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A turminha do Mauricio de Sousa

Os personagens no palco, em São Paulo / Foto: Divulgação
Os personagens no palco, em São Paulo / Foto: Divulgação

Por: ISADORA MARTINS

O escritório de Mauricio de Sousa em sua empresa, a Mauricio de Sousa Produções (MSP), localizada no bairro da Lapa, em São Paulo, parece um quarto de brincar. Fotografias dividem espaço com bichos de pelúcia, livros e revistas ilustradas, bonecos e quadros. São alguns dos objetos que compõem a sala, conferindo aqui e ali toques intensos de cores básicas, tais como nas histórias em quadrinhos assinadas pela letra inclinada de Mauricio, que tantas gerações conhecem e reconhecem. Em cima da mesa, o copo dourado abriga um dos principais instrumentos de seu trabalho: lápis de cor. Porque, afinal, antes de ser fundador de um dos maiores estúdios de HQ do mundo e de uma das potências em licenciamento no Brasil, Mauricio é desenhista. Aliás, mesmo antes de ser adulto, Mauricio já era desenhista.

“A facilidade para contar histórias eu herdei da minha família de artistas”. Mauricio nasceu em 1935, em Santa Isabel, no interior de São Paulo. Cresceu ao redor de poetas, repentistas, músicos e de gibis. As primeiras historinhas que ganhou, garante, estão guardadas. A ele, coube o apreço pelo riscar do lápis em papel e pelas narrativas que equilibravam imagens e palavras em balões, sua “janela do mundo”. Mais tarde, faria com que fossem a porta para o mundo de sua vida.

De 1959 – quando publicou sua tirinha de estreia, do cãozinho Bidu, na “Folha da Manhã”, atual “Folha de S. Paulo” – até 2013, Mauricio presenciou fortes crises políticas e econômicas no país. Ainda assim, criou mais de 300 personagens e se tornou líder do segmento editorial de HQ no Brasil, com 86% do mercado. A MSP também licencia produtos para mais de 120 empresas nacionais e internacionais. Nesses 54 anos de carreira, lançou filmes longa-metragem, e criou desenhos animados que são transmitidos pela TV Globo e pelo canal Cartoon Network, trabalhou com três editoras (Abril, Globo e, desde 2007, Panini) e foi dono do primeiro parque temático indoor do país (inaugurado em 1993, no shopping Eldorado, em São Paulo, e fechado em 2010). Em março passado, sua mais famosa personagem, a menina Mônica, completou 50 anos de histórias.

Ao longo dessa jornada, Mauricio guiou seu trabalho entre o desenho e os negócios a partir de uma pergunta simples: “E depois, vem o quê?” Se, nos enredos que criava, ele sempre precisava pensar de que modo a narrativa visual de um quadro daria sequência ao anterior, na vida, Mauricio planejou com cuidado os passos de sua bem-sucedida trajetória. Ainda hoje, o pai da Turma da Mônica continua a se indagar sobre o futuro.

Em março de 1963, Mônica surgiu em uma tirinha na “Folha da Manhã”. Estreou como coadjuvante no quadrinho do Cebolinha e – possivelmente devido ao seu temperamento forte – ganhou mais destaque, sendo considerada pelos moradores do bairro fictício do Limoeiro como a dona da rua. Em 1970, foi a primeira personagem a ter revista própria. Rapidamente, a baixinha, gorducha e dentuça tornou-se ícone popular.

Veia artística

Quando a personagem Mônica nasceu, a filha Mônica já existia. No início, as historinhas de Mauricio eram povoadas somente por garotos. Até que ele olhou ao redor e percebeu que o toque feminino ausente em seus quadros estava bem ali, nas filhas. A família e os amigos de Mônica Spada e Sousa testemunham que a personagem é mesmo muito parecida com ela, especialmente no que se refere ao gênio determinado e à sociabilidade.

Mônica – que começou a trabalhar na lojinha da personagem xará aos 18 anos, em 1979 – enfrentou as dificuldades de ser a executiva em uma família na qual a maioria tem veia artística. Atualmente, é ela quem lidera o departamento comercial da Mauricio de Sousa Produções, responsável pela maior porcentagem do faturamento da empresa e pelo gerenciamento de aproximadamente 2,5 mil produtos licenciados.

Foi o segmento comercial dirigido por Mônica, a empresária, que planejou as ações do aniversário para Mônica, a figura. As festas começaram no carnaval de Salvador e duram até o fim do ano. Entre alguns dos muitos destaques do segundo semestre estão um evento com direito a bolo na comunidade da Rocinha, no Rio de Janeiro, e o lançamento de obras especiais na Bienal do Livro, também na capital carioca, em setembro. A rede Cinemark transmitirá animações da turminha em outubro, e o ano será fechado com projeções mapeadas em Brasília.

Os eventos vieram ao encontro de uma preocupação que tem norteado a Mauricio de Sousa Produções: mostrar que a Turma da Mônica não ficou no passado e que não se prende só aos gibis, embora esse seja o seu berço. É essa ideia que a empresa procura trabalhar, conforme explica a diretora de marketing, Fernanda Ramalho. “A nossa intenção é levar a experiência com a marca para o público, evidenciando que ela é inovadora, dinâmica e criativa”.

Esse público está personificado em pessoas como Melissa Pelhon, que, já casada e com filho, ganhou do marido bonequinhos da turma e redescobriu o quanto ainda gostava daquele universo que tanto contribuiu para sua formação. Ou em Henrique Pelhon, seu menino de seis anos, que sempre procura os gibis na biblioteca de sua escola, sem esconder especial predileção pelo inventor Franjinha e pelo amigo da natureza Chico Bento.

A vontade de estreitar a relação afetiva da Melissa, do Henrique e de outros admiradores (de variadas faixas etárias) com as criações fez com que a empresa buscasse, há alguns anos, enriquecer as vivências dos fãs. Foi então que, sob a condução de Mauro Sousa, outro filho de Mauricio, criou-se, há três anos, a Mauricio de Sousa Ao Vivo, divisão da holding focada em produções cênicas. Em homenagem a “Mônica 50 anos”, está em cartaz na cidade de São Paulo o musical Mônica e Cebolinha no Mundo de Romeu e Julieta, remontagem da peça de 1978, que teve investimento de R$ 3 milhões via Lei Rouanet. Além desse, há nove espetáculos apresentados simultaneamente pelo Brasil em 2013.

“Celebridades”

O encantamento e a interatividade percebidos no encontro real ganham amplitude no digital. O reposicionamento da MSP nessa área estratégica, iniciado no ano passado com atenção especial a canais em redes sociais, endossa a necessidade de ampliar os balões de diálogo com as gerações que acompanham as criaturas de Mauricio, bem como com potenciais parceiros de negócios.

Os aplicativos para celulares e tablets seguem a mesma lógica. Partindo de interesses dos consumidores, a equipe projeta – em parceria com empresas de tecnologia – conteúdos que possam ser desenvolvidos com mecânicas de jogos consagrados, mas que tragam novas funcionalidades. Marcos Saraiva, gerente de produtos digitais e neto de Mauricio, sintetiza que “a intenção é usar a tecnologia para otimizar a experiência do usuário e logicamente não ficar para trás em relação ao que as outras empresas estão fazendo, colocando-se como um player forte no mercado”.

Nas telas dos tablets e smartphones, cerca de 20 mil usuários brincam com o game pago “Coelhadas da Mônica”. Outros jogos para sistemas operacionais Android (Google) e iOS (Apple) estão em desenvolvimento. Tanto Cascão quanto Cebolinha e Magali terão seus próprios games – de aventura, de estratégia e uma espécie de Pac Man da comida saudável, respectivamente. Para os adultos, a MSP tem desenvolvido guias turísticos ilustrados acessíveis via celular, destinados a estrangeiros e pais que queiram viajar com crianças, aproveitando a alcunha da Mônica como “Embaixadora do Turismo”.

A diversificação de plataforma para leitura das tirinhas também ganha investimentos – tanto sistemas nos quais o usuário pode fazer quadrinhos e compartilhar sua criação, quanto a digitalização dos livros publicados, com uso de sons, atividades e vídeos. Ademais, relata Marcos Saraiva, há planos de lançar revistas digitais estáticas, com navegação intuitiva, entre este e o próximo ano.

A definição de “personagem” dada aos filhos fictícios de Mauricio carrega discreta incompletude. Foi no final dos anos 1960 que Mônica apareceu na televisão ao lado do elefante Jotalhão na campanha do extrato de tomate Cica. Desde então, a baixinha e vários de seus amigos galgaram carreira ilustre como garotos-propaganda, “celebridades” que estampam produtos vários – de fraldas a maçãs. Até as próprias revistas em quadrinhos existem por um contrato de licenciamento com a Panini Comics. Com esse tipo de acerto, Mauricio fez da empresa uma mina de royalties.

Ainda que sejam centenas as criaturas inventadas por Mauricio de Sousa, é a Turma da Mônica (na versão clássica e Jovem) e a do Chico Bento que conquistam os parceiros de negócios. “Os licenciados sempre querem os principais”, explica a Mônica executiva. A chefe da área comercial acredita que enquanto não houver filmes, animações e aplicativos digitais das outras famílias de personagens – plataformas que, por excelência, promovem as figuras –, não há argumento para se contrapor ao desejo dos licenciados. “Então eu lanço subprodutos da Turma da Mônica.” A cada nova família lançada pressupõe-se um aumento de 10% no faturamento da empresa. E assim o clã, já tão grande, se multiplica.

Em noite de fim de maio, um Mauricio de Sousa rodeado de fãs mirins apresentou a nova série da turminha, a Turma da Mônica Toy, que estrela animações curtíssimas em 2D, transmitidas no Youtube. A estreia se deu em paralelo com a parceria entre MSP e Tok&Stok, que lançou a linha de objetos de decoração, cama, mesa e banho “Entre Coelhadas e Beijos”.

Mercados promissores

A despeito da presença dos pequenos no dia do lançamento, a Turma da Mônica Toy tem como público os jovens adultos. Fruto mais recente da animação, ela segue a estética arrojada da toy art e espera laçar os espectadores, explorando quem era a Mônica há cinco décadas – um pouco violenta, emburrada, apaixonada por seu coelho e, por vezes, romântica.

José Márcio Nicolosi, diretor de animação da MSP, adverte: não se engane com a aparência fofa. A Mônica bate bastante. Mas, como que para vingar anos de fracasso, em um singular episódio, um dos planos infalíveis do Cebolinha funciona. “Para nós, a Mônica Toy permite liberdade de criação, de praticar o nonsense e o humor”, afirma. É Nicolosi quem faz os sons marcantes da série. O mais fácil – e talvez o único que possa ser aqui representado em letras – é aquele balbuciado por Magali quando os meninos salivam diante de sua melancia. “Nãnãnãnã”, ela diz. “A ideia é que, como não há falas, é preciso muito subtexto”, explica o animador. Até o fim do ano, estão previstos 52 episódios, que, na visão dos diretores da MSP, têm tudo para ganhar o mundo.

Talvez Mauricio seja o Sousa mais conhecido do Brasil. E é possível que, por essa mesma razão, seu desejo nos últimos tempos seja alcançar igual notoriedade em outras geografias. A internacionalização dos conteúdos do quadrinista começou há cerca de 40 anos. Hoje, o número de países que contam com a presença de suas criações ultrapassa os 30. Mauricio, porém, almeja participações internacionais mais extrovertidas, à semelhança de sua personalidade.

Para romper a estrada rumo ao mundo é necessário combustível, e na visão de Mauricio a animação é a gasolina que fará o motor funcionar com velocidade. Além dos desenhos animados, já está em andamento o projeto para transformar Horácio, o gentil e vegetariano filhote de tiranossauro, em protagonista de um longa-metragem em 3D, que deve estrear mundialmente em 2017. O roteiro será do americano Kelly Asbury, indicado ao Oscar pela animação A Bela e a Fera e diretor de Shrek 2. Curiosamente, nos quadrinhos, o reflexivo dinossaurinho verde – sempre atento aos questionamentos que fazem da vida um mistério desde tempos jurássicos – é o único cuja produção ainda cabe inteiramente a Mauricio.

Mônica Sousa voltou animada da Licensing Expo, em Las Vegas, ocorrida em junho e considerada a principal feira do segmento no mundo: era a primeira vez que a empresa de seu pai participava com estande próprio. Todavia, o que abre caminhos definitivos, além da ajuda de entidades como a Associação Brasileira de Licenciamento (Abral), que também estava presente na feira, é “ter um bom produto e entender o mercado em que você pretende entrar”. Ela ressalta o interesse na América Latina e México como mercados promissores para a empresa.

Enquanto a filha enfoca o solo latino, o pai está com olhos voltados para o outro lado do atlas: o imenso mercado chinês, com o qual Mauricio mantém negócios desde 2010. Naquele ano, o governo da China propôs parceria a Mauricio em um projeto educacional – material que auxiliou a alfabetizar quase 200 milhões de crianças chinesas. Diferentemente do Brasil, onde a busca por utilizar o quadrinho como ferramenta de ensino é mais pontual, o governo chinês investiu maciçamente em histórias paradidáticas nesse formato, ao perceber que encantavam e ensinavam, por aliar o lúdico à aprendizagem.

Sucessão à vista

O sucesso da campanha nas escolas levou a convites para o desenvolvimento de livros, desenhos para TV e tiras de jornais. Agora, Mauricio estuda uma abertura no país para licenciamentos. “Esse projeto de merchandising na China é uma grande oportunidade e, ao mesmo tempo, uma solução prática e política para aprendermos com a experiência chinesa”, diz Mauricio, o estrategista. De acordo com ele, há muita dificuldade em exportar produtos de licenciamento brasileiro que sejam fabricados aqui, devido ao alto “custo Brasil”.

“Aqui está de volta o seu brinquedo sem nenhum arranhão”, escreveu Danilo Beyruth no exemplar dado a Mauricio, em outubro de 2012, no lançamento de Astronauta Magnetar, primeira graphic novel lançada pela MSP, da qual Beyruth é autor. Funciona assim: Mauricio cede um de seus filhos-personagem para o artista convidado, a fim de que o expoente desenhista possa desenvolver, com o seu estilo, uma história ilustrada e inédita, mais longa do que aquelas vistas nos gibis.

Na esteira de Beyruth estão os livros de outros autores (os irmãos Vitor e Lu Cafaggi, Gustavo Duarte e Shiko) com personagens como os da Turma da Mônica, Chico Bento e Piteco. Alguns têm previsão de lançamento nas livrarias e bancas da Alemanha, França, Espanha e Itália, pois, como explica o jornalista Sidney Gusman, responsável pelo planejamento editorial da MSP, “são histórias de aventuras, que funcionam em qualquer lugar”.

E o que significa o partilhar de brinquedos senão a possibilidade de brincar e trocar? Conforme avalia Gusman, para os autores convidados, essa foi uma rara oportunidade de se tornarem mais conhecidos no meio e conquistar público, escrevendo obras cuja tiragem ultrapassa os cinco dígitos. Para Mauricio, por sua vez, é um jeito de trazer leitores para o quadrinho jovem-adulto, visto que, nos nichos infantil e juvenil, a bandeira da MSP balança unânime na preferência dos consumidores.

Mauricio é, na definição de Gusman, “ousado”. Evidências para a afirmação não faltam, haja vista, por exemplo, o lançamento da “Turma da Mônica Jovem”, em 2008, que, longe de substituir a versão clássica, acrescenta mais um rol de possíveis histórias e utiliza a linguagem gráfica do mangá. Hoje, é uma das revistas em quadrinhos mais vendidas do país.

Este ano, chegou a vez de Chico Bento apresentar-se crescido aos leitores brasileiros. “Chico Moço” é o título do periódico que conta as epopeias do roceiro na cidade grande onde estuda Agronomia. A escolha do nome da revista não é aleatória. Afinal, “caipira não diz ‘jovem’, diz ‘moço’”. Na mesma linha, a MSP estuda a realização de uma revista da Turma da Mônica adulta que envelheça ano a ano, junto com o público.

Tudo isso fomenta o mercado de HQ no país, no qual a presença de produtos estrangeiros não se sobrepõe à dos nativos graças a Mauricio de Sousa. “O Mauricio significa o mercado brasileiro de quadrinhos. Às vezes dizem que ele é monopolista, mas ninguém lhe deu o mercado. Ele que abriu passagem”, afirma Gusman.

Prestes a completar 78 anos, Mauricio deu início à escavação de mais um túnel: o processo de sucessão na empresa, que é fortemente familiar. Dos dez filhos, sete trabalham na MSP. Mauricio brinca ao lembrar que, ao saber da notícia, suas filhas choraram, com medo de que o pai estivesse doente. Pelo contrário, Mauricio não apresenta nenhum sinal de quem quer sossegar de vez. Os planos futuros, porém, incluem sua passagem para a direção política da corporação, o que lhe daria mais tempo para dedicar-se àquilo que adora, desde garoto – criar.