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Paisagens da vida

Gabriela Greeb, cineasta e apaixonada por filosofia. Greeb morou 12 anos na Europa onde teve contato com o cinema pela primeira vez. Foi assistente de direção, roteirista, continuísta e diretora. Estudou como ouvinte na The London Film School, uma das mais cobiçadas escolas de cinema do mundo. Seu primeiro longa-metragem, A Mochila do Mascate, foi sucesso de crítica e retrata a vida e obra do cenógrafo e diretor de teatro Gianni Ratto.

 

Por que você decidiu fazer um filme sobre a vida e o obra de Gianni Ratto?

Eu fui convidada pela filha do Gianni Ratto, a Antônia Ratto. Quando eu voltei para o Brasil, fiz um filme sobre a música no Rio de Janeiro, Floreados do Repique. Antônia assistiu esse filme, procurou-me e disse: “Eu quero fazer um filme assim para o meu pai, poético”. O Gianni estava com uma idade avançada.  Fizemos o filme com uma equipe de seis pessoas, pegamos o Gianni em cadeira de rodas e fomos para todos os lugares importantes da vida dele. Porque senão ele iria morrer, e faleceu dois meses depois do filme ser finalizado. Foi emocionante porque a Antônia confiou em mim. 

 

Como foi a viagem para a Itália?

O Gianni veio para o Brasil e nunca mais voltou para a Itália. Ele foi contando tudo isso ao longo da viagem, chegando no Teatro alla Scala, em Milão, todos falavam: “Gianni você está vivo, você existe!”. Tem uma ala no Scala dedicado a ele. Ele não sabia, mas tinha uma moça escrevendo um livro sobre ele. Foi muito emocionante, ele chorou, reencontrou pessoas. Porque na Itália o Gianni também fez revolução, como estava no pós-guerra e a Europa estava também empobrecida, ele decidiu fazer pinturas em vez de construir todo o cenário. Foi mágica essa viagem, encontramos por acaso Dario Fo (escritor, dramaturgo e ator italiano), que disse que Gianni era o mestre dele. Conhecemos um primo dele, que recebeu a herança da mãe do Gianni, porque ninguém sabia onde ele estava.

 

Qual foi a reação do público quando assistiu o documentário pela primeira vez?

A primeira apresentação do filme foi na Mostra de Cinema de São Paulo. Todos aplaudiram o Gianni de pé, durante 15 minutos. E ele me disse: “Você conseguiu minha filha, o filme é transparente como a minha cabeça”. Ele era muito exigente, era um filme difícil, com a câmara na mão. Era um filme de linguagem.

 

Como foi a pesquisa para a elaboração do roteiro, vocês conversaram antes com o Gianni?

O filme foi baseado no livro A Mochila do Mascate, que é uma autobiografia que eu li por completo depois que terminei o filme. A Antônia fazia o papel do Gianni, ela foi coautora do roteiro. Em uma semana fizemos o roteiro, separamos por linguagem e assunto. O Gianni estava disponível o tempo todo. Ele participou nesse sentido, quando ele via que tinha alguma coisa errada, ou quando tinha alguma opinião para dar.
Eu acho que o mais legal de tudo é o filme dentro do filme. Uma coisa é o filme todo, outra é você ver que efetivamente o Gianni está olhando pela última vez todas as paisagens da vida dele, isso é uma alegria. Porque ele não voltou lá, ele morreu depois. Sabe aquela coisa de que quando você morre você revê todas as paisagens da sua vida, com ele aconteceu isso no cinema.

 

Como você definiria o Gianni Ratto? Depois que você fez esse filme e conviveu com ele. Quem era o Gianni Ratto para você?

Em primeiro lugar era um homem de teatro e o teatro para ele era o mundo. Gianni era sabedoria, sinto que fiquei mais inteligente depois do filme, às vezes eu estou fazendo alguma coisa e penso: “Como o Gianni falaria”, e tento incorporar um pouco dele. O Gianni era isso, agradável, irônico, engraçado, com bom-humor e pleno de vida.

 

Você morou durante muito tempo fora do Brasil. Sua carreira como cineasta começou em terras estrangeiras. O que de mais importante você tirou dessa experiência que está presente no seu trabalho?

Eu aprendi a fazer cinema pela base, direito. Na França, por exemplo, você nunca pode fazer uma edição, tem uma pontuação, você tem que fazer primeiro a continuidade, o laboratório. Eu aprendi a fazer um cinema europeu de autor, as pessoas se reúnem entorno de uma ideia, de um conceito. Todos te ajudam, o laboratório revela de graça, tem um movimento para que a cultura se faça, no Brasil tem um movimento para que o mercado do cinema aconteça. Para que tenha filmes de bilheteria, mas os filmes independentes no Brasil ficam à margem.

 

Por que voltou para o Brasil?

Os filmes que eu fiz na França faziam sucesso, mas eu não sentia que eles dialogavam com os outros filmes, com tudo, eu sentia que eu era um mundo a parte e que, se eu fosse fazer cinema, eu queria entrar em um diálogo com o mundo. Eu senti que eu precisava voltar para o Brasil para poder começar realmente. Eu regressei ao Brasil em 2000.

 

Como é o processo de criação para você?

Eu dou um mergulho muito fundo quando faço um filme, eu não sou daquele tipo que quer fazer um filme por ano, eu quero fazer um filme a cada cinco anos. Os filmes de cinema são mergulhos muito profundos. Eu faço roteiro, direção, edição. Vira um filme e sai de mim, é um parto. O filme do Gianni faz 10 anos, até hoje quando assisto eu fico com um sorriso bobo na boca. É uma parte de mim.

 

Quais são seus próximos projetos?

Eu fui convidada para fazer um filme sobre a escritora Hilda Hilst, é um filme em primeira pessoa, com uma atriz que interpreta a escritora, mas a voz é da Hilda. Já terminei a gravação, agora estou em busca de patrocínio para fazer a edição.