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Ossatura descoberta em Minas: achado de 120 milhões de anos / Foto: Francisco Emolo/Jornal da USP
Ossatura descoberta em Minas: achado de 120 milhões de anos / Foto: Francisco Emolo/Jornal da USP

Por: EVANILDO DA SILVEIRA

Eles dominaram o planeta por mais de 160 milhões de anos e foram extintos há 65 milhões de anos, mas até hoje os dinossauros fascinam adultos e crianças, e raras são as pessoas que não brincaram com uma miniatura de plástico desses mastodontes. As razões de tamanho encantamento são insondáveis, mas por certo estão relacionadas ao fato de terem sido os maiores animais que já andaram sobre a face da Terra, alguns com 40 metros de comprimento e 100 toneladas, e o seu fim espetacular, dizimados, ao que tudo indica, por um bólido caído do céu. Embora ao longo do período em que eles existiram a conformação dos continentes fosse outra, várias espécies perambularam ao longo de milhões de anos pelo território onde hoje é o Brasil. Mais do que isso, o país teve um papel importante nessa história, pois aqui viveram os primeiros dinossauros de que se tem notícia, há 225 milhões de anos, portanto, no alvorecer da história evolutiva desses bichos.

Por coincidência, o primeiro dino brasileiro descoberto também foi um dos primeiros que habitaram o país, em meados do período Triássico, compreendido entre 251 milhões e 199 milhões de anos atrás. Restos do seu esqueleto fossilizado foram achados em 1936, pelo paleontólogo brasileiro Llewellyn Ivor Price, num afloramento rochoso em uma fazenda no interior do município de Santa Maria, na região central do Rio Grande do Sul. Com 2 metros de comprimento e cerca da metade da altura de um homem, ele foi batizado de Staurikosaurus pricei – o primeiro nome significa “lagarto do Cruzeiro do Sul”, já o segundo, é uma homenagem a seu descobridor.

No mundo, as primeiras descobertas aconteceram há mais tempo. Na verdade, como lembra o paleontólogo Luiz Eduardo Anelli, do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo (IG-USP), ossos de dinossauros vêm sendo encontrados há milênios. “O registro há mais tempo documentado na história ocorreu na China há 2 mil anos, em rochas do Jurássico (199 milhões a 145 milhões de anos atrás) ricas em esqueletos desses animais”, relata Anelli, que é autor do livro O Guia Completo dos Dinossauros do Brasil. “No entanto, a origem e as afinidades dos grandes ossos descobertos foram interpretadas por séculos de acordo com a cultura de cada época e de cada região. Os chineses, por exemplo, acreditavam tratar-se de restos de dragões. Na Europa, os ossos descomunais foram atribuídos a criaturas mortas durante o dilúvio no tempo de Noé”, diz o paleontólogo.

Na Idade Moderna, o primeiro fóssil foi encontrado em 1763, na Inglaterra, em rochas do período Jurássico, com 166 milhões de anos. Acredite se quiser, mas, como os dinossauros ainda eram desconhecidos, os cientistas da época acharam que se tratava do osso de um ser humano gigante! Mais tarde, em 1815, um enorme pedaço de mandíbula com vários dentes foi identificado como tendo pertencido a um grande réptil. Mas foi só em 1824 que o paleontólogo inglês William Buckland (1784-1856) constatou que os dois ossos pertenceram à mesma espécie, o megalossauro (Megalosaurus), primeiro dinossauro conhecido. Ele foi descrito pelo próprio Buckland. Levaria cerca de 18 anos, no entanto, para que a palavra dinossauro, que significa “lagarto terrível”, fosse criada, isso em 1842, pelo também paleontólogo inglês Richard Owen (1804-1892).

História aos pedaços

Depois dessas primeiras descobertas, outras vieram e a narrativa da linhagem desses répteis gigantes finalmente começou a ser escrita e vem sendo montada aos pedaços, a partir de restos fossilizados espalhados por todos os continentes. Ao longo dos últimos 200 anos, paleontólogos em expedições científicas ou pessoas comuns, por acaso, em suas atividades diárias, têm encontrado os testemunhos da passagem desses animais pela Terra. Um osso aqui, um dente ali, plumas, pegadas e até excrementos, além de, mais raramente, esqueletos quase completos, têm funcionado como peças de um quebra-cabeça, que dão a ideia precisa das origens dos dinossauros, suas formas e aparência, o que comiam e como viviam e se reproduziam.

Hoje, a árvore filogenética dessas criaturas tem centenas de ramos conhecidos. Estima-se que durante os 160 milhões de anos de seu domínio sobre a Terra tenham existido 90 mil espécies, nenhuma das quais – ou pelo menos que se saiba – perdurou, é claro, por todo esse período de tempo quase inimaginável. Elas surgiam, evoluíam, davam origem a novas espécies e desapareciam naturalmente ou eram extintas por cataclismos ou outros fatores, como mudanças climáticas, por exemplo. Assim como vem ocorrendo, diga-se, com todos os seres desde que a vida surgiu no planeta, há 3,5 bilhões de anos. Apenas uma pequena fração do número estimado de espécies de dinossauros, no entanto, é conhecida e classificada por meio de seus restos fossilizados.

A quantidade varia conforme a fonte. Em seu livro, Anelli cita vários dados: segundo ele, alguns pesquisadores afirmam que o número de espécies conhecidas é de exatamente 1.273. “Mas essa quantidade é controversa, devido às incertezas das identificações”, observa, dizendo que “seria trabalhoso demais encontrar o número exato de espécies validadas e designadas sob cada um dos gêneros, mas acredito que esse número não passe de 900.”

Ele afirma que isso se deve, principalmente, a dois fatores. “O primeiro é que muitos restos de esqueletos incompletos tidos como pertencentes a dinossauros podem ter, na verdade, pertencido a outros animais aparentados. O segundo é que muitos fósseis atribuídos a dinossauros de espécies distintas talvez sejam de partes diferentes de uma mesma espécie. São os chamados ‘sinônimos’.”

De acordo com Anelli, entre os exemplos mais conhecidos dessa última condição está o caso do famoso brontossauro (Brontosaurus). Animal gigantesco, que media até 23 metros de comprimento, 10 de altura e pesava em torno de 35 toneladas, ele foi popularizado no desenho animado Os Flintstones. Recebeu seu nome em 1879, do paleontólogo americano Othniel Charles Marsh (1831-1899). Mais tarde verificou-se, no entanto, que se tratava de ossos de outro dinossauro descrito dois anos antes, o apatossauro (Apatosaurus). “O brontossauro deixou assim de existir como nome científico válido, exceto para os deliciosos filés preparados por Vilma Flintstone para o seu rude marido, Fred”, ilustra Anelli.

O pesquisador catalogou até 2009, para o seu livro, 21 espécies no Brasil. Desde então, mais quatro ou cinco novas ou possíveis novas espécies foram descobertas no país. Dentre estas inclui-se o caso dos restos de quatro dinossauros sauropodomorfos achados pelo paleontólogo Sérgio Dias da Silva, coordenador do Laboratório de Paleobiologia da Universidade Federal do Pampa (Unipampa), de São Gabriel, na região da Campanha gaúcha. A bem da verdade, a descoberta, em dezembro do ano passado, foi feita por um agricultor e um pedreiro, no interior do município de Agudo, na região central do Rio Grande do Sul. Eles acharam ossos fossilizados e chamaram a equipe de Silva. “Dois dos sauropodomorfos estão bastante completos”, conta o pesquisador. “Talvez seja a mais significativa descoberta dos últimos tempos no Brasil. Embora mais de 25 espécies já tenham sido descritas no país, encontrar indivíduos completos é algo inédito por aqui”, declara Anelli.

Dois grandes grupos

As análises preliminares dos fósseis de Agudo mostraram que pertenciam a dinossauros herbívoros, que quando adultos atingiam mais ou menos o tamanho de um avestruz. “Ainda não sabemos se é uma nova espécie”, assinala Silva. “O material precisa ser devidamente preparado antes de avançarmos nos estudos. Mas, mesmo que não sejam indivíduos de uma nova espécie, o fato de o material estar muito mais completo do que qualquer outro atribuído a sauropodomorfos brasileiros irá agregar inúmeras informações acerca da morfologia e anatomia funcional desses interessantes animais.”

Os sauropodomorfos constituem uma das duas linhagens em que se divide o grupo dos saurísquios – a outra é a dos terópodes. Para entender melhor, todos os dinossauros podem ser reunidos em dois grandes grupos, os saurísquios e os ornitísquios. As espécies do grupo dos sauropodomorfos – que incluía os prossaurópodes e os saurópodes – eram herbívoras, de pescoço longo e cabeça pequena, e entre elas estavam os maiores animais que já viveram na Terra. A linhagem dos terópodes deu origem a vários grupos de dinossauros carnívoros bípedes e às aves – que estão entre nós até hoje. O grande grupo dos ornitísquios era composto de linhagens herbívoras, algumas quadrúpedes e outras bípedes. “Faziam parte desse grupo gigantes do Jurássico da América do Norte, como o estegossauro (Stegosaurus), e o imenso representante do período Cretáceo (145 milhões a 65 milhões de anos atrás), o Triceratops, que possuía três chifres”, explica Anelli, “além dos espetaculares Parasaurolophus, que tinham cristas enormes usadas como trombetas.”

No Brasil, dentre todas as espécies citadas no livro do pesquisador da USP, o maior número é de sauropodomorfos (12 no total). Depois vêm os terópodes (7), os ornitísquios (1) e os saurísquios (1). Desses, quatro estão entre os mais antigos do mundo, com 225 milhões de anos, todos descobertos no Rio Grande do Sul: Staurikosaurus pricei, Guaibasaurus candelariai, Saturnalia tupiniquim e Unaysaurus tolentinoi. A importância deles está no fato de que pertencem aos primeiros dinossauros que surgiram na Terra. Esse grande grupo de répteis apareceu há mais de 200 milhões de anos, em meados do período Triássico, o primeiro da Era Mesozoica (251 milhões a 65 milhões de anos atrás), a era dos dinossauros.

Segundo Anelli, os fósseis mais antigos desses bichos que se conhecem foram encontrados em rochas do perío­do Triássico na Argentina e no Brasil. No primeiro país, os mais famosos são o Eoraptor lunensis e o Herrerasaurus ischigualastensis, e no segundo o Staurikosaurus pricei e o Saturnalia tupiniquim. No ano passado, acharam na Tanzânia, no entanto, restos de um dinossauro, batizado de Nyasasaurus parringtoni, com 243 milhões de anos. “É a ocorrência mais antiga”, diz Anelli, lembrando que nessa época os continentes estavam unidos e os animais poderiam migrar de um lado para o outro. O pesquisador Thiago Marinho, da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), de Uberaba (MG), conta que ossadas descobertas no Maranhão são muito similares às dos dinossauros do norte da África e Madagascar, evidenciando que essas massas de terra estiveram conectadas durante o Cretáceo.

O fato de terem sido encontrados fósseis fora do Brasil em períodos mais remotos não tira a importância dos achados no país. “Os que foram descobertos aqui mostram como eram os primeiros dinossauros e, junto com os fósseis argentinos, indicam que possivelmente o grupo todo teve origem na América do Sul”, esclarece Marinho. “Eles ajudam a compreender a evolução e a distribuição geográfica desses animais.” O pesquisador ressalta que em Uberaba há um rico registro de titanossauros, com abundante material descoberto (inclusive ovos) que podem relacionar a fauna mineira à da Argentina. Ele também informa que no estado de São Paulo há um importante registro de dinossauros, com destaque para a região de Monte Alto e Marília, com a ocorrência de diversos fósseis, alguns deles muito completos.

Silva, da Unipampa, acrescenta mais dados. “No Brasil, temos dinossauros representantes do início da evolução do grupo (formas do Triássico)”, explica. “Há também formas transicionais, que testemunham o grande evento de irradiação, ou seja, a multiplicação e diversificação de formas a partir das primeiras espécies (formas do Jurássico) e as espécies da época em que os grandes dinossauros não aviários (não aves) desapareceram (formas do Cretáceo). Então, nosso país é muito importante no âmbito da paleontologia, pois todas as etapas de ocupação do mundo pelos dinossauros estão documentadas no registro fóssil de nosso território”, destaca Silva.

 


 

Assim os dinossauros se foram

No início da Era Mesozoica, todos os continentes estavam unidos num só supercontinente, chamado Pangea, desértico e quente em seu interior, com florestas somente nas regiões próximas ao litoral e aos grandes rios. No final do Jurássico, essa massa de terra gigantesca começou a se fragmentar, dando origem a dois grandes continentes, um ao norte, a Laurásia, que unia América do Norte, Europa e Ásia, e outro ao sul, Gondwana, formado pela América do Sul, África, Madagascar, Índia, Oceania e Antártida. No Cretáceo Inferior (primeira metade do período), cerca de 110 milhões de anos atrás, surgiu o oceano Atlântico, separando a América do Sul da África e dando aos continentes uma conformação semelhante à de hoje.

Essa fragmentação de Pangea causou profundo impacto em todo o planeta. “Mares surgiram e a geografia e o clima tornaram-se completamente diferentes”, explica a bióloga e paleontóloga Maiana Kreff Avalone, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). “Algumas plantas, como samambaias e coníferas, passaram a colonizar antigas regiões secas e desérticas. Nesse período, apareceram as primeiras plantas com flores. Os animais, por sua vez, procuravam migrar sempre para regiões onde havia abundância de água.”

No Brasil, vastas regiões desérticas, o atual Recôncavo Baiano e o interior de São Paulo, serviam de rota para essas migrações. “Os grandes herbívoros procuravam por florestas úmidas para viver e se alimentar”, explica Maiana. “Os estados de São Paulo, Paraná e Mato Grosso, num determinado período, tornaram-se áridos devido às barreiras topográficas. Porém, outras regiões, como a serra do Mar e o norte do atual estado do Paraná, foram favorecidas pelas precipitações e, em consequência, amplas florestas de coníferas puderam se desenvolver. À sombra dessas novas matas, muitas espécies de dinossauros devem ter surgido e prosperado”, diz a paleontóloga.

Curiosamente, essas criaturas gigantes, aqui e no resto do mundo, com exceção das aves, desapareceram depois que um asteroide, com cerca de 10 a 15 quilômetros de diâmetro, se chocou com o planeta há 65 milhões de anos, encerrando a Era Mesozoica e o reinado dos dinossauros. O impacto ocorreu na península de Yucatán, no México, e abriu uma cratera de 300 quilômetros de diâmetro, que hoje se encontra metade no continente e metade no oceano, com seu centro localizado abaixo do povoado de Chicxulub. Na verdade, nem todos os dinossauros foram extintos. Uma de suas linhagens sobreviveu, a das aves, que descendem dos terópodes. Segundo Luiz Eduardo Anelli, do IG-USP, elas constituem o grupo de vertebrados mais numeroso do mundo, com 8,6 mil espécies espalhadas por todos os cantos do planeta, dos trópicos quentes aos gélidos polos, dos desertos às florestas, das altas montanhas aos oceanos. “Atualmente, esses dinossauros vivem na casa dos seres humanos e são servidos à mesa fritos, assados ou ensopados”, menciona o pesquisador Anelli. “Durante o dia, são os vertebrados mais comuns que ouvimos e vemos quando andamos pelas ruas e praças.”

A força do choque do asteroide com a Terra foi capaz de gerar megatsunamis com ondas de 100 metros de altura. Mas não foi apenas isso. “Uma nuvem de detritos, associada à fumaça dos grandes incêndios causados pelos resíduos incandescentes do corpo celeste ejetados a partir do local do impacto, bloqueou a luz solar, causando a falência da produtividade das plantas e o súbito esfriamento do clima”, diz o pesquisador Anelli. “Além disso, assim como nos eventos de vulcanismo, nuvens de gases liberados das rochas vaporizadas pelo impacto deram origem a chuvas ácidas que envenenaram as águas e o solo, tornando o ambiente terrestre e os oceanos ainda mais inóspitos”, esclarece.

Mas nem todos os seres vivos foram extintos pela catástrofe. Muitos grupos de animais sobreviveram, entre eles os mamíferos. Milhões de anos mais tarde, surgiram os hominídeos, que muito tempo depois deram origem aos seres humanos. Mas essa é outra história.