhor documentário pelo júri popular nas últimas edições do Festival do Rio e da Mostra Tiradentes.


O tema central do evento, Fora de Centro e o Centro do País, tem como ponto fundamental a discussão sobre a produção cinematográfica realizada fora do eixo Rio-São Paulo e a relação pontual com o cinema paulista, considerado o principal centro produtor do audiovisual no Brasil. Caliendo afirma que a ideia da mostra é apresentar e trazer ao diálogo diferentes pontos de vista sobre a produção audiovisual. “E os espaços constituídos para participar desse circuito – sejam salas exibidoras, festivais, produtoras, etc. –, as políticas públicas e o mercado atual de cinema”, acrescenta. Conheça alguns dos filmes participantes.



Dossiê Jango



Um dos filmes mais comentados da mostra foi Dossiê Jango, de Paulo Henrique Fontenelle, que traz à tona o conturbado período em que o ex-presidente João Goulart viveu no exílio e as nebulosas circunstâncias de sua morte. Em formato de documentário, o diretor buscou alimentar o debate em torno da necessidade de investigação e esclarecimento público desse período obscuro da era das ditaduras militares latino-americanas.


Além dos citados, o filme já recebeu prêmios do AtlantiDoc – Festival Internacional de Cine Documental de Uruguay – e do Florianópolis Audiovisual Mercosul (FAM). Antes da exibição na sessão de abertura da Mostra Tiradentes – SP, Fontenelle expressou o desejo de agradar o espectador paulistano. “O filme foi feito para todo tipo de público e acho que o pessoal vai gostar da mesma maneira. Em Tiradentes foi interessante porque a exibição foi feita na praça, então as pessoas paravam na rua para ver e não saíam mais. Quando a sessão terminou, a praça estava lotada – mesmo chovendo”, relata animado. Para o diretor, a edição paulistana do evento é mais uma oportunidade de agregar prestígio à produção nacional. “Quanto mais divulgar o nosso cinema, melhor. A Mostra de Cinema Tiradentes é tradicional no Brasil e poder levar o seu conteúdo para outros lugares é uma maneira de contribuir cada vez mais com o nosso cinema.”



Nas minhas mãos eu não quero pregos



A diretora Cristiane Ventura também se destacou na mostra com o documentário a respeito do escultor Maurino de Araújo, Nas Minhas Mãos Eu Não Quero Pregos. Reconhecido internacionalmente, o artista tem uma vasta produção de obras em madeira, mas preserva a simplicidade ao viver em uma casa modesta no bairro Primeiro de Maio, em Belo Horizonte, há mais de 30 anos e dançar pelas ruas com o seu guarda-chuva em dias de sol. “O documentário é pautado mais numa construção e desconstrução de um discurso, de quem é esse ‘personagem’ misterioso, que não gosta de sair, que não gosta de ser filmado e fotografado, mas que sai pelo menos uma vez por semana para andar mais de 12 quilômetros, dançando com seu guarda-chuva pelas ruas de Belo Horizonte”, resume a cineasta.


Além da Mostra de Cinema de Tiradentes, o filme foi exibido no Imagem dos Povos e na Mostra de Cinema de BH. A oportunidade de ter seu filme exibido em São Paulo foi fundamental para Ventura. “Muitos desses filmes são vistos mais em festivais e mostras, e encontram dificuldade de distribuição em salas de cinema. E também a exibição destaca esse perfil que a Mostra de Cinema de Tiradentes tem, de trazer uma produção mais independente e livre.”



Matéria de Composição



O documentário Matéria de Composição, de Pedro Aspahan, trata do processo de criação da composição musical erudita contemporânea brasileira relacionado ao cinema. Um mesmo videoensaio foi entregue a três compositores diferentes e cada um compôs uma peça musical que dialoga com as imagens. Ao longo de dois anos, o diretor acompanhou todo o processo, da composição aos ensaios, concertos, gravação e mixagem das músicas, resultando no filme.


Além da participação na Mostra de Cinema de Tiradentes, o filme foi exibido em festivais como Riviera Maya Film Festival – Work in Progress (México) e Festival Internacional de Curitiba – Olhar de Cinema. “O documentário mostra como a nossa percepção da imagem se transforma a partir da experiência da audição. Fiquei impressionado com a sensibilidade do público, muitas vezes leigo. As pessoas viram o filme e entenderam de uma maneira muito profunda esse tipo de relação. Isso é algo muito legal de ver acontecer”, comenta o diretor. Para ele, o cinema autoral e independente que compõe o universo da Mostra de Cinema Tiradentes condiz com a exigência que caracteriza o público paulistano. “Os dois têm muito a ganhar e a experiência de exibir o filme em São Paulo é muito rica porque é uma cidade muito importante para abrir possibilidades.”



Ventos de Valls



O grande vencedor da Mostra Tiradentes – SP foi o filme Ventos de Valls, de Pablo Lobato. Após reunir mais de três mil pessoas em oito dias de programação gratuita, o evento foi encerrado com a entrega do Troféu Barroco de melhor filme para o documentário que resgata a história de uma família ligada à pequena cidade de Valls, na Catalunha (Espanha) e tem como pano de fundo a Guerra Civil Espanhola (1936-1939). A trama é desenvolvida a partir do olhar de Ana – filha do diretor que, na época da gravação, tinha apenas três anos de idade –, tecendo um ensaio sobre infância e memória.


Apesar do sucesso, Lobato afirmou que o filme está “começando agora a sua carreira” e que foi uma ótima surpresa ter o reconhecimento do Júri Jovem. “Eu faço cinema há muito tempo e há vezes que você sente algo especial no ar, sabe? Isso aconteceu em São Paulo. A sessão correu muito bem, rolou um silêncio na sala, as pessoas respiraram junto com o filme. E depois, com a conversa com o público, eu tive um retorno muito bacana. Foi um prazer enorme participar, acordei bem mais leve no dia seguinte, com a sensação de que o filme tinha começado de fato a existir”, conta.




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