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Susan Langford e Sue Mayo

Foto: Ed Figueiredo
Foto: Ed Figueiredo

REVISTA: Como surgiu o Magic Me e a ideia de ações intergeracionais?
SUSAN: Na época, me inspirei na iniciativa de pessoas que trabalhavam unindo gerações em Baltimore, nos Estados Unidos. Eu estava morando em Londres e dava aula de artes para jovens, crianças e pessoas mais velhas. Tinha essa percepção que todos viviam em grupos, separados por faixa etária, não havia lugares onde as pessoas naturalmente se encontrassem e pudessem conhecer outras gerações. Naquele momento, pareceu-me importante simplesmente começar a misturar as pessoas com visões de mundo diferentes, experiências diferentes e idades diferentes. E a arte é um recurso fantástico para que isso aconteça. Na época, eu tinha 28 anos, agora tenho 53 e continuo neste trabalho.

REVISTA: Então a ideia foi inspirada em uma ação que já existia nos Estados Unidos?
SUSAN: Exatamente. Originalmente, havia um Magic Me nos Estados Unidos que eu conheci por meio de Cathy Levine. Cathy havia iniciado o projeto nos Estados Unidos e, certa vez,quando esteve em Londres contou sobre essa ação. Foi daí que veio a ideia e o nome da instituição. Porem, a Inglaterra é muito diferente dos Estados Unidos e nós tivemos que fazer algumas adaptações. Desenvolvemos novas técnicas e o nosso jeito próprio de colocá-las em prática.

REVISTA: Em sua opinião por que nas últimas décadas a sociedade está mais atenta às relações intergeracionais?
SUSAN: Bem, acredito que sempre estivemos muito atentos às gerações apenas nas famílias, nas vilas e na sociedade. Mas penso que as pessoas começaram a se preocupar de verdade sobre isso nas décadas de 60 e 70, quando perceberam que muita gente estava vivendo mais tempo. Acho que começamos a repensar o envelhecimento porque mais e mais pessoas vivem até os 90, 100 anos. É normal agora viver até os 80 em Londres, mas isso é novo. Quem tem 80 anos, não esperava viver tanto. Todos pensamos “_Se eu vou viver até os 90, o que significa agora ter 30?” Os casais têm filhos mais tarde, aos 30 e não aos 20 anos como antes, tudo está mudando. Por isso, entendo que trabalhar com as diversas gerações ajuda a explorar e refletir sobre todas essas mudanças, em uma sociedade de pessoas mais velhas. Por outro lado, porque temos uma vida mais longa, muitos querem se manter jovem por mais tempo, não querem ter 90 anos e sim parecer ter 20 anos durante quatro décadas, e fazer 20, e fazer 20, e fazer 20 e fazer 20 por muito, muito tempo (risos). Por isso, a sociedade precisa refletir sobre como lidaremos com todos esses anos extras. 

REVISTA: O que você considera como motivo para essa separação das gerações? 
SUSAN: Bem, de alguma forma a sociedade se tornou mais especialista.Assim temos professores para crianças pequenas, professores para crianças maiores, professores para universitários, professores para idosos.No entanto, não temos alguém que consiga ensinar a todos. Isso “Entendo que trabalhar com as diversas gerações ajuda a explorar e refletir sobre todas essas mudanças, em uma sociedade de pessoas mais velhas.“ ocorre em todas as áreas. Há profissionais da saúde para idosos e para crianças e no comércio é a mesma situação. Para você ter uma ideia,em Londres tínhamos o pub que todos da comunidade frequentavam, era o bar local. Agora temos bares que são só para pessoas entre 20 e 25 anos, que são encorajadas a frequentar. A música é própria para elas, a moda é para elas, as bebidas são próprias para elas. Eu não me sentiria confortável nesse bar. Veja, até o comércio está dividindo a sociedade e, de certa forma, nós do Magic Me estamos tentando criar um espaço onde seja natural para pessoas diferentes se encontrarem.

REVISTA Esse distanciamento das gerações, você considera uma característica da contemporaneidade? 
SUSAN: Eu penso que sim, mas não quero acreditar que houve uma era de ouro em que tudo era perfeito e todos conviviam bem. No entanto,hoje as pessoas se movimentam muito mais. Por vezes mudam de cidade para trabalhar. Perdem, por vários motivos, algumas conexões familiares que ajudariam a conhecer pessoas de outras gerações. Por exemplo, quando eu estava crescendo, eu conheci a minha avó e conhecia suas amigas. Se não estamos próximos de nossa família e não conhecemos nossa avó, não somos apresentados às pessoas mais velhas.Por isso, eu penso que a natureza transitória das nossas vidas torna mais difícil, muitas vezes, as pessoas se conectarem.

REVISTA: Como surgiu a ideia de usar a arte como forma de aproximar as gerações? 
SUSAN: Na verdade, eu já vinha trabalhando com artes para grupos de pessoas de diferentes faixas etárias, então pensei “_porque não unir as propostas e ver o que acontece”.

REVISTA: Que elemento você julga ser o essencial nas ações intergeracionais? 
SUSAN: Penso que quando se convive apenas com semelhantes - ideias, faixas etárias -, agimos da mesma forma. Porém, quando encontramos alguém muito diferente - digamos uma pessoa de 80 anos encontra outra de 10 anos -, ambas podem aprender algo novo sobre o mundo, aprender como fazer as coisas de forma diferente. Nesse encontro elas podem contar as próprias histórias de outra maneira e aprender muito, muito mais.

REVISTA: Você considera a convivência, como oportunidade de aproximação, importante para essas mudanças de comportamento? 
SUSAN: Com certeza. Veja, Londres é uma cidade enorme - não tão grande quanto São Paulo - de fato, é uma cidade cosmopolita, pessoas do mundo todo vivem em Londres. Isso torna difícil conhecer os vizinhos. Na verdade, tem-se a impressão que a comunidade não está funcionando como deveria. As pessoas não conhecem, sequer, quem mora na porta ao lado.Parte disso se deve à diferença de idade mas, também, tem relação com diferenças de cultura, raça, religião. Nossa proposta é viabilizar que as pessoas conheçam e possam conviver com quem é diferente delas. Para experimentar, sabe? Ter uma boa experiência, como é sentir-se confortável com pessoas que são totalmente diferentes de você, é algo muito importante.

REVISTA: Você pode descrever como se desenvolve um projeto no Magic Me
SUSAN: O processo é o seguinte: trabalhamos com um grupo de pessoas que já se conhecem - da escola, igreja, da comunidade. Uma das estratégias é ir a uma escola e convidar os alunos a unirem-se ao projeto.Depois, convidamos idosos de outra comunidade para se juntarem aos jovens das escolas. Algumas vezes são os jovens que vão até os idosos, em outros momentos, adultos vão às escolas de crianças. Uma vez por semana, desenvolve-se um trabalho com dois artistas – que são os mediadores da ação - do Magic Me. A ideia é que o grupo passe por um aprendizado - ligado a uma linguagem artística - e criem algo juntos. Essa atividade pode estar relacionada a qualquer linguagem - fotografia, teatro, literatura, artes plásticas. Há sempre um tema para um trabalho cooperativo. Todos do grupo pensam sobre o tema, como relacionar com a linguagem e trocam ideias sobre o que vai ser feito. Concentramos a maior parte do trabalho em Tower Hamlets - zona leste de Londres - é uma área tradicionalmente com grande numero de imigrantes.A população mais velha - no grupo de 70 anos para cima - é aquela em que predominam os brancos. 70% deles são ingleses brancos,mas as gerações mais jovens possuem características diferentes.Os estudantes são 70% muçulmanos de Bangladesh. Então, quando unimos estas gerações, nós também apresentamos pessoas que nunca tiveram a oportunidade de convívio.“As pessoas não conhecem,sequer, quem mora na porta ao lado. Parte disso se deve à diferença de idade mas, também,tem relação com diferenças de cultura, raça, religião.“

REVISTA: Que tema você considera ser melhor para as ações intergeracionais? 
SUSAN: Há muitos temas que podem fazer parte de uma ação intergeracional.Pode ser o esporte ou a informática. Mas, nós do Magic Me pensamos que a arte é uma maneira muito especial. Através da arte pode-se criar algo novo em cooperação. A arte permite a invenção. Convida a todos para que pensem novos conceitos e sintam novas sensações,tudo ao mesmo tempo. Permite que contemos nossa própria história ou ouçamos a do outro. Por vezes com palavras, por vezes com fotos ou um filme. Existem muitas formas de ajudar as pessoas a falar sobre si mesmas e escutar o outro.

REVISTA: Pela sua experiência, qual o motivo que levam essas pessoas a participarem das ações intergeracionais? 
SUSAN: Aparentemente não há um motivo e sim uma variedade imensa de motivos para variados tipos de pessoa. Alguns vêm porque querem aprender e/ou trabalhar com alguma forma de arte e chegam bem determinadas em tirar fotos, atuar em frente a um grupo pela primeira vez, ou falar em público. Outras vêm para passar o tempo com pessoas diferentes e acabam descobrindo o quanto têm em comum. O que uma judia inglesa de 75 anos poderia ter em comum com uma moça jovem de Bangladesh? Nesse convívio descobrem que têm, e muito. Frequentam a mesma loja, tomam o mesmo ônibus. Suas vidas são vividas no mesmo lugar e têm vários interesses em comum. Por exemplo, ambas gostam de batom vermelho. Assistem ao mesmo programa de TV. Gostam de fotografia. Sabe, coisas simples mesmo. A partir daí passam a se olhar de outra forma e acabam vendo toda a comunidade da outra pessoa com novos olhos.

REVISTA: O que você considera ser o maior desafio para o desenvolvimento das ações intergeracionais? 
SUSAN: O maior desafio é trazer as pessoas para um espaço comum e que fiquem juntas. Eu acredito que quando estão no mesmo ambiente com artistas/mediadores e atividades interessantes para fazer, todos encontram formas de se conectar, de expressar sua criatividade e de se relacionar. Na verdade, acredito que o maior desafio é, justamente, convidá-las da forma correta, de maneira a despertar-lhes o desejo de participar de uma atividade intergeracional. Outro ponto importante é sensibilizá-las para o encontro com um grupo de faixa etária diferente. Por isso, a arte. A arte instiga a reflexão. Uma pessoa jovem pode dizer: “_Por que eu iria querer estudar com senhoras de 70 anos?”. Mas consideramos a possibilidade de aprendizado para a fotografia ou para a criação de um filme a respeito desse encontro, ela se interessa e participa. Naturalmente, elas se dão super bem com o grupo da outra idade e descobrem que a atividade é diferente do que esperavam. Ao envolverem-se no grupo acham as outras pessoas engraçadas,observam as diferenças entre elas, descobrem que também querem aprender a fotografar e a fazer um filme. Os olhos delas se abrem. Porém, esse processo só pode acontecer se nossa aproximação for adequada e sensível a ponto de possibilitar o encontro.

REVISTA: Do ponto de vista dos participantes, qual a principal dificuldade? 
SUSAN: Eu acredito que é a expectativa das pessoas. É difícil imaginar como as coisas se encaminharão em um grupo que reúne diversas gerações e nunca conviveram. Uma vez que os participantes chegam pelas mais variadas razões, acabamos por ter em um mesmo ambiente indivíduos com objetivos bem diferentes. Por isso o mediador do grupo tem uma missão fundamental para o processo de trabalho: sensibilizar a todos para se engajarem e trabalharem, cada um do seu jeito, mas todos ao mesmo tempo. Pela nossa experiência sabemos que - assim que todos estão juntos - o processo é natural. O ponto é:nossa sociedade divide as pessoas em grupos, nossa proposta é uni-las novamente.

REVISTA: Pelo que você coloca, o mediador da ação possui uma função vital no processo da atividade.
SUSAN: Sem dúvida alguma. Está nas mãos do mediador o desenvolvimento da atividade de forma que todos possam se envolver. A cooperação entre os participantes, o entendimento de que há momentos que precisam do outro e vice-versa é fundamental para o processo.Por exemplo, se participo de uma atividade em que preciso criar um desenho, nesse caso eu tenho uma relação com um pedaço de papel e crio a figura mas, se o mediador da atividade disser “_Desenhe a sua casa!” eu olho para o papel e desenho., a pessoa ao meu lado faz a mesma coisa e não temos que trocar uma palavra sequer. No entanto, se o mediador propuser “_Desenhe a casa de quem está ao seu lado!”. Pronto! Nesse caso, eu preciso conversar com a pessoa sentada ao meu lado, fazer-lhe perguntas e, por sua vez, ela faz o mesmo. Sim, fazemos um desenho... enquanto conversamos o encontro pode acontecer.

REVISTA: Quais os princípios para uma ação de sucesso?
SUSAN: Basicamente, quando um artista está planejando uma atividade em que jovens e idosos se encontrarão, deve considerar a forma de arte – a linguagem - e o processo criativo envolvido para que relações sejas construídas no grupo. Outro princípio é o desafio de convidar as pessoas para tornar parte do processo. Isso é muito delicado. As atitudes das pessoas são diferentes nas diversas partes do mundo e nas diferentes comunidades, por isso as abordagens devem ser diferentes. No entanto, normalmente trabalhamos com pessoas de uma mesma comunidade e isso torna a aproximação mais fácil. Nosso objetivo é que os encontros aconteçam de forma natural. Nosso desejo é que conheçam seus vizinhos para que, quando forem ao mercado, se olhem e simplesmente digam “olá” nesse momento já têm algo em comum. No entanto, só dão conta disso quando finalmente se conhecem, mesmo frequentando os mesmos lugares, tendo nascido na mesma maternidade.

REVISTA: Que razões existem para procura de ações intergeracionais? 
SUSAN: Existem muitas razões diferentes. É muito interessante quando no início do processo perguntamos às pessoas porque estão ali. Alguns vêm pelo aprendizado oferecido, querem aprender fotografia ou desenho, por exemplo. Outras se interessam pelo encontro com pessoas mais jovens. Um homem disse-me recentemente, que frequenta o grupo porque não entende mais os netos. Disse-me que falam uma língua diferente, falam através de smartphones e computadores e que fica nervoso quando tem que perguntar algo sobre isso a eles. Por isso, ele contou-me que queria praticar com os netos de outras pessoas e aprender a linguagem deles para poder falar com os próprios netos. Outra senhora contou que achava que as escolas não eram muito boas, que as crianças não se comportavam bem. Por isso, ela queria ir às escolas para dizer-lhes como agir adequadamente. Então, pensou: “_ Isso vai ser difícil”. No entanto, ela se deu muito, muito bem com as crianças e com os jovens. Percebeu, também, que os professores trabalhavam duro. Agora ela percorre a vizinhança dizendo: “_Aquela escola é excelente,brilhante! Eu acho aquela escola ótima!” (risos). Uma vez que são diversas as razões para participação é complicado para os mediadores contribuir para que os indivíduos se tornem um grupo.

REVISTA: Nestes anos de trabalho, vocês devem colecionar histórias tocantes.
SUSAN: E como! Lembro-me de uma garota de uns 14, 15 anos que era muito, muito quietinha na escola. Por algum motivo, tinha decidido que não queria conversar com ninguém. Quando iniciamos um novo projeto, o professor perguntou “_Essa menina pode participar?”. Fiquei preocupada, pensei que talvez fosse demais para ela ter que conversar com um monte de pessoas mais velhas desconhecidas. Mas, decidimos tentar e ver como funcionaria. Se não desse certo,ela poderia sair do projeto. No entanto, ao longo do caminho, ela simplesmente começou a falar. As mulheres mais velhas do grupo a ajudaram a relaxar e, finalmente, ela nos disse que tinha medo que zombassem dela, por isso não dizia nada. Então, ninguém podia rir,mas as mulheres mais velhas não iriam rir dela, de qualquer forma.Um dia o professor me ligou da escola e disse: “_Tenho que te contar isso. Essa garota tá encrencada. Ela tá conversando demais em sala,até já pediram para que saísse da aula por que falava demais, sem parar”. Que resultado! (risos)

REVISTA: Em sua opinião qual o papel do Estado na afirmação e/ou apoio de ações intergeracionais? 
SUSAN: Eu entendo que o Estado tem um papel muito importante, principalmente em relação a todos os serviços que financiam. Deve ser assegurado que não separam as pessoas ou que suas ações não têm como consequência o afastamento as pessoas. Muitas vezes um discurso equivocado cria conflitos. Por exemplo, neste momento, acontece um debate em Londres sobre como gastamos o dinheiro público. Então,quando um governo local tem que economizar dinheiro, pergunta-se:“_Devemos poupar, pegar dinheiro de creches e crianças ou devemos tirá-los dos idosos?”. Pronto, isso se transforma em competição. Mas,se ao invés disso a pergunta for outra “_Do que a nossa comunidade precisa e como fazê-la funcionar melhor para todos?” não temos a competição e sim um olhar voltado para o bem de todos.

REVISTA: E você Sue como chegou ao Magic Me
SUE: Comecei a trabalhar com o Magic Me 20 anos atrás, faço parte de um grande grupo de artistas\mediadores. Existem cerca de 16 artistas diferentes que atuam nos projetos do Magic Me.

REVISTA: Você acredita que mediar ações intergeracionais enriqueceu seu trabalho? 
SUE: Certamente. Antes de trabalhar com o Magic Me eu atuava em projetos teatrais que uniam pessoas, que não esperavam conviver umas com as outras. Hoje eu percebo que as pessoas se tornam bem mais criativas em situações de convivência com alguém diferente delas. O que descobri no Magic Me foi que algo realmente aflora quando se trabalha em um ambiente intergeracional.

REVISTA: De que maneira isso acontece? 
SUE: Bem, normalmente os jovens acham que sabem como os mais velhos são e os mais velhos acham que sabem tudo sobre crianças e jovens, por isso é comum ouvir “_Ah, sim. Não precisa falar disso, eu conheço as adolescentes, elas sempre fazem isso”. Por outro lado, os jovens dizem: “_Ah, gente velha? Elas sempre me empurram no ônibus tentando pegar o meu assento” (risos). Todos têm uma lista longa sobre tudo que pensam saber dos idosos e vice-versa. Mas, quando de fato se encontram, dá para perceber a surpresa “_Nossa, essa pessoa não é daquele jeito”. Eu acredito que isso realmente proporciona a todos a possibilidade de serem muito mais criativos e é por isso que estou envolvida neste trabalho há tanto tempo.

REVISTA; O que você acha que diferencia as ações intergeracionais no Magic Me
SUE: Os participantes dos projetos aprendem uns sobre os outros em um espaço relacional. Certamente já existiam na Inglaterra situações nas quais crianças cantassem para os mais velhos. Da mesma forma, idosos serem entrevistados em uma escola, por crianças, sobre suas memórias. Essa a diferença, nessas ações cada um estava no seu lugar: os velhos para relembrar o passado e as crianças para se apresentar. Em nossos projetos propomos que todos participem juntos e, por exemplo, perguntamos a mesma coisa para todos. Por exemplo, “_ O que acham de infringir a lei?”. Então não estamos propondo uma entrevista aos mais velhos sobre as memórias deles. Ao invés disso propomos: “_Todos vocês, digam a resposta para a pergunta”. Ou “_Todos vocês, vamos aprender a fazer um mosaico!”. Isso transforma o ambiente completamente e não temos mais uma ação que, simplesmente, dê continuidade às diferenças entre as gerações.

REVISTA: O objetivo dos projetos é estabelecer relações e dar oportunidade para o convívio e para que os participantes olhem uns para os outros.
SUE: O objetivo não é reforçar as opiniões que as pessoas já tenham umas sobre as outras e isso, eu acredito, é muito importante. Sabemos, na verdade, que a maioria das pessoas gosta de ser libertada dos rótulos impostos. Todos apreciam a chance de serem reconhecidos para além dos rótulos da idade, raça ou crença religiosa. Por isso, se temos um grupo e pedimos que façam algo novo juntos, algo que só pode ser feito em grupo, lentamente percebem “_Ah, não é porque eu tenho essa idade ou porque sou muçulmano ou cristão ou porque vivo aqui que estão me perguntando essas questões. Mas sim pela minha riqueza individual como pessoa”.E acredito que todos se enriquecem para além do projeto. Acreditamos que na próxima vez que encontrarem alguém diferente, possam pensar: “_Bem, essas pessoas não são só uma lista de rótulos, devem ser mais que isso.”

REVISTA: A arte facilita e/ou possibilita o estabelecimento de relações?
SUE: Certamente, eu posso falar mais das ações com teatro e encenação.A encenação possibilita que a experiência seja incorporada. Ela fala através de você, ela te transforma. Cada coisa nova que você faz te torna diferente. Por exemplo, uma mulher que eu conheço sentia ansiedade porque seu bairro mudou muito e está muito populoso. Há muitos mulçumanos. Depois de participar de um projeto, ela disse que estava no mercado quando alguém a tocou no ombro. Era uma moça com um lenço na cabeça. Ela contou “_Há um ano, eu teria tido um ataque... Mas agora penso: ah, deve ser uma das moças do projeto”. E de fato era uma das meninas do projeto. Então ela pôde perceber que o próprio nível de medo dela havia diminuído em relação aos vizinhos.

REVISTA: A participação em projetos Magic Me trouxeram mudanças para você?
SUE: Sim, essa experiência causou um grande impacto na minha forma de trabalho. Quando estou mediando uma ação, me encontro com pessoas que estão ali para fazer algo juntos. Assim, tenho que pensar nas habilidades de todos. Tenho que planejar a apresentação que vai ser feita, de vez em quando eu penso “_Hum, agora eles não estão falando muito, como eu posso melhorar esta experiência?”. Ou penso: “_Eu acho que esse adulto não sabe escrever e não nos disse isso. Como eu posso ajudá-lo sem o envergonhar?” Quando participei de um projeto do Magic Me pela primeira vez, conheci um projeto de uma dançarina. Havia uma participante no grupo demenciada que estava sempre fazendo algo diferente do resto do grupo. Mas, aquela dançarina era brilhante e, simplesmente, incorporava ao trabalho do grupo. Ela nunca dizia: “_Ah, não, olha só o que ela está fazendo. Distrai todo mundo...”. Ao invés disso, a professora de dança dizia ao grupo “_Olha só o que ela tá fazendo. Esse movimento é lindo, vamos fazer este passo também?”. Ou às vezes a mulher cantava e a professora de dança dizia “_Quem conhece esta música? Vamos aprendê-la?”. Ela sempre encontrava uma forma de trazer surpresas à aula. Essa experiência tornou-me muito mais flexível e apta a compreender que pode parecer que algo está dando errado mas isso, justamente, traz um presente ao projeto. Voltando àquela senhora, um dia o grupo fazia marionetes e ela deitou na frente dos bonecos e começou a fazer exercícios físicos. A professora viu e começou a fazer como ela, de forma que parecia que os exercícios eram parte da atividade (risos). Na hora eu pensei o quanto aquilo era maravilhoso! Sabe, hoje eu sei que em um grupo cada um deve ser aceito como é, de verdade, com o que quer que tragam só assim será bem vindos. Isso me tornou muito flexível como artista.