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Yamandu Costa



Com solos virtuosos e muita intuição, Yamandu Costa destaca-se ao transitar com desenvoltura por diversas linguagens musicais


A história de Yamandu Costa assemelha-se à trajetória de instrumentistas brasileiros que começaram a tocar ainda crianças e não viram outra direção na vida que não fosse a música. “E me criei nisso. Quando me dei conta já estava envolvido com a música e resolvi parar de fazer a escola formal”, conta.

De lá para cá a dedicação à música é integral, tocando no Brasil e no exterior. Yamandu já acompanhou orquestras em Paris e no Canadá, mas afirma sem nenhuma dúvida que seu maior público está no país: “Eu trabalho mais no Brasil, tenho uma carreira internacional de formiguinha, foi construída devagar. As viagens que faço são pontuais, mas muito boas”.

Natural de Passo Fundo, Rio Grande do Sul, Yamandu guia as cordas do seu violão pelo choro, música erudita e ritmos regionais, como o chamamé, ou latino-americanos, como o tango. No depoimento a seguir, ele afirma não se enquadrar em uma linguagem musical única, seguindo aberto a influências variadas que compõem seu extenso repertório.


Vida na estrada

Nunca tive paciência para a escola formal. Fui criado numa família de músicos. Meu pai tinha um conjunto que acabou quando eu era criança, aos 10 anos. Com isso, cada integrante foi para um canto e eu acabei ficando sozinho com o meu pai. Assumimos um duo e começamos a viajar o país todo de ônibus. Ficou difícil acompanhar a escola, pois viajávamos de Porto Alegre até Natal, no Rio Grande do Norte. Tocávamos e vendíamos os nossos discos na estrada. Quando me dei conta já estava envolvido com a música e resolvi parar de fazer a escola formal.

Representar o violão brasileiro e fazer shows deixa a vida mais atribulada, mas é maravilhoso, ainda mais no meu caso, pois venho de uma região que não faz parte do Sudeste, trago outras informações ao violão, a influência da música do Sul, da música de fronteira, da sonoridade argentina e uruguaia. E considero um prazer mostrar e inserir outras influências na linguagem do violão.

Não me enquadro em uma linguagem musical única, e costumo escutar um pouco de tudo. Gosto muito de tango, do folclore argentino, da música cigana, cada vez mais ouço música erudita e de concerto, que me inspira. E todas as características que elas possuem, de alguma forma, entram em minha composição. E cada vez mais tenho vontade de tocar estilos variados. Na verdade, acho que gostamos de tocar o que gostamos de ouvir. Você quer reproduzir a sensação agradável que tem quando ouve alguma coisa boa. Portanto, a medida é essa, a inspiração é essa. Escuto uma música do norte da Colômbia, por exemplo, chamada “porro”, um ritmo pouco conhecido que eu adoro e passei a incluir no meu show. E as pessoas adoram, tem dado o maior pé, pois é a transmissão de uma sensação boa que é decodificada e transformada por nós à nossa maneira. Sou um cara muito aberto a esse tipo de influência. O que importa para mim é mais a sensação que algum gênero pode trazer do que propriamente o gênero. Eu me atraio por gêneros variados e não deixo de experimentar e colocar em minha música todas essas influências.


Orquestras

A primeira vez que toquei acompanhado de orquestra foi em Porto Alegre, há uns 14 anos. Convidaram-me para tocar as composições do grande Radamés Gnattali. E nessa oportunidade se deu o início da minha experiência com as orquestras. Todo ano tenho feito trabalhos pontuais, mas muito bacanas. Em dezembro [de 2013] toquei na França, com a Orquestra de Paris, uma composição que fiz para violão e acordeão – ela é temática e fala sobre a música do Sul. Recentemente, recebi o convite da Orquestra de Cuiabá, do maestro Leandro Carvalho, para compor uma peça que se chama Concerto Fronteira. É uma experiência maravilhosa, mas trabalhosa e muito difícil para quem, como eu, veio de uma linguagem popular, integrar-se nessa formação erudita. Mas é um aprendizado. À medida que vamos melhorando, aprendendo com a caminhada, vamos conseguindo resultados positivos. E logo, logo, devo começar a gravar esse material, porque são vários concertos que fiz durante esse tempo. Há um concerto que o Mauricio Carrilho escreveu para mim, que se chama Suíte para Sete Cordas e Orquestra, dentro da linguagem do choro, há outra peça que compus com o produtor carioca Paulo Aragão; enfim, há alguns concertos, fora uma peça que fiz com o Hamilton de Holanda, para violão, bandolim e orquestra. Então, logo arrumaremos uma maneira bacana de gravar esse material.

De certa forma, tocar com orquestra é uma luta infiel, não é fácil, porque o tempo vai chegando e você fica, ao mesmo tempo, com mais dificuldade técnica e compreensão maior da música. Você vai ficando mais maduro e o dedo mais enferrujado. Por isso, tem que começar a correr atrás, estudar e praticar para  dar conta.


Ao vivo e ao ponto

É importante ter os registros em CD e em DVD. Se a imagem é necessária, a apresentação ao vivo é ainda mais. Irá resgatar o lado vivo que o estúdio, de alguma maneira, matou. No disco podemos editar, voltar... Quando fazemos um DVD tem que ser de verdade mesmo, o que é muito positivo. A música feita dessa forma, sem a possibilidade de refazer, tem outra tensão, mas também possui um tipo de relaxamento que a meu ver faz falta nos registros que temos hoje. A naturalidade que existe no momento em que se faz música de fato. É interessante que as linguagens se misturem, mas é uma grande incógnita o que irá acontecer com a indústria da música. É tanta informação, é tanta gente falando tanta coisa que o importante é fazer.


Continente literário

Há um CD que gravei chamado Lida (Biscoito Fino, 2007), concebido depois que li os dois primeiros capítulos de O Tempo e o Vento (Érico Veríssimo, Cia. das Letras, 2013). Eu já morava fora do Rio Grande do Sul havia algum tempo e li essa obra fantástica do Érico Veríssimo. Fiquei superemocionado com a linguagem universal que ele dá para aquela situação humana narrada. Acabei desenvolvendo um CD que tratasse dessa linguagem, e o Continente (Biscoito Fino, 2013) é a continuação dessa tentativa. Devo retomar essa temática literária em um terceiro CD, mas só daqui a alguns anos.


“O que importa para mim é mais a sensação que algum gênero pode trazer do que propriamente o gênero. Eu me atraio por gêneros variados e não deixo de experimentar e colocar em minha música todas essas influências”