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Muita, muita música


por Gilberto Paschoal

Na virada para os anos 2000, os desenvolvimentos tecnológicos aceleraram o ritmo das mudanças no universo da música tanto em termos de produção como de consumo. Houve a passagem de um modelo de economia baseado na escassez de informação para um baseado na abundância. Se antes os acervos musicais eram controlados por poucos e poderosos detentores, hoje são muitos os meios de acesso a conteúdos pulverizados por várias plataformas digitais. É seguro dizer que nunca se produziu e ouviu tanta música quanto nos nossos tempos.
Para as grandes coorporações da indústria fonográfica, que se ergueram com base no controle sobre os meios analógicos de gravação, fabricação e comercialização de discos, a mudança para o universo digital trouxe consequências drásticas e irreversíveis. Primeiramente, a evolução dos sistemas computadorizados de gravação acarretou um gradativo barateamento dos custos técnicos para realização de um álbum musical, o que por si só ampliou consideravelmente a quantidade de material lançado por artistas e selos alternativos, contrapontos aos grandes modelos comerciais. No entanto, a mais radical transformação se deu com a desmaterialização do suporte da música gravada – discos, fitas e CDs deixam de ser requisitos necessários para a fruição uma vez que computadores e dispositivos portáteis passam a armazenar, executar, copiar e transferir músicas digitalmente de forma praticamente ilimitada.
O mercado de massa encolheu e cedeu espaço a uma multiplicidade de mercados de nicho. Grandes vendedores de discos como Roberto Carlos ou AC/DC são cada vez mais raros, enquanto artistas independentes têm conquistado mais visibilidade junto a seus públicos específicos na esteira das relações livres de intermediários propiciadas pela internet. Fontes de receita para músicos e compositores vão tendo de ser recriadas, já que investimentos em produção fonográfica por parte de selos e gravadoras sofreram quedas vertiginosas e a remuneração advinda dos serviços de distribuição musical pela web ainda é incipiente. Iniciativas de financiamento coletivo são cada vez mais utilizadas, bem como o recurso a editais públicos ou a produções patrocinadas, mas a sustentabilidade econômica desses modelos ainda é vista com desconfiança. Além disso, revisões das leis de direitos autorais vêm sendo propostas e fazem-se necessárias pela falta de padrões adequados à realidade digital que respeitem os autores e facilitem o acesso às obras.
O desafio das novas plataformas de conteúdo é conseguir o engajamento do público por meio de interfaces convidativas, de fácil navegação e que propiciem experiências participativas e sociabilizantes com acervos vivos e bem apresentados. O papel de ações propositivas com perfis curatoriais precisos passa a ser fundamental para traçar caminhos em meio a uma oferta de informação muito maior que a capacidade de assimilação.
Para o ouvinte o momento é de oportunidade para descobertas. Nos últimos anos músicos, orquestras e instituições passaram a disponibilizar música livremente em seus sites. É possível conhecer artistas novos, como os do Movimento Elefantes, que estão em plena atividade no Soundcloud e em outras redes sociais. Serviços de assinatura oferecem acesso a catálogos enormes para streaming on demand (você escolhe o que e quando ouvir sem ficar com os arquivos) por preços bastante razoáveis. Isso para não falarmos das rádios web do mundo inteiro que estão à disposição na internet, basta procurar um pouquinho. Agora, se você é do tipo que quer ouvir música da melhor qualidade com o mínimo de esforço, digite “Bach English Suites” em qualquer site de buscas e acesse os vídeos com interpretações de Glenn Gould, Sviatoslav Richter ou Martha Argerich, alguns dos maiores pianistas da história. Tempo de abundância é isso.

Gilberto Paschoal, formado em Comunicação,¿ é assistente técnico na área de música do Sesc São Paulo