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Encontro com a arte

Óleo sobre tela
Óleo sobre tela "Tudo é o que é e é assim que é" (2012)

texto: Álvaro Magalhães

“A arte tem disso: a gente convive, dialoga, faz amizade com pessoas de dezoito a oitenta anos.” Rodrigo Bivar, 31, fala pausadamente. Sentado numa cadeira branca, em uma das três salas de seu ateliê – um apartamento de cômodos largos, tacos desgastados, num velho imóvel na Lapa –, ele procura as palavras, reflete. Ali, a 600 metros do frenético mercado do bairro, na zona oeste de São Paulo, ele costuma encontrar amigos, os mais velhos e os mais novos, quando precisa de uma opinião. “É bom ouvir quem a gente confia, quem tem um olhar em que a gente confia.”

Nascido em Brasília, Bivar mudou-se para São Paulo aos dois anos e acostumou-se, ainda em sua família, a conviver com diversas gerações de artistas. Um de seus tios, Antonio Bivar, 73 anos, é um premiado dramaturgo. Outro, Leopoldo Lima, morto em 1997, artista de traços populares, é orgulho em Ribeirão Preto (SP), onde Bivar morou por quatro anos, já na adolescência. Gostava muito do ateliê do tio, uma casa de madeira, com pôsteres de mulheres nuas e do São Paulo Futebol Clube nas paredes. Ainda não pensava em formar-se em artes plásticas, mas se impressionava com os trabalhos feitos a pirógrafo por Lima. A escolha da carreira veio só mais tarde, após desistir do curso de engenharia ambiental, em Campinas, e prestar vestibular na Faap (Fundação Armando Alvares Penteado), onde se graduou.

Foi essa convivência com artistas de diversas idades que levou Bivar, ainda jovem, à Galeria Millan. Há sete anos, a Millan o representa. “Ele era auxi- liar do Paulo Pasta quando o conheci”, lembra André Millan, 54, sócio-diretor da galeria. Pasta, 52, despontou em meados dos anos 1980, mais de duas décadas antes de Bivar realizar sua primeira exposição individual, em 2008, no CCSP (Centro Cultural São Paulo). “Creio que o trabalho dos dois se aproximam. Não propriamente na estética, mas no modo de produção, na filosofia: há um ritmo gradual, uma calma.”

Bivar produz, em média, segundo suas contas, 20 obras por ano – nos últimos cinco, vendeu 60, segundo Millan. Em seu ateliê, há um cômodo repleto de telas voltadas para a parede – só se vê as armações. “Deixo-as descansar, para retomá-las depois.” Chega a se esquecer de algumas. Surpreende-se ao revê-las. Mas prefere as que pinta rapidamente. Quando engrena, conclui uma “tela grande” – de quatro, cinco metros quadrados – em uma semana. “Pena não fluir assim sempre. Quando flui, a obra fica mais arejada. Tem algo que não está preenchido, que se completa no espectador.”

Bivar diz que, mais difícil que pintar, é resolver a composição. Cita Leonardo da Vinci: “Ele dizia que a pintura é algo mental”. Ele conhece a filosofia dos velhos mestres das artes. Fala com naturalidade de Da Vinci, de Henri Matisse. Em sua mesa, há um exemplar de Cartas a Théo, de Vincent Van Gogh. Mas não rebusca – nem ao falar, nem ao pintar.

Na parede da primeira sala do ateliê, um quadro em que trabalha retrata um aquecedor a óleo, com suas ondulações. “Não preciso fazer uma ilustração do aquecedor. Eu quero mostrar, com o mínimo possível, o que me interessa nisso: se é a forma, a cor... São problemas que a gente mesmo se coloca.” Em seu laptop, na sala ao lado, a foto do mesmo aquecedor. Bivar baseia suas obras em fotografias que, em geral, ele mesmo tira. Cenas cotidianas. Às vezes compostas só de objetos, às vezes com crianças e adultos.

Há um esforço de memória para transformar as fotos em tela. “Um esforço para resgatar as sensações do momento da fotografia.” E Bivar tem paciência. Todas as tardes, depois do almoço, ele vai ao ateliê. Mesmo quando é difícil pintar, fica lá. A janela aberta deixa entrar o sol. Seu carro, um gol azul-calcinha ainda do modelo quadrado, da década de 1990, estacionado em frente. “Tem valor sentimental.” Se não pinta, lê. Gosta de literatura russa, mas recentemente anda lendo o chileno Roberto Bolaño. Até cair a noite.

“Acho que, bem trabalhada, a obra encontra seu público, a obra encontra seu crítico.” Depois de quatro anos com mostras individuais no Brasil – além de expor na Millan e no CCSP, ele teve mostras na Galeria Mariana Moura (PE), Fundação de Arte de Ouro Preto (MG) e Paço das Artes (SP) –, suas telas chegaram à Europa. Integraram a exposição “7 SP – Seven Artists from São Paulo”, na Bélgica. A mostra reuniu trabalho de artistas como Paulo Climachauska, 50 anos, expoente dos anos 1990, e novatos, como Rafael Carneiro, 28. Artistas de diferentes gerações.