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Pesquisa revela que o brasileiro desfruta pouco de atividades culturais e indica dificuldade de acesso, centralização de equipamentos e falta de formação como principais fatores desse quadro



O Sesc São Paulo e o Departamento Nacional do Sesc, em parceria com a Fundação Perseu Abramo, investigaram hábitos e práticas culturais na população brasileira com o objetivo de conhecer as demandas e os fatores socioeconômicos destes públicos, bem como possíveis obstáculos ao consumo cultural divulgada no Encontro Internacional Públicos da Cultura (veja boxe Cultura na prática), no Sesc Vila Mariana, em 14 de novembro de 2013, a pesquisa Públicos de Cultura: Hábitos e Demandas é a primeira a considerar o tema em recorte nacional. 


O estudo ouviu 2.400 pessoas a partir dos 16 anos, em 139 municípios de 25 estados brasileiros. A média de idade dos entrevistados é de 39 anos, 45% do total têm Ensino Médio, Técnico ou Superior, e mais de 30% cursaram até o Ensino Fundamental. Mais da metade dos entrevistados estão entre os considerados de classe média.


O coordenador do estudo, o professor do Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP) e consultor científico do Núcleo de Opinião Pública da Fundação Perseu Abramo, Gustavo Venturi, afirma que a pesquisa apresenta indicativos importantes, capazes de elucidar a relação do brasileiro com a cultura e apontar direções para as políticas culturais. “Ainda estamos na primeira leitura dos dados, sendo precoce pensarmos em conclusões”, diz. “Para tanto, será preciso relacionar os achados a outros estudos – tanto nacionais como internacionais nos quais nos inspiramos –, o que espero possamos apresentar no primeiro semestre de 2014.”


A seguir, os principais resultados comentados pelo coordenador da pesquisa, pela pesquisadora e chefe do Setor de Estudos de Política Cultural da Fundação Casa de Rui Barbosa, Lia Calabre, e pela socióloga especializada em administração pública, que assessorou, entre outros projetos, o Bairro Escola, em Nova Iguaçu, e o Escola de Tempo Integral, em Belo Horizonte, Maria Aparecida Perez.

 

MÍDIA E INFORMAÇÃO


Por quais meios costuma se informar sobre o que acontece na cidade em que reside, no Brasil e no mundo?

Televisão Aberta
67%
(na cidade em que reside)
77% (no Brasil e no mundo)

Internet
31%
(na cidade em que reside)
36% (no Brasil e no mundo)


Você costuma assistir televisão?
Só TV aberta ou também por assinatura?

Só aberta - 62%
Ambas - 28%


O que costuma fazer com mais frequência
nas horas livres nos fins de semana?

Assistir TV
19%
(1º lugar)
28% (soma das menções)*
*Entre as atividades mencionadas pelos entrevistados, o tópico foi citado, mas não como a atividade que realizam com maior frequência.


Você usa computador e internet?

Usa computador e internet - 51%



Lia Calabre
“A TV aberta está mais disponível, em geral ela é assistida de maneira compartilhada na casa. É um hábito arraigado, metade dos entrevistados cresceu assistindo mais de seis horas de TV por dia”, diz Lia Calabre. “A internet requer um uso mais intencional, a informação e o entretenimento estão mais segmentados, são poucos os sites mais generalistas. As redes sociais e os lugares de compartilhamento têm uso mais intenso, sem dúvida. Isso sem falar na carência de acesso do suporte tecnológico para parte considerável da população.” Para a pesquisadora, os resultados da pesquisa reforçam a urgência da necessidade de diversificação dos conteúdos e da regionalização de parte das produções, da importância da redução dos monopólios e da diversificação da origem dos conteúdos produzidos.“Gerando, assim, uma real ampliação de oferta”, conclui.


Gustavo Venturi
“A televisão aberta ainda é soberana como meio de comunicação e acesso a bens culturais, para a maior parte da população brasileira – ainda que a internet venha crescendo de forma bastante acelerada e aponte, por sua forma multifacetada, para a quebra desse ‘monopólio’ em breve”, diz Gustavo Venturi. Isso decorre do baixo custo e da alta penetração dos aparelhos televisores nos domicílios em todo o país – eles são praticamente universais. “No entanto, seu potencial de difusão cultural e de fomentador do gosto pela arte, do prazer estético e do senso crítico tem estado reprimido pela dinâmica viciada e antidemocrática de concessão e consequente concentração das emissoras de TV, em particular, e dos meios de comunicação em geral”, alerta. “Sem refletir a diversidade cultural e a multiplicidade de interesses que caracteriza a população brasileira, a TV tem contribuído mais para controlar e conter a explosão de novas manifestações culturais e a formação de públicos de cultura do que para promovê-los.”


Maria Aparecida Perez
“A TV ainda é de uso comum, pode agregar as pessoas e passa filmes e shows que podem ser vistos coletivamente e sem custo. O computador é visto com um meio de comunicação, de pesquisa e entretenimento individual. Mesmo numa família, há escalonamento de horários para usá-lo”, afirma Maria Aparecida Perez. “O problema dessa presença fortíssima da TV é que ela modela gostos, dá versões ‘oficiais’ de notícias, da cultura, não oferece opções diversificadas, nem estimula comparações ou dúvidas.” Maria Aparecida ressalta nesse contexto a importância de cultivar o hábito de ler, de pesquisar, de investigar. “Se eu não tenho como acessar outros meios de informações, a televisão é meu informante e minha recreação”, explica.



HÁBITOS CULTURAIS


O que costuma fazer com mais frequência nas horas livres, nos fins de semana?

Atividades dentro de casa
34%
(1º lugar)
47% (soma das menções)

Atividades de lazer e entretenimento (restaurantes, internet, sair com amigos, ir à praia, shoppings ou parques)
34%
(1º lugar)
47% (soma das menções)

Atividades culturais (ir ao cinema, leitura)
4% (1º lugar)
7% (soma das menções)



Maria Aparecida Perez
“A difusão cultural acontece em bolsões restritos, sem corresponder à expectativa da maioria das pessoas. Essa centralização termina por não incentivar a circulação e produção cultural no conjunto da cidade, o que mostra a falta de uma política cultural. Temos produção cultural nas periferias, mas ela fica restrita ao seu território, não circula pela cidade”, afirma. “A maioria da população estudantil acessa o que são considerados equipamentos culturais pela primeira vez via escola.”Segundo a especialista, o problema é que essas ações são vistas como complementares à educação e não como parte, como núcleo, da formação das crianças e jovens. “Falta uma política cultural de Difusão e Acesso. E, também, uma política urbanística que preveja, além de moradia, outros equipamentos sociais, como centros culturais”, complementa.



Que atividades gostaria de fazer nas horas livres se não tivesse que se preocupar com tempo, dinheiro ou permissão de alguém?

Viajar
27% (1º lugar) / 51% (soma das menções)



Ir a eventos culturais
1% (1º lugar) / 8% (soma das menções)



Que locais frequenta nos fins de semana quando quer fazer alguma atividade cultural?

Shopping centers - 6%
(1º lugar) / 8% (soma das menções)
Cinemas - 5% (1º lugar) / 7% (soma das menções)
Teatros - 3% (1º lugar) / 4% (soma das menções)
Museus - 1% (1º lugar) / 2% (soma das menções)
Não faz nenhuma atividade cultural - 51%



Que atividades faz ou quais acontecem nos locais que frequenta nos fins de semana quando quer fazer alguma atividade cultural

Filmes no cinema – 9% (1º lugar) / 12% (soma das menções)
Peças de teatro – 4% (1º lugar) / 6% (soma das menções)
Exposições – 2% (1º lugar) / 3% (soma das menções)
Leitura - 0,3% (1º lugar) / 0,3% (soma das menções)



Lia Calabre
“Temos baixos índices de frequência a atividades culturais em geral no Brasil. Um somatório de questões nos ajuda a compreender esse quadro. Um deles é a desigualdade de oferta de espaços no conjunto das cidades”, explica Lia. “O crescimento dos shoppings contribuiu para o aumento da oferta das salas de cinema, mas ainda estão restritas aos grandes centros urbanos. Ou seja, cinemas são os equipamentos mais bem distribuídos pelas grandes cidades.”


Maria Aparecida Perez
“As pessoas costumam ver a cultura como algo a ser comprado – entrada para o cinema, teatro, shows, museus etc. Normalmente, não reconhecem como cultura o artesanato, a culinária, a leitura (é vista como estudo), a prática de esportes”, analisa Maria Aparecida. “Quando a pessoa vai a um centro cultural, à escola para ver alguma apresentação ou a shows em praça pública, provavelmente não considera uma ação cultural.”


Gustavo Venturi
“A fruição da arte cinematográfica, comparada à da dramaturgia teatral e à da arte oferecida em museus, é facilitada pela reprodutibilidade que lhe é inerente: um mesmo filme, além de produzido uma única vez, pode ser exposto simultaneamente em inúmeros lugares, enquanto a fruição nos outros dois casos exige a presença física em um único local e, no caso do teatro, no momento específico em que se está encenando cada obra. Certamente essa não é uma diferença menor, a favor do cinema, para que hoje conte com um público muito maior que o do teatro ou dos museus”, interpreta Gustavo.



FREQUÊNCIA A ATIVIDADES CULTURAIS


Atividades que nunca fez ou a que nunca foi na vida


Ir ao cinema - 22%
Ler um livro por lazer, sem ser de trabalho ou estudo - 31%
Ir a um show de música em uma casa de espetáculo - 55%
Ir a uma peça de teatro em um teatro - 57%
Ir a exposição de pintura, escultura ou outras artes - 71%



Razões de não ter feito uma atividade cultural no último ano

Não gosta - 1ª razão mais citada
Não tem na cidade - 2ª razão mais citada
Não tem costume - 3ª razão mais citada
Não tem perto de casa / dificuldade para chegar
(distância, trânsito, falta de transporte / transporte caro) -razão mais citada
É caro / não tem condições financeiras - 8ª razão mais citada



Lia Calabre
“Existem algumas pistas para a baixa frequência a eventos culturais, como o peso dos preços dos ingressos, ou melhor, que o somatório das despesas de um deslocamento familiar para uma atividade cultural representa um alto investimento”, afirma Lia. Mas, segundo a pesquisa, essa questão não é tão percebida como um motivo pelos entrevistados para a não frequência. “O fato de não frequentar está naturalizado entre os entrevistados”, analisa a pesquisadora.


Maria Aparecida Perez
“A tendência é apontarmos a dificuldade de acesso sem considerarmos a falta de formação para a compreensão e o interesse pela diversidade e complexidade da cultura. O que faz parte de uma política de formação de público, isto é, preparar as pessoas para a criação, crítica e experimentação, para que possam ser mais que espectadores, possam refletir sobre o que veem e sobre as suas sensações”, diz Maria Aparecida. “Os motivos para a baixa frequência cultural se somam, mas o principal, na minha visão, é a concentração de equipamentos culturais nas áreas centrais das cidades, quando existem. Esses equipamentos, além de se concentrarem nas áreas centrais, geralmente são privados, o que nos remete à questão de acesso, uma vez que o custo é alto para a maioria da população. Ao valor da entrada somam-se gastos com transporte, tempo de deslocamento etc. Se for um passeio familiar, aumenta o recurso a ser investido e as famílias comparam os gastos e terminam por cortar o que consideram recreação ou supérfluo. Essas atividades não são vistas como parte de um processo educacional.”


Gustavo Venturi
“É importante separar dois aspectos entre os que incidem de modo mais determinante para a baixa fruição cultural observada: de um lado, a questão da falta de acesso, percebida pelos entrevistados como ausência de equipamentos culturais na cidade e/ou dificuldade para chegar aos equipamentos mais próximos; de outro, a falta de interesse, de costume ou de gosto por determinadas formas de expressão cultural. A dificuldade de acesso pode significar tanto ausência ou precariedade dos transportes públicos, sobretudo em municípios médios e grandes, como, ainda, impedimentos em função do custo dos deslocamentos”, afirma Gustavo. Já a questão do interesse,na opinião do coordenador, está relacionada à educação escolar, mas também aos demais processos de socialização. “É preciso entender o gosto pela arte, o prazer estético e o senso crítico como frutos de processos de desenvolvimento que não são inatos. Para que se realizem, dependem de contextos e vivências que estimulem ou facilitem sua emergência e desenvolvimento”, acrescenta. “Nesse sentido, mesmo que não haja clara consciência dos efeitos de uma omissão não deliberada, é verdade que uma sociedade que descuida desse aspecto da formação de seus indivíduos objetivamente é uma sociedade que valoriza pouco a cultura.”




GOSTOS CULTURAIS


Gêneros de teatro de que gosta
Comédia - 33%
Drama - 9%
Infantil - 6%


Tipos de apresentação que gosta de ver
Circo - 33%
Comédia stand up - 29%
Teatro de bonecos - 19%


Tipos de exposições que mais gosta de visitar
Artes - 14%
Artesanato, arte popular - 13%
Antiguidades - 9%


Tipos de leitura de que mais gosta
Romance/Ficção - 19%
Bíblia - 18%
Temas religiosos - 10%


Quantidade de livros inteiros que leu nos últimos 6 meses
1 livro - 12%
2 livros - 11%
Nenhum - 58%



Gustavo Venturi
No que diz respeito à comparação entre a fruição do cinema e da literatura, o contraste é, de acordo com o coordenador da pesquisa, de outra natureza, pesando de modo decisivo a questão do grau e da qualidade da escolarização dos diferentes segmentos da população. “Se considerarmos que quase a metade das pessoas hoje idosas (60 anos ou mais) é analfabeta funcional (como indicou outro estudo Sesc/FPA realizado em 2006, publicado em Idosos no Brasil), é compreensível que os livros tenham ficado ausentes da socialização familiar da maioria dos brasileiros hoje adultos”, completa.



Filmes que mais gosta de assistir
Gênero de que mais gosta
Aventura/ação - 39%
Comédia - 38%
Romance - 29%


Origem do filme
Americano - 45%
Nacional - 33%



CULTURA NA PRÁTICA


Encontro internacional reúne especialistas para discutir hábitos culturais da população


Em novembro, o Sesc Vila Mariana sediou o Encontro Internacional Públicos da Cultura, cujo objetivo é proporcionar um espaço de reflexão e diálogo a respeito das práticas e do consumo cultural na sociedade contemporânea. Segundo o grupo de trabalho responsável pela atividade, a compreensão das práticas ampliadas dos públicos da cultura é primordial não apenas para planejar políticas culturais adequadas, mas também para reconhecer os direitos culturais desses públicos, garantindo-lhes o acesso, a fruição e o exercício da cultura. O evento busca compreender o fenômeno do consumo cultural na sua diversidade, já que ele se realiza em grupos com diferentes características sociais, étnicas e econômicas. Os contextos em que se inserem também são heterogêneos e, por isso, a necessidade de abordagens que abarquem essa complexidade.


Um dos destaques do encontro foi a divulgação de resultados da pesquisa Públicos de Cultura: Hábitos e Demandas, além de palestras de diversos especialistas nacionais e internacionais, a respeito dos públicos da cibercultura, dos públicos jovens e suas práticas culturais, da acessibilidade cultural para pessoas com deficiência, dos perfis sociais dos públicos da cultura, da mediação cultural e formação de públicos, entre outros.