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As carreiras que vão mover o mundo

Olhos para o futuro: um universo de novas profissões / Foto: Marcos Santos/USP Imagens
Olhos para o futuro: um universo de novas profissões / Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Por: EVANILDO DA SILVEIRA

Opções de carreira para o jovem brasileiro que vai fazer vestibular ou está prestes a escolher uma atividade técnica não faltam. De acordo com a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), documento do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) que reconhece, nomeia e codifica os títulos e descreve as características das profissões do mercado de trabalho, há 596 famílias ocupacionais no Brasil, agrupando 2.422 ocupações e 7.258 títulos sinônimos. Estão listadas desde catador de papel e prostituta até carreiras artísticas, passando pelas tradicionais engenharia e medicina. Mas se o jovem encarar o futuro, daqui a 10 ou 20 anos, a história passa a ser outra. As opções são bem mais restritas e a escolha deve ser feita com cuidado. Considerando que nesse período podem surgir carreiras ainda inexistentes. Assim como hoje existem atividades sobre as quais nada se sabia décadas atrás.

Basta citar todas as áreas ligadas à internet, como web designer, por exemplo, o especialista que desenha sites. As atividades relacionadas ao comércio eletrônico também não existiam. Em contrapartida, outras ocupações que eram comuns há alguns anos simplesmente desapareceram. Atualmente, já não se contratam datilógrafos ou pessoas que fazem manutenção em máquinas de escrever. Nota-se que, o mercado de trabalho é dinâmico. Ele acompanha e reflete as mudanças sociais, culturais e econômicas pelas quais o mundo passa. Por isso, profissões desaparecem, outras novas surgem e algumas se modificam.

Segundo os estudiosos que teorizam sobre o mercado de trabalho do futuro, o mundo está ingressando numa era de valorização e de confiança na ciência e na tecnologia, passos que deverão provocar profundas modificações no campo da atuação profissional. Vamos tentar desvendar o que vem por aí: em 2010, o governo britânico encomendou uma pesquisa à empresa de consultoria Fast Future, que identifica e analisa tendências em várias áreas. Intitulado “The shape of jobs to come” (“A forma dos empregos que virão”, em português), o estudo foi feito com 486 participantes de 58 países de todos os continentes, com o objetivo de identificar quais seriam as ocupações dominantes nas próximas duas décadas.

As previsões não foram feitas, no entanto, de forma aleatória. Elas se basearam em fenômenos que já estavam ocorrendo na época e continuam até hoje, como a urbanização intensa, o aumento populacional e do número de idosos, e a propagação da ciência. O então primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, justificou o estudo dizendo que a prioridade do seu governo era preparar a Grã-Bretanha para a economia do futuro e garantir que os jovens do país possam aproveitar as oportunidades que as inovações em ciência e tecnologia vão trazer. “As formas de empregos que virão mostram o que pode ser oferecido para a próxima geração”, declarou na ocasião. “Espero que isso inspire os jovens a adquirir as habilidades e o treinamento que serão necessários para ter sucesso.”

Risco de errar

No Brasil, são raras as pesquisas sobre o assunto. No ano passado, a Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) divulgou o resultado de um estudo que aponta algumas profissões do futuro. São elas: supervisor de produção em indústrias de transformação de plástico; engenheiro do petróleo; técnico em sistema de informação; técnico em tratamento de superfícies de metais e compósitos; engenheiro de mobilidade; técnico em mecatrônica; biotecnologista; engenheiro ambiental e sanitário, e desenhista técnico em eletricidade, eletrônica e eletromecânica.

O docente e mestre em educação, Paulo Tadeu Rabelo da Motta, do Departamento de Psicologia Evolutiva, Social e Escolar da Faculdade de Ciências e Letras, do campus de Assis da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), tem investido parte de seu tempo ao estudo das novas carreiras. Mas acha muito perigoso fazer previsões, “se corre um grande risco de errar, pois o mundo é muito dinâmico, a economia também e o Brasil, nem se fala”. De qualquer forma, ele tenta lançar alguma luz sobre o mercado futuro de trabalho. “Eu jogaria algumas fichas na área da informática, um pouco nas engenharias, um pouco na área de desenvolvimento de novos produtos (e isso engloba desde a criação até a modificação genética), um pouco na área de entretenimento (games, lazer virtual e real) e se ainda sobrar alguma coisa, consideraria a área de educação (novas tecnologias educacionais).” Motta destaca que o jovem deve sempre lembrar que não há nada melhor do que trilhar um caminho novo, basear suas escolhas em inovações. “Descobrir que errou e voltar, é uma prerrogativa do ser humano. É isso que nos torna diferentes dos demais seres”, afirma.

O psicólogo da Unesp justifica a escolha das carreiras nas quais colocou suas fichas. A informática, por exemplo, é uma área que cresce muito. “As novas tecnologias de hoje serão sucatas amanhã”, declara. “E o mercado para esses profissionais só tem valorizado quem de fato sabe lidar com esse dinamismo. Os limites da informática estão longe de serem avistados.” Em relação à engenharia, Motta lembra que o mundo está sendo reconstruído após crises, sejam econômicas, bélicas ou sociais (1929, guerras mundiais, Guerra Fria, 2008). Além disso, no caso do Brasil, há o petróleo e a camada pré-sal, cuja exploração vai exigir o trabalho de muitos engenheiros. Há ainda as obras de infraestrutura, com vistas à Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016, que também devem requisitar os préstimos desses profissionais.

Quanto à área de desenvolvimento de novos produtos, o pesquisador justifica sua aposta lembrando que a quase totalidade dos países do mundo são capitalistas, onde, portanto, o consumo é prioridade dentro desse sistema econômico. “Devem surgir novos alimentos e novas embalagens, remédios, roupas, calçados”, explica. Para criá-los o mercado terá de disponibilizar pessoal qualificado. Assim como para o setor de entretenimento e lazer. “As pessoas já trabalharam 16 horas por dia”, lembra. “Hoje, trabalham oito horas e a tendência é reduzir para seis, pois há muita gente para empregar. A pretensão é que sobre muitas horas para o lazer, o que representa o surgimento de vagas para quem quer trabalhar nesse segmento”, completa.

O especialista Pedro Vieira, gerente de produtos da Arcon, empresa de gestão de segurança da informação, por sua vez, aponta a área de desenvolvimento de novos produtos como uma das mais promissoras. “As profissões de gestão da inovação sustentável, que envolvem a pesquisa e desenvolvimento de novos produtos e negócios, serão de extrema importância”, afirma. Ele argumenta que a redução do ciclo de vida dos produtos, em função da globalização dos mercados e seus competidores e das constantes mudanças nas necessidades dos consumidores, faz com que as empresas melhorem e criem novidades numa velocidade jamais vista. “Essa ligeireza é fundamental para a sobrevivência delas próprias. Com isso, a questão inovação se torna um fator relevante, é a arma das empresas na briga por um lugar ao sol.”

No caso do trabalho da consultoria Fast Future para o governo britânico, as previsões vão mais longe. A aposta é em carreiras que ainda não existem ou ainda estão dando seus primeiros passos. Foram listadas 20 ocupações que, grosso modo, podem ser agrupadas em quatro grandes áreas: digital e tecnológica, ambiental, saúde e bem-estar, e espaciais. Para os autores do levantamento, a revolução digital vai se manter acelerada, dando origem à necessidade de advogados especialistas em crimes virtuais, peritos forenses digitais, organizadores de desordem virtual, manipuladores de resíduos de dados de computador e criadores de marcas associadas a uma pessoa.

Trabalho no espaço

Na área ambiental, a proteção e o uso sustentável dos recursos naturais serão uma preocupação cada vez maior, assim como as mudanças climáticas. Devem surgir profissões como fazendeiro vertical, gestor de resíduos ou lixólogo e fiscal das mudanças climáticas. Na área de saúde e bem-estar, o aumento da população e do número de idosos exigirá especialistas capazes de lidar com o envelhecimento, melhorando a qualidade de vida de pessoas com expectativa que poderá chegar a mais de 100 anos. Nesse cenário, será a vez de nanomédicos, consultores de bem-estar na velhice, fabricantes de partes do corpo e cirurgiões de aumento de memória. Ainda de acordo com o estudo da Fast Future, o incremento das viagens espaciais levará muitas pessoas a deixarem seus escritórios para se aventurarem fora da Terra. Surgirão novas ocupações, como pilotos, guias turísticos e arquitetos espaciais.

O uso cada vez mais intenso dos computadores, que já é empregado para quase tudo, vai motivar, na mesma proporção, o aumento dos crimes virtuais ou digitais. Só no Brasil, existem mais de 40 milhões de usuários de internet e acontecem pelo menos 75 mil delitos cibernéticos por dia. Por isso, uma boa opção para quem está efetivamente de olho nas carreiras do futuro é investir na formação de perito forense digital, o profissional que vai atrás de evidências eletrônicas de ataques a servidores e contas bancárias, roubo de dados e pedofilia, por exemplo. Ser advogado virtual, ou seja, alguém capaz de resolver disputas legais que possam envolver os cidadãos residentes em diferentes jurisdições é outra boa escolha.

Ocupações menos comuns hoje na área de informática, como a de especialista em eliminar dados em computadores e em redes sociais de quem não quer ser seguido eletronicamente, também são carreiras apontadas como promissoras. Ainda tem o encarregado de organizar a desordem virtual das pessoas, fazendo a manipulação eficaz de e-mails, garantindo o armazenamento ordenado de dados, gestão de identificações eletrônicas e a racionalização das aplicações que são utilizadas na vida virtual.

Na área ambiental, uma atividade que estará em alta em 2030, segundo o estudo da Fast Future, é a de agricultor ou fazendeiro vertical. Segundo previsões da Organização das Nações Unidas (ONU), daqui a 40 anos a população mundial será de 9,1 bilhões de habitantes, um número assustador que remete a um dilema crucial: como fazer para encher a barriga de tanta gente? Para todos esses terráqueos terem o que comer será necessário cerca de um bilhão de hectares a mais para o cultivo de alimentos. Em outras palavras, florestas serão derrubadas para abrir espaço para a agricultura, sem considerar os problemas logísticos, que incluem o transporte da produção e sua distribuição nas cidades.

Para evitar um desastre ecológico de tamanha proporção vêm aí as fazendas verticais, na realidade prédios urbanos de vários andares onde serão cultivados alimentos – que deverão ser hidropônicos – e criados animais de pequeno e médio porte. Estima-se que um edifício de 30 andares possa produzir alimentos, mais saudáveis, para cerca de 10 mil pessoas. Para tanto, o fazendeiro vertical precisará dominar conhecimentos de várias disciplinas, como engenharia, planejamento urbano e agronomia, por exemplo.

Ainda na área ambiental, uma ocupação que já existe, mas deverá ter cada vez mais importância e assim atrair um número crescente de interessados nas próximas décadas, é a de gestor de resíduos ou lixólogo. Trata-se do profissional especializado em encontrar soluções para o lixo produzido nos centros urbanos, tanto pelas empresas, quanto pelas residências, transformando-o em gás e em outras fontes de energia limpa. Trabalho não faltará. Nos últimos 30 anos, o volume de lixo produzido no mundo aumentou três vezes mais do que a população, um volume que deverá continuar crescendo por causa do aumento de bocas e do consumo.

Polícia climática

Uma outra carreira que deverá surgir com força nas próximas décadas é a de fiscal de mudanças climáticas. Hoje, já é possível fazer chover de forma artificial, bombardeando nuvens de passagem com foguetes carregados de iodeto de prata. Isso, porém, poderá gerar conflitos entre países. Por isso, será preciso que fiscais façam o controle sobre quem terá permissão para disparar tais foguetes e fazer alterações meteorológicas. Esse profissional também seria encarregado de conceder licenças para alterações no clima e no tempo. Parece um contrassenso, mas no futuro o mercado também requisitará especialistas em reverter alterações climáticas.

Na vasta área de saúde, na qual também podem ser enquadradas as de bem-estar e cuidados na velhice, a previsão é que o segmento industrial abra espaço para o fabricante de partes do corpo humano. Hoje, já é realidade a produção de pele artificial para implante em vítimas de queimaduras ou para pesquisas na indústria de cosméticos. Com os avanços na área de biotecidos, robótica e polímeros, a construção de órgãos mais complexos para transplantes poderá se tornar realidade em breve. Numa linha de atuação paralela ou complementar deverá estar o nanomédico, especialista no tratamento em nanoescala – um nanômetro equivale à bilionésima parte do metro (escala invisível a olho nu) –, com o uso de nanodispositivos, como nanorrobôs e nanopartículas para prevenir, diagnosticar e combater doenças, desde a reparação de tecidos até a terapia genética.

Com a estimativa da ONU de que até a metade deste século 19% da população mundial será de idosos, consultor ou gerente de bem-estar na velhice é uma atividade que os jovens de hoje não devem ignorar. Será um especialista capaz de gerenciar uma série de serviços e ter contato com outros profissionais, como médicos, farmacêuticos, protéticos, psiquiatras e treinadores esportivos com o propósito de administrar os vários problemas de saúde e necessidades pessoais de uma população envelhecida. Ele também deverá se envolver em questões de moradia, de família e aconselhamento financeiro.

Na área das viagens espaciais, a exemplo do plano da empresa Virgin Galactic, que pretende criar a primeira linha aérea comercial a levar passageiros para o espaço até 2015, pilotos e guias especializados terão emprego garantido daqui a pouco. Além de ter as mesmas características e habilidades de um colega em terra, como saber entreter, o guia turístico espacial deverá ter noções de segurança em órbita. A conquista do espaço para o turismo também vai criar a demanda por arquitetos ou designers, capazes de construir abrigos e habitações no espaço e até em outros planetas. A Universidade de Houston, por exemplo, já vem desenvolvendo projetos que incluem uma estufa em Marte, postos lunares e veículos de exploração espacial.

Apesar desse mundo novo de trabalho, algumas carreiras tradicionais continuarão como uma boa aposta para as próximas décadas. A exemplo de Paulo Motta, da Unesp, Marcello Nitz, diretor da Escola de Engenharia do Instituto Mauá de Tecnologia, acredita no futuro da engenharia em todas as suas áreas: civil, elétrica, mecânica e química. “A formação do profissional aqui não é congelada, ou seja, os bons cursos de engenharia se adaptam às transformações tecnológicas e promovem mudanças, de modo que os novos engenheiros possam acompanhar as evoluções. Dentro de cada uma daquelas áreas ou da combinação delas surgem outras habilitações da engenharia que são igualmente interessantes e promissoras, como alimentos, computação, controle e automação, eletrônica e produção”, afirma Nitz.

Para exercer qualquer uma dessas engenharias, no entanto, é preciso estar bem preparado. E o primeiro passo é optar por uma boa escola. “O jovem deve escolher com cuidado, verificando as condições de oferta e a tradição da instituição”, observa Nitz. O aluno deve procurar aproveitar ao máximo sua experiência na escola, procurando se envolver em atividades que lhe permitirão ir além do mínimo do que lhe é solicitado. “Enfim, precisa se educar para o mercado, desenvolvendo habilidades de trabalho em equipe, comunicação e liderança”, destaca o professor do Instituto Mauá.

Motta vai um pouco além, e dá algumas dicas de preparação que servem para qualquer profissão. “As leituras são imprescindíveis. Não é possível iniciar uma jornada sem um mínimo de planejamento, nem caminhar rumo a um mundo desconhecido, sem um mínimo de preparo”, aconselha. Nesse sentido, ler jornal, revistas, discutir opiniões, estar atento ao que acontece nas redes sociais para não ser surpreendido é fundamental. “Ler ainda é o melhor remédio”, reforça. “A internet é tão grande quanto desorganizada. Atualmente, é mais sábio quem conhece os mecanismos de busca e modos de filtrá-los do que quem tem apenas o acesso à rede. Prepare-se tentando entender o mundo”, conclui Motta.