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Marco Antônio de Almeida

Crédito: Leila Fugii
Crédito: Leila Fugii

 
Sociólogo e professor da Universidade de São Paulo (USP), Marco Antônio de Almeida é doutor em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) na área de cultura e política. Sua pesquisa é voltada principalmente para as áreas de teoria social da comunicação e da informação; mediação e ação cultural; sociologia da cultura, sociabilidade e novas tecnologias; políticas culturais e da informação. Atualmente, é professor no curso de Ciências da Informação e Documentação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP-USP). Também é professor e orientador no programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Escola de Comunicações e Artes da USP. A seguir, os melhores trechos do depoimento de Almeida, no qual o especialista fala de políticas públicas culturais e das implicações da tecnologia na cultura.


Pesquisa em cultura

Minha formação é na área de Ciências Sociais. Fiz a graduação e o mestrado na Universidade de São Paulo (USP) mesmo, e o doutorado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). E na época em que cursei o mestrado, cultura era um tema que todo mundo achava bacana, mas com o qual não se queria necessariamente trabalhar. Havia outras prioridades dentro do campo das ciências sociais, que eram os movimentos sociais, as políticas públicas e o sindicalismo. Cultura era o que todos consideravam muito legal e importante, mas existiam outras coisas para serem estudadas. Então, era muito difícil estabelecer a cultura não só como um campo de reflexão, mas também como um campo de pesquisa.

Isso foi mudando nos anos 1990, principalmente. Houve um impulso grande internacionalmente em relação às temáticas da cultura e hoje ela se configura como um campo bastante interessante. Minha trajetória dentro dessa área foi trabalhar, de um lado, com literatura e cinema, que foram meus temas de mestrado e doutorado. Por outro lado, na mesma época trabalhei no instituto Polis, em São Paulo, onde se pesquisava sobre políticas públicas. Lá, pesquisei sobre políticas culturais.


Avanço da tecnologia

Oriento trabalhos e pesquiso na área de cultura, mas com uma conexão bastante forte com a questão tecnológica. A ideia é a de que a tecnologia é mais do que um artefato material, ela é, na verdade, um artefato social. Trata-se de uma perspectiva antropológica em relação à tecnologia. Não é tanto o que a tecnologia faz, mas o que nós fazemos com ela e o que ela nos permite fazer. A questão da tecnologia, me parece, vai além do domínio dos artefatos. Na verdade, os artefatos são a expressão material de relações sociais que estão por trás deles.

O que me interessa é como isso afeta, principalmente, a questão da cultura. Nesse sentido, há dois lados. Um lado é a própria produção cultural, ou seja, como os produtos culturais foram modificados pela tecnologia. O que é produzir música hoje? O que é produzir literatura? E outro lado está relacionado aos processos culturais, ou seja, como as pessoas se informam nesse contexto, como se apropriam, como elas também produzem e disseminam sua própria cultura.


Políticas públicas

A questão da política cultural está muito relacionada ao conceito de cultura que vai embutido nela. Antes, você tinha um conceito de cultura baseado no patrimônio, aquele conjunto de obras reconhecidas. E a política relacionada a esse conceito é de acesso, de disseminação, de fazer com que as pessoas tenham conhecimento dessa produção cultural. Também há o conceito de cultura relacionado com a perspectiva antropológica, a questão da identidade e das comunidades. Então, você tem políticas relacionadas à preservação desses modos de vida, ou de divulgação de valores, e um trabalho de convivência cultural das diferenças.

Há também uma abordagem mais recente, que trata da ideia da cultura como recurso que pode ser mobilizado para gerar renda, para gerar valor ou para constituir processos políticos de afirmação dos indivíduos. Hoje estamos em um momento em que a ideia de cultura como valor permeia várias políticas, que podem valorizar um lado mais emancipador, de maior empoderamento dos sujeitos, no sentido de que as pessoas possam viver de suas atividades culturais, ou podem transformar a cultura em mercadoria, transformá-la em algo que circula no mercado e que produz lucro.


O papel da universidade

Hoje temos muita gente trabalhando com a questão tecnológica. Existem autores, alguns com grande passagem pelo Brasil, como é o caso do Bruno Latour, do Pierre Lévy, do Manuel Castells, que estão se debruçando sobre essas questões tecnológicas. Na visão deles, com a qual concordo, estamos vivendo inflexões de processos anteriores e a constituição de novas coisas. A gente está vivendo em um mundo bastante dinâmico e, ao mesmo tempo, bastante complexo.

O que podemos fazer é tentar mapear esses acontecimentos e a maneira como estão emergindo. E sair um pouco de uma postura muito cômoda assumida pela universidade nos últimos tempos, que é a de ver a sociedade de longe. Acho que a gente tem de ter uma participação maior. Recentemente, tivemos uma crise grande na USP, uma greve, e isso serviu para balançar um pouco algumas certezas estabelecidas lá. Mas principalmente mostrar o hiato que a universidade construiu em relação à comunidade que a cerca.


“A questão da tecnologia, me parece, vai além do domínio dos artefatos. Na verdade, os artefatos são a expressão material de relações sociais que estão por trás deles.”


O sociólogo Marco Antônio de Almeida esteve presente na reunião do Conselho Editorial da Revista E no dia 18 de setembro de 2014