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Daniel MacIvor

Quebra-cabeça Criativo
O diretor, ator e dramaturgo canadense ¿Daniel MacIvor expõe o processo ¿de criação de seus ¿textos teatrais

Daniel MacIvor vive no Canadá, mas podemos dizer que parte dele está no Brasil, desde o início da parceria com o ator Enrique Diaz, que rendeu as montagens de In on It, A Primeira Vista e Cine Monstro, (2009, 2012 e 2013, respectivamente). O seu texto para In on It foi vencedor do Prêmio Shell na categoria melhor ator e direção, para Enrique Diaz. MacIvor costura as possibilidades da arte dramática, tendo experiências como ator e diretor de cinema – e não abre mão de instigar a audiência por meio de seus textos fortes, embasados no humor trágico e nas incertezas humanas sobre o intervalo entre a vida e a morte. “O que fazemos é hilário, pois acordamos e nos preparamos para uma porção de coisas e fazemos tudo de forma estritamente séria, mas a realidade é que podemos morrer a qualquer momento”, afirma. Trata-se de um verdadeiro quebra-cabeça montado com a ajuda da plateia que assiste a seus espetáculos.
O autor esteve no Sesc Pompeia para um encontro com o público. Acompanhado de seu parceiro, Enrique Diaz, participou de um bate-papo que abordou questões centrais de sua produção. A seguir os principais trechos.

Subverter o ego
Uma das razões pelas quais eu não gosto muito de escrever roteiros é por serem focados na história, e em meu processo criativo a história vem depois. Para mim, uma peça sempre começa pelo título, que se torna tema. Depois dessa fase, os personagens começam a dialogar. A partir dos diálogos acontecem situações e, então, eu tenho a história.
É mais interessante o que a peça pode criar do que o que eu mesmo posso fazer com a história. Sei que parece estranho, mas a peça pode dizer muito mais do que eu. É como se houvesse uma história que precisa ser contada. Talvez dê a impressão de que a gente esteja alimentando o ego; porém, acho o oposto. É dessa maneira que conseguimos subvertê-lo.

O hilário e o trágico
Sobre o humor nos meus textos, posso usar um exemplo: Admiro muito o Dalai Lama, que é um homem de riso fácil. Uma vez um jornalista o questionou sobre como era o seu dia a dia. Ele disse: “Eu acordo e me preparo para morrer.” O que na verdade é o aspecto humorístico e trágico da vida. O que fazemos é hilário, pois acordamos e nos preparamos para uma porção de coisas e fazemos tudo de forma estritamente séria, mas a realidade é que podemos morrer a qualquer momento. Uma análise trágica e, ao mesmo tempo, engraçada. O fato é que tudo que se mostra muito importante talvez não o seja. É nesse ponto que surge o humor, algo maior do que o simples riso, pois envolve a visão trágica.
Não venho de uma tradição de teatro na minha família. Na verdade, achava o teatro um pouco chato e sentia que não era para mim. De todo modo, considero importante assistir a peças e confrontá-las com as minhas crenças. A função do teatro é mexer com a gente.

Você está vivo?
Atuar foi meu treinamento, muito importante para explorar minhas possibilidades como ator e diretor. Tive um ótimo professor de teatro que nos observava durante as cenas e depois conversava com a gente. A primeira coisa que ele perguntava era: “O que você tem a dizer sobre a sua cena?” Eu sempre colocava em dúvida o meu sentimento em relação à cena. Ao que ele respondia: “Você está vivo? Então você está sentindo”. Eu ainda dizia: “Olha, não sei se estou no personagem...” E ele prontamente afirmava: “Não é o personagem, é você”.
Portanto, atuar para mim tem a ver com ser e estar naquele momento. Não tenho certeza se eu seria um bom ator para outras peças, se faria Tchekhov ou Shakespeare, mas para as minhas peças eu buscava a sensação de viver exatamente aquele momento.

O inevitável
Pode soar simplista o que vou dizer, porém, para mim, tudo está ligado ao fato de que nós nascemos e vamos morrer. Isso é o suficiente para ter em comum com as outras pessoas. Todo o restante é o preenchimento, coisas que compõem o intervalo entre nascer e morrer. Sei que é bem mais complicado do que isso, mas nascer e morrer é o meu tema, é o que está no meu trabalho.
Uma vez, uma jornalista me perguntou por que eu tinha tanta obsessão pela morte. Logo respondi: “Por que você não tem?”
Não acho que seja uma obsessão, só é um assunto recorrente. O que temos em comum uns com os outros. Penso bastante no que falar e me preocupo no que é feito para ser dito e não para ser lido. Além de pensar se eu conseguiria expressar a mesma coisa com menos palavras, porque amo palavras e se pudesse as usaria a torto e a direito. Tanto que o que sempre digo para as pessoas é que, acima de tudo, sou um escritor.
Hoje penso em escrever como um escritor escreve e não como um ator que deseja estar no palco.

“Hoje penso em escrever como ¿um escritor escreve e não como um ator que deseja estar no palco