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O gol das pequenas

Produtos com imagens e cores do Brasil: mercado liberado / Foto: Erbs Jr./Frame/Folhapress
Produtos com imagens e cores do Brasil: mercado liberado / Foto: Erbs Jr./Frame/Folhapress

Por: CARLA CAMARGO

Não são apenas as grandes companhias, responsáveis pela construção de estádios de futebol e aeroportos, que devem ganhar com a Copa do Mundo no Brasil. Um estudo do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) prevê que negócios emergentes de pelo menos dez setores da economia, como o varejo, turismo, construção civil, fabricantes de móveis e escolas de idiomas, de alguma forma deverão ser beneficiados com a realização do mundial aqui. O levantamento aponta que as micro, pequenas e médias empresas devem faturar cerca de R$ 500 milhões por conta do grande acontecimento, e é sabido que até o início deste ano as vendas sacramentadas em decorrência da Copa já haviam gerado mais de R$ 200 milhões em receitas.

Os contratos, na maioria dos casos, foram fechados há pelo menos dois anos, e os resultados positivos estão se refletindo agora. “Os empreendedores que estavam atentos às oportunidades geradas pelo mundial de futebol informaram-se com antecedência junto a seus mercados, clientes e fornecedores para encontrar maneiras de crescer aproveitando as demandas geradas pelo evento”, diz Luiz Barretto, presidente do Sebrae.

Na área da construção civil, por exemplo, há firmas focadas na fabricação de estruturas metálicas para corrimões e escadas, que foram bem-sucedidas nos acordos comerciais com as grandes empresas responsáveis pela construção e ampliação de aeroportos e estádios. No setor de alimentos, empreendedores que atendem restaurantes, bufês e lanchonetes, vendendo frutas, legumes e verduras, ampliaram a produção este ano para conseguir fazer frente a uma maior demanda por parte de grandes redes hoteleiras, que estão esperando receber milhares de turistas.

Segundo estimativas do Ministério do Turismo, deverão circular pelo país cerca de 2,4 milhões de visitantes estrangeiros e brasileiros que irão assistir aos jogos da Copa. E faltam meios de hospedagem para dar atendimento a esse enorme contingente. Hoje há no país, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), uma oferta de 570 mil leitos nas 12 cidades-sede do mundial. Na visão de especialistas do setor, se por um lado essas deficiências representam potenciais problemas, por outro elas representam oportunidades para donos de empresas emergentes.

No Rio de Janeiro, um dos destinos mais procurados pelos visitantes, hospedagens consideradas alternativas, como aluguel de quartos em casas de família, passam por um momento de alta procura. Os bed and breakfast ou albergues também estão em alta. “Nunca houve uma demanda tão grande por aluguel por temporada no Rio, o que vem fazendo o setor crescer muito”, diz Sven dos Santos, diretor da Agência Heidelberg, de aluguéis por temporada na zona sul da cidade. De acordo com a rede de albergues da juventude Hostelling International – Brasil, desde 2012 o grupo credenciou mais de 20 novas unidades no Brasil. Em sua maioria, elas se situam nas cidades-sede da Copa do Mundo. A rede conta hoje com cerca de 90 endereços no país e mais de 6.800 leitos.

Antigos e surrados

Outra área que prevê um aumento no faturamento em boa parte graças à Copa é o varejo. Segundo a Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL), especialmente os setores de supermercados e eletrônicos deverão ter um resultado positivo este ano com mais vendas previstas de televisões e uma maior procura, durante o período de realização do evento, de alimentos e bebidas, principalmente por parte dos visitantes. De acordo com a CNDL, o varejo deverá aumentar as vendas em cerca de 4% a 4,5%. Caso se confirme, o resultado repetirá o desempenho de 2013. “Ao menos a expansão continuará no mesmo ritmo, o que já é algo positivo”, diz Roque Pellizzaro Junior, presidente da entidade.

O mercado de construção civil, que movimenta uma extensa cadeia de fornecedores – em geral, pequenas e médias empresas que se especializam em determinados nichos de mercado –, também deverá se beneficiar com o campeonato de futebol. Diante da necessidade de movimentar milhões de pessoas durante o período em que durar a competição, que começará em 12 de junho e vai até 13 de julho, o país vem investindo na modernização e construção de aeroportos. Afinal de contas, o avião é o meio de transporte mais adequado para atender o intenso deslocamento entre as várias regiões onde os jogos acontecerão. “O Brasil conta com aeroportos antigos e saturados”, diz o economista Gesler de Oliveira, da Fundação Getulio Vargas, especializado em questões ligadas à infraestrutura. “É preciso melhorar os serviços básicos para fazer frente ao crescimento do país”, afirma. Segundo um estudo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), dos 20 maiores aeroportos brasileiros, 13 já não conseguem atender o intenso tráfego de passageiros, entre eles Congonhas e Guarulhos, em São Paulo. A fim de oferecer condições mais adequadas de transporte de pessoas e mercadorias, o setor aéreo estima investir cerca de R$ 42 bilhões até 2020.

Uma parte das melhorias em aeroportos começou a ser realizada para tornar o país capacitado a sediar a Copa do Mundo. Com isso, abriram-se oportunidades para empresas especializadas na construção de estruturas essenciais para pistas de pouso e decolagem, além daquelas que fabricam equipamentos de sinalização e outros utilizados em torres de controle de tráfego aéreo, por exemplo. Firmas que se dedicam ao fornecimento de estruturas para a parte interna dos aeroportos, como escadas e balcões das companhias aéreas, também estão sendo beneficiadas. Além disso, como são necessários diversos tipos de serviços para atender os passageiros, entre eles alimentação, presentes e vestuário, empreendedores dessas áreas poderão atingir novos patamares de crescimento, aproveitando as oportunidades que estão se abrindo. “O mercado de construção de novos aeroportos e renovação dos já existentes é muito importante não só para grandes eventos internacionais, mas, principalmente, para um país se tornar mais competitivo mundialmente”, diz Mathieu Blondel, diretor da consultoria Arthur D. Little.

No Brasil, empresas emergentes já vêm tirando bons proveitos da necessidade de modernização do setor aéreo. Uma delas é a Camol, de Fortaleza, firma fundada em 1996 pelo engenheiro de produção Carlos Mota. Seu faturamento aumentou principalmente, devido ao fornecimento de estruturas metálicas para a construção de fachadas, corrimões e escadas do Arena Castelão e da ampliação do Aeroporto Internacional Pinto Martins, ambos na capital cearense. Trata-se de obras extensas, que consomem anos de trabalho. Para a Camol, os projetos ligados à Copa representaram uma oportunidade de crescimento. Em pouco mais de um ano, entre meados de 2011 e o final de 2012, a empresa aumentou suas vendas em 30%. Para poder atender à demanda gerada pelas obras da Copa do Mundo, a firma de Mota ampliou seu quadro de funcionários em 40% com a contratação de 50 empregados.

Impacto positivo

Em São Paulo, a Grundfos, de capital holandês, também vem crescendo pelas mesmas razões. A empresa forneceu bombas para irrigação e drenagem de água para os estádios das cidades-sede do mundial, além de sistemas de combate a incêndio e de ar-condicionado para os camarotes, serviços que geraram cerca de R$ 4,5 milhões em faturamento. “Marcamos um gol nesse evento internacional, abrindo uma grande vitrine para as Olimpíadas”, diz Sandro Sandanelli, diretor da empresa. No ano passado, a Grundfos, que atende clientes como a Sabesp, Odebrecht e Vale, obteve uma receita de R$ 110 milhões, 37,5% a mais do que em 2012. A expectativa é de um crescimento de 25% anuais a curto e médio prazos. “O Brasil tem um grande mercado potencial, que deve continuar em expansão nos próximos anos. Nosso foco é o crescimento, e não estão descartados planos de aquisições”, afirma Sandanelli. Como muitas outras empresas, a Grundfos também almeja fechar bons contratos para o fornecimento de produtos e serviços na fase preparatória das Olimpíadas (a previsão é que o país invista em torno de R$ 5,6 bilhões para a realização dos Jogos Olímpicos de 2016, no Rio de Janeiro. De acordo com o governo, esse custo deverá ser destinado, em boa parte, para a construção ou melhoria de estruturas para as competições).

No caso da Copa do Mundo, os gastos totais podem chegar a R$ 30 bilhões. Desse total, cerca de R$ 8 bilhões foram empregados na construção ou reforma de estádios nas cidades-sede. A previsão inicial era de um desembolso de cerca de R$ 2 bilhões. Em São Paulo, a troca do estádio Cícero Pompeu de Toledo, o Morumbi, onde inicialmente estava prevista a realização dos jogos na cidade, pela Arena Corinthians, em Itaquera (o Itaquerão), resultou em um acréscimo de mais de R$ 600 milhões nos custos totais da obra, que passaram de R$ 180 milhões para cerca de R$ 820 milhões. A reforma do Maracanã, por sua vez, custou R$ 1 bilhão. Segundo especialistas, mesmo com a planilha de gastos mais inchada do que o previsto, a Copa provavelmente irá gerar um impacto positivo na economia. Há, por exemplo, 15 mil vagas de trabalho temporário nos estádios das cidades-sede durante o mundial, conforme um estudo da Fundação Getulio Vargas e da consultoria Ernest & Young. Ao todo, deverão ser gerados 3,6 milhões de empregos temporários. Ao menos uma parte dessas vagas deve ser criada por micro, pequenas e médias empresas.

Além de serviços prestados diretamente dentro dos estádios, como venda de quitutes nas lanchonetes, diversos negócios emergentes participaram dos processos para obter o selo da Copa do Mundo e poder utilizá-lo em mochilas, canecas, camisetas e vários outros objetos. Mas mesmo os empreendedores que não conseguiram essa autorização puderam colocar imagens do Brasil e de futebol nos itens que fabricam. “Sem aprovação da Fifa, não é possível usar os símbolos oficiais como a mascote da Copa, o tatu-bola Fuleco, e a bola oficial, Brazuca. Mas imagens que fazem alusão ao Brasil não enfrentam essa proibição”, explica Bruno Caetano, superintendente do Sebrae.

Cachaça artesanal

Empresas como a Dalla Strada, de Recife, em Pernambuco, que fabrica bolsas artesanais e brindes, criaram estratégias de crescimento para este ano, comercializando itens que fazem referência ao país e a Copa do Mundo. Por meio de uma parceria com o Sebrae, a Dalla Strada pretende vender cerca de 100 mil peças durante a realização dos jogos. Além de contribuir para aumentar o faturamento da empresa, o evento esportivo deverá servir como vitrine internacional para os produtos da marca. “Faz parte de nossos planos exportar para países europeus como a Itália e a Holanda”, diz o empreendedor João Bosco Lima de Santana, proprietário da Dalla Strada. A marca surgiu em 2010, depois de Santana ter iniciado um trabalho de inclusão social com jovens de comunidades pobres. Com cursos em confecção, montagem de bolsas e modelagem feitos na Itália, Santana, que era funcionário público, decidiu ensinar design e costura a jovens da periferia. Hoje, a empresa tem uma receita superior a R$ 250 mil por ano. Apenas com os produtos voltados a estrangeiros e brasileiros que assistirão aos jogos, a empresa deve faturar cerca de R$ 45 mil.

Já a Bandoca, do Rio de Janeiro, deverá fornecer almofadas que servem de apoio para bandejas, livros e notebooks com imagens do calçadão de Copacabana e outros ícones da capital fluminense. Fabricantes de produtos típicos como cachaça, doce de leite e alimentícios à base de frutas brasileiras também devem experimentar uma expansão de seus negócios este ano. Segundo a Associação Brasileira da Indústria de Chocolates, Cacau, Amendoim, Balas e Derivados (Abicab), o ramo de amendoim prevê um aumento de 30% nas vendas durante o mundial. A indústria de chocolates também pretende lançar produtos específicos para a Copa do Mundo. A Arcor, por exemplo, planeja colocar no mercado bombons com embalagens e formatos temáticos relacionados aos clubes de futebol.

Fabricantes de cachaça também estão otimistas. A Associação dos Produtores Artesanais de Cachaça de Salinas (Apacs), em Minas Gerais, prevê uma expansão nas vendas do produto e um incremento futuro na exportação. De acordo com os dirigentes da entidade, a bebida deverá se tornar mais conhecida no exterior da mesma forma como aconteceu com a tequila, bebida típica do México, após o mundial de futebol de 1986, realizado naquele país. Hoje, o mercado de cachaça artesanal movimenta mais de R$ 7 bilhões por ano no Brasil e pode crescer ainda mais, segundo especialistas do setor.

Alguns donos de alambiques planejam transformar suas propriedades em centros turísticos para aproveitar a chegada de estrangeiros que vêm assistir aos jogos. É o caso da Flor do Vale, situada a sete quilômetros do centro de Canela, no Rio Grande do Sul. Nos últimos anos, a cachaçaria artesanal vem recebendo visitantes interessados em fazer a degustação do produto e conhecer sua fabricação. Durante a Copa, cerca de 30 mil turistas devem passar pelo alambique. Para facilitar a chegada até o local, distante a 130 quilômetros de Porto Alegre, a empresa oferece transporte de ida e volta a partir da capital. “Ficamos em uma região muito bonita, com rios e cachoeiras, e deveremos ser bastante procurados pelas pessoas que estarão em Porto Alegre”, diz Antonio Cardoso Junior, proprietário do alambique. Vários produtores planejam lançar edições especiais da Copa do Mundo, com rótulos que remetem ao mundial. Além disso, alguns empresários do setor pensam em aproveitar o evento para receber colegas estrangeiros que também estarão no Brasil pelo mesmo motivo. Em junho, Giovanni Viotti, proprietário da cachaçaria Pendão, de Minas Gerais, apresentará seu alambique a um grupo de empreendedores japoneses que assistirão aos jogos aqui no país. “O principal objetivo é intensificar as exportações, que em 2014 devem chegar a 10% do total produzido”, diz Viotti.

 


 

O perfil do turista da Copa

Sob encomenda do Ministério do Turismo, a Fundação Getulio Vargas realizou uma pesquisa para levantar o perfil do turista estrangeiro que virá ao Brasil para assistir aos jogos da Copa do Mundo. Um dos objetivos do estudo é estimar o quanto essas pessoas deverão gastar durante sua permanência no país e quais tipos de serviços utilizarão. Em geral, trata-se de um grupo de bom poder aquisitivo, com renda suficiente para arcar com os altos custos de hospedagem e alimentação no Brasil. De acordo com o levantamento, a renda familiar média desse turista é da ordem de R$ 23,4 mil mensais, infinitamente maior do que a nossa: as famílias brasileiras, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), têm uma renda mensal média de R$ 2,1 mil. Em sua maioria, os visitantes são jovens e têm entre 25 e 34 anos.

Cerca de 20% dos turistas estrangeiros que vão assistir aos jogos da Copa ganham mensalmente entre R$ 20 mil e R$ 50 mil. Os mais ricos estão entre os visitantes provenientes da Oceania, que têm renda de cerca de R$ 30 mil por mês. Esses turistas deverão demandar serviços com atendimento em inglês, inclusive em transportes públicos como trens e metrôs. Também deverão procurar restaurantes e cafés com ar-condicionado, internet sem fio e outras comodidades já comuns no exterior.

Estima-se que os visitantes de fora ficarão cerca de 17 dias no país, transitando entre várias cidades. A expectativa é que a maioria visite ao menos três cidades onde haverá jogos. Esse contingente de pessoas, imagina-se, gastará do próprio bolso em restaurantes, lanchonetes e passeios, por exemplo, em torno de R$ 6,85 bilhões. De acordo com dados do Sebrae, essa movimentação deverá beneficiar setores como o de alimentação, de artesanato de diversas regiões do país, bebidas típicas como a cachaça e o transporte em vans para buscar e levar os turistas aos jogos, entre outros deslocamentos.