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Crédito: Sammi Landweer
Crédito: Sammi Landweer


Vertentes de criação variadas e diferentes maneiras de assumir posições políticas marcam a produção teatral atual


Quais são as experiências que vêm renovando a criação dramatúrgica? Em 1995, a Revista E investigou essa questão na reportagem “A reflexão no teatro paulista hoje”, que fazia um balanço da produção da época, marcada por criadores como Antunes Filho, José Celso Martinez Corrêa e Antônio Araújo. Quase 20 anos depois, o teatro de experimentação mudou. Seja na esteira do trabalho das gerações anteriores ou buscando reviravoltas, uma nova geração emergiu, com diferentes propostas de dramaturgia.

Se há 20 anos o teatro vivia um momento no qual se destacavam figuras marcantes de encenadores, as décadas seguintes se mostraram multifacetadas. Segundo o professor da Escola de Teatro da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) José da Costa, algo que chama a atenção no teatro de experimentação contemporâneo é o apelo político. “É político na maneira de interagir com o espectador, na forma de tratar a vida comum e lidar com o real, evidenciando relações de poder, e não representando a realidade como justa ou injusta socialmente”, explica.

Para o professor, outra manifestação política é o autoquestionamento “do teatro pelo teatro”. Entre os exemplos, estão peças em que os atores interagem em uma ambiguidade na qual não é possível saber se estão ou não interpretando personagens ficcionais. Ele aponta também uma diferença entre a produção teatral carioca e a paulistana. Enquanto em São Paulo, devido à Lei Municipal de Fomento ao Teatro de 2002, os grupos são estimulados a realizar análises sociais e históricas, no Rio de Janeiro tem-se tratado mais de temas do cotidiano. “No Rio, por haver uma política cultural mais frágil, as pessoas acabam ficando mais soltas e têm trabalhado menos com uma análise do que simplesmente com uma maneira de estar no mundo e na vida”, compara.


Invenção coletiva

Quanto aos processos de elaboração, algumas vertentes sobressaem. Uma das mais fortes é a da criação colaborativa – quando atores, diretores, dramaturgos e outros membros de um grupo criam o espetáculo juntos. No entanto, há particularidades em relação ao teatro coletivo dos anos 1960 e 1970. “A partir dos anos 1990, você passa a ter coletivos que trabalham guardando as funções de diretores, dramaturgos e atores, mas colocando essas funções em atrito”, afirma o professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) Luiz Fernando Ramos. “Os processos criativos refletem isso, de um modo ou de outro”, completa ele, que observa uma “importação” desse modelo também para as universidades.

Ramos destaca também uma mudança no papel da universidade. “Havia um preconceito, como se ela fosse uma coisa e o teatro, outra”, recorda. “A geração dos últimos 20 anos trabalha no sentido oposto. Existe quase uma indistinção entre o processo de ensino e o processo de criação de seus grupos.”

Uma das companhias que têm raízes universitárias e participativas é a Cia. São Jorge de Variedades, projeto coletivo criado em 1998 por integrantes da Escola de Arte Dramática e da ECA-USP. O espetáculo Barafonda, encenado em 2011 nas ruas do bairro Barra Funda, em São Paulo, foi um dos que mais radicalizaram a ideia da colaboração. Sete atores da companhia criaram e dirigiram o espetáculo. “Fizemos a muitas mãos. Todos eram atores e diretores, toda a trajetória dramatúrgica foi discutida e havia material com as mais diversas inspirações”, detalha o ator Alexandre Krug.


Cada um com seu papel

Outra vertente que ganhou corpo a partir dos anos 2000 é a que busca formas de trabalho coletivo não na criação textual, mas agregando diferentes conhecimentos. Com o artista plástico Eduardo Climachauska na função de diretor de arte, o grupo Tablado de Arruar, de São Paulo, é um dos que trabalham dessa forma. O diretor e dramaturgo Alexandre Dal Farra acredita que a divisão de funções é importante para potencializar o trabalho de cada um. “Existe essa divisão por acreditarmos que cada um pode contribuir com o que é melhor”, conta ele.

Nada disso – maneira de lidar com o cotidiano, importância da universidade, criação colaborativa ou divisão de funções – é inteiramente novo, mas são elementos singulares do teatro contemporâneo, esclarece o professor José da Costa. Ela aponta também a importância e atualidade de grupos como o Teatro Oficina e Tá na Rua, fazendo lembrar que, independentemente da geração à qual os criadores pertencem, o teatro é feito de percursos, exercícios de linguagens e exploração das margens de invenção possíveis.



Espectro amplo

Conheça quatro espetáculos que carregam em seu DNA características da produção teatral recente


Barafonda, Cia. São Jorge de Variedades

Com 25 atores e quatro músicos em cena, Barafonda é um espetáculo itinerante que percorre as ruas da Barra Funda, em São Paulo, misturando a história do bairro às tragédias gregas Prometeu Acorrentado e As Bacantes. Coordenados pela também atriz Patrícia Gifford, os sete atores da companhia construíram a dramaturgia de modo coletivo, contemplando diferentes reflexões sobre o bairro. “No fim, foi necessário ter essas muitas mãos, porque quando há um diretor fixo, centralizado, ele acaba ficando sobrecarregado", constata o ator Alexandre Krug.


E Se Elas Fossem para Moscou, Cia. Vértice

A partir do texto As Três Irmãs, de Anton Tchekhov, a diretora Christiane Jatahy cria interseções entre teatro e cinema com a apresentação da peça em dois ambientes: no palco, em uma sala, e em uma tela de cinema, em outra sala. Apesar de já ter trabalhado a criação de forma colaborativa, nesta peça Christiane optou por um roteiro predefinido. “Além de eu ter tido muita clareza do que eu queria no cinema e no teatro, o fato de a peça partir de um texto preexistente já determinou muitas coisas. Comecei com as coisas definidas, mas me deixei transpassar pela sala de ensaio”, comenta a diretora.


Mateus, 10, Tablado de Arruar

Mateus, 10 parte de referências a Bartleby, o Escrivão, de Hermann Melville, e Crime e Castigo, de Dostoiévski, para criar uma trama que começa com um pastor obcecado pelo texto bíblico “Mateus, 10” e deseja formar uma doutrina própria. A peça demonstra como o grupo trata da política na arte. “Trabalhamos com a ideia de que o que é político na arte é, antes de tudo, a forma, e não o assunto. Ou seja, é como tratar determinado assunto e determinada personagem, e não tanto o que essa personagem significa ou o que a gente quer dizer com isso”, explica o dramaturgo Alexandre Dal Farra.


Ficção, Cia. Hiato

A partir de relatos biográficos de cada um dos atores são criadas instalações dramatúrgicas e cênicas que produzem um choque entre realidade e ficção. Centrados nas relações dos atores com seus familiares, são expostos depoimentos pessoais que se instalam em um espaço ficcional. “Cada um tem a sua função, mas todos participam muito da criação. Há textos que são quase impossíveis de serem lidos, porque são muito ligados à história dos atores”, conta o diretor e dramaturgo Leonardo Moreira. “O próprio fato de os atores terem o nome deles próprios nos espetáculos é um posicionamento político, mostrando que ele também é criador, e não um personagem.”



Mirada cênica

Festival Ibero-Americano de Artes Cênicas de Santos reúne espetáculos de 12 países


Entre os dias 4 e 13 de setembro, o Sesc São Paulo realiza a terceira edição do MIRADA – Festival Ibero-Americano de Artes Cênicas de Santos, com 41 espetáculos, intervenções artísticas, atividades formativas e programação especial para crianças. Além de ocupar as dependências do Sesc Santos, as atividades ocorrem em espaços como teatros, praças e parques, percorrendo ainda as cidades de Bertioga, Cubatão, Guarujá, Praia Grande, São Vicente e Peruíbe com apresentações para crianças.

A terceira edição pretende intensificar o diálogo do Brasil com outros 12 países da Ibero-América. “O objetivo é evidenciar a pluralidade de estéticas e as pesquisas nas artes cênicas dos países da América Latina, Portugal e Espanha, procurando discutir as identidades a partir de suas produções teatrais e abrindo espaços para o diálogo intercultural”, afirma o gerente do Sesc Santos, Luiz Ernesto Figueiredo.

O festival conta com três estreias de grupos nacionais: Cia. São Jorge de Variedades, de São Paulo, PH2, de São Paulo, e Clowns de Shakespeare, de Natal. Além disso, também está prevista uma exposição que será fruto de um processo artístico que acontecerá nos dias que precedem o evento. Trata-se do E.CO. – Encontro de Coletivos Fotográficos Ibero-americano, no qual 20 coletivos artísticos estarão reunidos para repensar a cidade visualmente e participar de uma programação de debates, apresentações e intervenções em espaços públicos.

Sob a coordenação do conselho diretivo do festival e com assistência da equipe técnica do Sesc, o Mirada conta também com a colaboração de agentes culturais de diferentes países para a construção da programação. “A elaboração do festival procura abrir espaço tanto para novos nomes e companhias ditas experimentais como para artistas consagrados e com trajetórias sólidas”, informa Figueiredo, que destaca o diálogo entre a tradição e a inovação. “Nos dez dias de programação, o público do litoral, acostumado a mirar o mar, mira sua própria cidade, cenário perfeito para o encontro, a reflexão e a confraternização entre povos por meio das artes cênicas.”