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Serviços inéditos, profissões inusitadas

Sereias “de verdade” nas férias escolares: um passeio e uma aula / Foto: Divulgação
Sereias “de verdade” nas férias escolares: um passeio e uma aula / Foto: Divulgação

Por: REGINA ABREU

Médico, engenheiro, advogado. Até há alguns anos, não era muito grande o leque de profissões que os pais sonhavam para os filhos, assim como as atividades escolhidas ou impingidas pelo mercado. Mas como na lei da oferta e da procura quem manda é a procura, com a complexidade da vida moderna surgiram profissões inusitadas. Por isso, serviços que economizam tempo e resolvem os problemas mais variados têm apresentado uma demanda crescente, e os trabalhos eventuais, os chamados “bicos”, feitos por amadores cresceram, viraram empresas e até, em muitos casos, deram origem a franquias.

Há demanda para todo tipo de produto e de serviço. No aniversário de vinte anos de casamento, o marido romântico queria surpreender a esposa. O casal morava numa chácara, não muito distante da cidade de São Paulo. No dia “D”, ele não chegou montado em um cavalo branco, como o príncipe encantado das histórias, mas de helicóptero. Sobrevoou a casa da família e jogou pétalas de rosas sobre ela. Desceu e convidou a esposa para um passeio; no helicóptero, à espera dos pombinhos, champanhe no gelo e petiscos. Já em São Paulo, enquanto almoçavam, profissionais corriam para terminar os últimos detalhes no apartamento de hotel onde se hospedariam, caprichando na decoração, idêntica à da cerimônia de casamento vinte anos atrás, até nos arranjos de flores e nas velas. E, sobre a cama, a “camisola do dia”...

Esse marido “especial” é cliente de Natália P. Bonavita e de Janine M. Closs, sócias da Due B Lifestyle & Concierge Management, empresa de eventos personalizados (concierge). Para quem não sabe, o conceito concierge é uma espécie de gênio que, com sua lâmpada mágica, realiza os pedidos mais malucos, uma das muitas profissões inusitadas surgidas com o modo de vida atual.

Há, entretanto, uma fonte inesgotável de desejos e necessidades. Como a da profissional que volta ao trabalho após a licença-maternidade. Nada do antigo guarda-roupa cabe em seu corpo, ela olha para o espelho e se acha gorda, horrorosa, um lixo. Ao mesmo tempo, o bebê lhe toma toda a atenção e ela não quer perder horas no shopping, andando, sem saber o que levar. “As pessoas nessas circunstâncias precisam entender que não há nada de errado com seus corpos, mas sim com a roupa”, diz a personal shopper Lilian Rossini, que também é personal stylist. Traduzindo: Lilian é uma consultora de moda que também faz e orienta compras de roupas, calçados e acessórios, tendo em mira, sempre, o melhor custo/benefício. Isso, tanto para renovar completamente o guarda-roupa quanto para ajudar a comprar, por exemplo, um vestido para uma festa especial, respeitando e avaliando o que realça cada aparência.

O personal shopper trabalha de acordo com a necessidade do cliente, seja uma executiva super ocupada, um homem que precisa se apresentar bem, mas nem faz ideia do que está na moda, ou uma adolescente que requer orientação, Lilian realiza várias atividades nessa linha, inclusive também como personal organizer (organizadora de armários e closets). Ela pode, se for o caso, ir à casa do cliente, fazer uma avaliação do guarda-roupa e ver o que ainda pode ser aproveitado, inclusive de um jeito que talvez o dono nunca tenha pensado. Depois, vai ao shopping, sozinha, pesquisa e deixa itens reservados em umas quatro lojas. Inclusive, conhece lojas que trabalham com tamanhos fora do padrão – muito grandes ou muito pequenos. Assim, dentro de um orçamento previamente estabelecido, leva o cliente diretamente ao estabelecimento onde selecionou as peças, ele experimenta e faz as compras.

Depois, Lilian volta à casa do cliente, ensina como guardar – quais peças dobrar, quais pendurar em cabides – e também o que pode ser lavado à máquina, ou à mão, qual roupa deve ser mandada para a lavanderia. E faz fotos dos novos looks – inclusive com os itens que já existiam –, e monta um book no computador. Assim, com relativamente poucas peças, a pessoa pode variar bastante, sempre com elegância e na última moda, adequada à ocasião e ao local, seja de trabalho, de festa ou de passeio.

Festas infantis

Agora, se a necessidade é outra, como, por exemplo, promover o entretenimento de trinta crianças ou mais numa festa de aniversário, a solução é apelar para outra profissão inusitada: a de animador de festas infantis. Eduardo Viveiros Braga Filho, formado em publicidade e propaganda, é coordenador da equipe de recreação da empresa Tchurminha Nossa, especializada em festas infantis e acampamentos. Eduardo já trabalhou em outras áreas, mas preferiu “evoluir seu lado criança”, como ele mesmo diz. Começou a se ocupar com animação, primeiro com amigos, depois, fez cursos de eventos e de monitoria, tanto para festas quanto para acampamentos. Quando volta para casa depois de uma temporada de acampamento com crianças, cai na cama e dorme dois dias seguidos. Animar festas infantis também exige preparo físico, porque é preciso acompanhar o pique das crianças.

Uma festa infantil, com duração média de quatro horas, pode ter como temática os super-heróis – Batman, Capitão América, Homem-Aranha, Homem de Ferro e o Incrível Hulk; personagens de desenhos como Frozen – uma animação que faz muito sucesso entre a criançada, e contos de fadas, como Branca de Neve ou Cinderela. Eduardo conta que a Tchurminha Nossa faz renovação de suas atrações a cada quatro meses. A ideia é manter o padrão, mas garantir que uma festa nunca seja igual à outra.

A equipe de recreação compreende o DJ, o recreador e o auxiliar. Todos se desdobram para conseguir a aprovação do público, exigentíssimo e absolutamente sincero: todo mundo sabe que, se uma criança não gosta de algo, diz isso logo, sem rodeios. Mas adoram ver Eduardo, um homenzarrão de quase dois metros de altura, pular, dançar e, trabalhando, se divertir tanto quanto elas.

Enquanto os filhos aproveitam a festa, os pais podem, por exemplo, tomar um cafezinho especial, preparado por baristas, talvez com latte art, que é o desenho feito com a espuma do leite sobre o café. As opções são muitas – pode ser, por exemplo, o café italiano, o coado, o expresso, o coado sob pressão (aeropress) ou o preparado pelo método chemex.

Annete Alves, barista no Sofá Café da Alameda Franca, em São Paulo, explica que seu trabalho não consiste apenas em ficar atrás da máquina e preparar a bebida: ela também precisa entender o meio cafeeiro, estudar a parte da torrefação – já que recebe os grãos crus –, torrar e fazer testes. Annete trabalha com café 100% arábica e variedade de grãos. A mistura dos grãos é que permite chegar a vários blends, como o de um café frutado ou achocolatado.

Quem imaginaria que fazer uma pausa para um cafezinho envolvesse tantos fatores e tanta tecnologia? E cursos também: o Sofá Café dá cursos para gastrônomos e leigos lidarem com as máquinas e desenvolve o projeto social Fazedores de Café, curso profissionalizante para jovens de baixa renda, que aprendem não somente como fazer a extração da bebida, mas toda a dinâmica que envolve os cafés especiais, da produção dos grãos à torra, entendendo o business de cafeteria. O mercado de trabalho, segundo Annete, tem boas perspectivas. Começou há apenas dez anos e mesmo hoje há apenas cinco cafeterias em São Paulo, muito pouco para clientes cada vez mais exigentes.

Qualificação profissional

Na realidade, as exigências aumentam em todas as áreas. Já não se tolera mais amadorismo e nada é mais irritante do que chamar um “faz tudo” para realizar um conserto em casa e descobrir que ele, na realidade, não faz nada. Contam que certa feita um homem desempregado, mas muito jeitoso, tinha o hábito de consertar tudo o que quebrava dentro de sua casa. A esposa, então, começou a divulgar as habilidades do marido, “alugando” suas qualidades, um “bico” enquanto não arrumava um emprego.

O negócio deu tão certo que virou atividade principal, empresa e franquia. Hoje, há dezenas de empresas e franqueadoras atuando na área. O “marido de aluguel” reúne sob a mesma denominação as funções de azulejista, eletricista, encanador, pedreiro, pintor. Faz todo tipo de consertos e instalações, como, por exemplo, chuveiros, coifas, cortinas, fogões, interfones, máquinas de lavar, varais, enfim, toda a manutenção ou reparo de que uma casa precisa. Uma das vantagens dessa modalidade de contratação é que o trabalho é cobrado por hora, com preço fixo e feito por profissionais treinados que resolvem tudo de uma vez só. Um alívio para quem não tem tempo nem paciência para enfrentar esses “pepinos”. Para se ter uma ideia do real crescimento desse tipo de atividade, basta lembrar o caso da Doutor Resolve, uma das franqueadoras. David Pinto, o proprietário, contou no programa de TV “Show Business”, apresentado por João Doria Jr., que em cinco anos de existência, a empresa – que começou graças ao dinheiro que o sogro emprestou – passou a R$ 400 milhões de faturamento anual.

Se todo mundo sabe o que é marido de aluguel, bem pouca gente conhece o designer instrucional, outra profissão criada a partir de uma carência moderna. As empresas corporativas e educacionais despertaram para a necessidade de treinamento e ensino que lhes garantam pessoas qualificadas. Mas como chamar a atenção dos participantes e conservar o interesse para um assunto que pode ser tedioso e maçante? É aí que entra o designer instrucional, um profissional que deixa os cursos e treinamentos à distância menos chatos, uma atividade que já faz parte da lista de funções pela Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) do Ministério do Trabalho e Emprego. De acordo com Michele Kasten, diretora do Instituto Brasileiro de Desenho Instrucional (IBDIN), que oferece cursos para quem quer atuar na área, esse profissional pode ser formado em administração, comunicação ou pedagogia, sendo o responsável por criar formas atrativas e efetivas de transmitir determinado conteúdo. Uma universidade ou empresa, por exemplo, pode pedir a esse especialista que pense em dinâmicas, jogos e vídeos que serão usados na sala de aula.

Casamento na Toscana

Um passeio e uma aula. É assim que pode ser definida uma ida ao Aquário de São Paulo, o maior da América Latina, onde o tanque gigante comporta um milhão de litros de água salgada. Nas últimas férias escolares, sereias “de verdade” fizeram um sucesso enorme entre as crianças: são moças devidamente caracterizadas que mergulham entre os peixinhos. Essa é, sem dúvida, uma profissão inusitada. Mas, “para não romper o encantamento e preservar o mistério, as ‘sereias’ são proibidas, por contrato, de dar entrevista”, informa Márcio Duarte, diretor de Marketing e Imprensa do Aquário de São Paulo. Lá mesmo, profissionais como oceanógrafos, biólogos e veterinários têm uma rotina bastante diferente dos colegas de profissão, e passam o dia cuidando de mais de 300 animais, uma grande diversidade de espécies em plena cidade de São Paulo: cobras, lagartos, lobos-marinhos, jacarés, lontras, macacos, morcegos, peixes-bois, pinguins, tamanduás entre outros.

Se as crianças ficam encantadas com sereias, adultos sonham com um casamento de conto de fadas. Natália e Janine, da Due B, citadas no início desta matéria, já tornaram realidade várias uniões conjugais fora do país. Elas cuidam de tudo, dos noivos, dos convidados, dos comes e bebes, da decoração e vão pessoalmente até o local – aliás, já realizaram eventos para pessoas físicas e corporações em Buenos Aires, Londres, Miami, Nova York, Paris, Punta del Este e várias cidades italianas. As empresárias citam como especial, todavia, um casamento na Toscana, na Itália, realizado num castelo na zona rural de Siena. Durante a festa, num domingo à noite, os convidados queriam porque queriam cigarros. Detalhe: na nação das massas, só italianos de nascimento (com documento que comprove) podem comprar cigarros. Agora, no meio do nada, num domingo à noite, tudo fechado... Mas as sócias conseguiram desempenhar a tarefa, para espanto e entusiasmo dos convidados: descobriram um italiano que se prontificou a ajudá-las e foram de carro pela estrada até achar uma loja de conveniência que por sorte estava aberta.

Pode não ter sido o caso dos pombinhos que se uniram naquele castelo distante, mas muita gente tem achado sua cara metade graças a um serviço que torna realidade o sonho de encontrar o par perfeito: o cupido profissional. Bancar o cupido não é exatamente uma novidade, pois na China e no Japão a figura do casamenteiro existe há dois mil anos. No Brasil, Santo Antônio é popular entre as moças que não querem ficar para titia, e até para muito marmanjo, louco para assentar a cabeça e tomar rumo na vida. A tecnologia e a profissionalização estão aí para garantir o sucesso da empreitada: para dar uma mãozinha ao santo, provando que achar a cara metade não é fácil, mas ninguém perde a esperança, um grande número de sites de relacionamento promete o par ideal ao alcance de um clique. É que a dificuldade para encontrar uma namorada, seja por falta de tempo, timidez ou outro motivo qualquer, popularizou esse serviço, que, por meio do cruzamento de dados dos perfis cadastrados indicam a parceria ideal.

Para quem prefere um tratamento mais diferenciado e tem dinheiro para tanto, existem as agências de casamento. Elas atendem um grupo de pessoas com alto poder aquisitivo que têm procurado essa ajuda, chamada pelo sugestivo nome de heart hunter (caçador de coração). Profissionais especializados oferecem o trabalho, um tipo de assessoria que usa fundamentos psicológicos, para homens e mulheres que estão sozinhos e têm dificuldade para relacionamento. Numa dessas agências, a Eclipse Love, são mantidos os registros dos seus agenciados: todos os candidatos passam por uma entrevista pessoal, uma avaliação do histórico amoroso e também são submetidos a um acompanhamento que promete descobrir as próprias falhas e prepará-los para a próxima relação.

Cláudya Toledo, dona da A2 Encontros, outra dessas agências, e que, segundo ela, é a maior do Brasil, escreveu o livro Eles São Simples, Elas São Complexas, dando conselhos e dicas para paqueras bem sucedidas. Afinal, assunto não falta, muito menos gente interessada.

 


 

Bons negócios

Não são apenas profissões inusitadas que surgem a cada dia, mas também maneiras diferentes de conseguir trabalho. Uma delas é a iniciativa que algumas empresas estão adotando: a seleção de candidatos pela internet. Mas, ao invés do candidato mandar seu currículo digitado, faz um vídeo (que não deve exceder cinco minutos, o ideal é que tenha dois), onde ele conta o que sabe, sua experiência profissional, seu objetivo e o porquê de estar concorrendo àquela vaga; acrescenta seus contatos e pronto. Rápido, prático e barato – para ele e para a empresa.

Outro exemplo de como conseguir trabalho pela internet é usar plataformas virtuais que possibilitam a realização de trabalhos eventuais e que podem aumentar a renda. Usando o serviço dessas plataformas, qualquer pessoa pode ganhar algum dinheiro realizando atividades como alugar seu carro, seus vestidos ou sua casa; levar cachorros para passear, responder pesquisas ou dar uma aula. O ganho de quem negocia com esse tipo de plataforma pode ser alto. Durante a Copa do Mundo, nos meses de junho e julho deste ano, os anfitriões que usaram a plataforma norte-americana Airbnb para encontrar interessados em alugar seu imóvel no Rio de Janeiro receberam, em média, US$ 4 mil por mês.

Há muitas possibilidades de oferecer serviços através de plataformas virtuais. Eis alguns exemplos:

• Rent a Local Friend – levar turistas para passear, fazer piqueniques ou visitar museus, de acordo com a preferência do cliente. O anfitrião define seu preço e recebe 70% dele.

• PiniOn – responder pesquisas ou atuar como cliente oculto em lojas e assim avaliar o atendimento, estoque e funcionamento.

• PetHub – qualquer pessoa pode hospedar um cão em sua casa enquanto os donos viajam (os cuidadores ficam com 85% da diária).

• GoWalk – levar cães para passear. O site encontra, para quem tem um cachorro, um passeador nas redondezas; o site fica com 10% da transação.

• Armário Compartilhado – esta empresa mineira tem um guarda-roupa em que interessados podem deixar vestidos de festa para aluguel; o dono da peça recebe 35% do valor.

• Fleety – sistema pelo qual é possível compartilhar seu carro; a empresa fica com 20% do valor.

• Get Out, Cinese e Easy Aula – plataformas permitem que se criem aulas, passeios e outros eventos sobre temas de interesse, ficando com cerca de 20% das vendas.