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Tradição reinventada




o artísta conta sobre sua experiência fora do Brasil, rememora a influência familiar e impõe-se como detentor de uma das carreiras musicais mais sólidas do país

A música no Brasil sempre sofreu mudanças de estilo e maturações ao longo dos anos: samba-canção, bossa nova, música de protesto, tropicália etc. Ainda assim, houve artistas que permaneceram imunes às transições, se firmando como mitos na construção da história musical nacional, como Angela Maria, Emilinha Borba, Maysa, Dalva de Oliveira, Dolores Duran e o ícone Cauby Peixoto.
Cauby é um dos mais antigos cantores brasileiros ainda em atividade e sua jovialidade de espírito, voz e amor pela música tornam os seus 82 anos apenas um detalhe ao público – que nunca deixou de ser fiel. Com tamanha potência vocal, ele não se permitiu ser esquecido pelo tempo. Se modificou, se modernizou – sem jamais perder o jeito característico de interpretar as canções – e se fez um artista antenado, sempre em busca de novidade e qualidade. É o sentimento de vanguarda se avivando na voz do que se considera “o último dos cantores”. Conheça detalhes da trajetória de Cauby Peixoto em depoimento exclusivo à Revista E.

Exterior
O tempo que passei no exterior foi a melhor experiência da minha vida. Eu fiquei dois anos na América cantando. Eu fiz um filme em espanhol em 1957, chamado Jamboree [da Warner Brothers, ao lado de Jerry Lee Lewis, Fats Domino, Carl Perkins, Frankie Avalon, Slim Whitman e Connie Francis]. Foi a minha primeira vez no cinema, mas correu tudo bem. Fui muito bem ensaiado.
Fiz muitas amizades também, com cantoras como Doris Day, Lisa Minnelli, fui muito amigo da mãe dela... Judy Garland, Bing Crosby, Grace Kelly, que casou com o Rainier, príncipe de Mônaco. Eu ensinei também a Marlene Dietrich a cantar Luar do Sertão. Quando ela veio ao Brasil (1959), quis aprender uma canção brasileira, então decorou e cantou essa música tão popular.
Eu gravei, aqui no Brasil, um enorme sucesso de Nat King Cole, chamado Blue Gardenia. Cantei na boate Copacabana [lendária casa noturna localizada em Manhattan, Nova York], e levei o meu disco para ele de presente, ¿ele adorou. Após esse episódio, cantei com ele. Fui ao seu show e ele me chamou, disse que havia escutado o meu disco e que tinha gostado muito. Citou músicas que eu gravei naquele trabalho. Ele me perguntou se eu era o “Ron Cauby”, meu apelido no exterior, e eu disse que sim, e que gostaria de cantar Blue Gardenia com ele. Ele respondeu “ok, let’s go!” – e então cantamos. Foi incrível conhecê-lo, eu era fã mesmo, não era publicidade não. Eu era fã pra valer. E Sinatra... Esse era o maior cantor do mundo.
Quando eu estava fora do palco, eu ensaiava muito. Tudo era voltado para a música, para aprender música. Eu não costumava fazer estripulias no dia a dia, eu só recebia a admiração desse pessoal que eu citei, recebia elogios de todos eles, era muito bom. A minha vida era mais focada para o trabalho lá fora.

Família
Minha família foi muito musical. O meu irmão foi um excelente pianista de jazz [Moacyr Peixoto], o outro era pistonista [Arakem Peixoto], minha irmã cantava, meu pai tocava violão muito bem, minha mãe também cantava. Nós fazíamos muita música em casa, desde pequeno vivo nesse ambiente. Eles ouviam as músicas da época, Orlando Silva, Sílvio Caldas, Francisco Alves,¿Carlos Galhardo, músicas desses grandes cantores que tinham voz. Hoje os cantores não têm mais voz, Cauby é o último deles. Orlando Silva era o maior cantor.
Quando os meus pais perceberam que eu seguiria essa carreira, me apoiaram. Desde sempre eles estiveram lá por mim, me orientaram com educação exemplar. Eu era garoto, muito jovem, não sabia ainda das coisas. Eles foram os maiores pais do mundo, eles eram muito bons. Me deixavam cantar numa época em que isso era muito difícil, olha só que maravilha! Hoje é mais fácil dos pais compreenderem os filhos nesse sentido, mas na época era muito difícil e eu consegui.

Voz e repertório
Eu não faço nada demais para cuidar da minha voz, é sorte. Em compensação eu não bebo, não agrido no falar, eu não brigo. Eu sou de um temperamento calmo, durmo bem, me alimento bem, então não tenho uma vida atropelada. Não apresento nenhuma receita especial, é dom.
Muitas vezes, escolho o meu repertório ouvindo outros cantores em ação ou quando uma música é muito bonita eu canto também. Quando não, eu escolho ao meu gosto, em busca do meu estilo, o que se adapta a minha voz e a minha maneira de cantar. Além disso, há os compositores que compõem especialmente para mim. Gravei por exemplo Bastidores (1980), de Chico Buarque.
Eu não acho que se deve diferenciar a música antiga da música moderna. Quando ela é bem feita, ela independe disso, é atemporal. Outro dia eu cantei duas serestas e foram as mais aplaudidas. Na música de hoje está faltando inspiração, dedicação e amor. Para fazer uma música bonita, o compositor tem que amar. Isso é fundamental.

“Na música de hoje está faltando inspiração, dedicação e amor. ¿Para fazer uma música bonita, o compositor ¿tem que amar. ¿Isso é fundamental”