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Mulheres: 40 graus à sombra

Ilustração: Eron Silva
Ilustração: Eron Silva

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OSVALDO GONÇALVES DA SILVA

RESENHA:

Não é um tratado de psicanálise nem um estudo filosófico, mas uma reflexão de mulheres que entraram nos “enta” e, portanto, sentem na própria carne o sufoco do espaço que lhes resta entre a juventude e a velhice, com suas angústias e conflitos, sua solidão, o amor, a paixão, o envelhecimento. Esta é a idéia central que nos passa a leitura de “MULHERES, 40 GRAUS ÀSOMBRA” de Maria Lúcia da Cruz Pereira, Regina Maria Carneiro Leão de Barros Pimentel e Mariana Coutinho de Oliveira Fontes - Editora Objetiva - Rio de Janeiro, 1994.

Questões como: por que a mulher é mais cobrada, mais vigiada, mais exigida, mais reprimida, ou por que é sempre vista com desconfiança e intolerância por parte dos homens e... das próprias mulheres são respondidas a partir de análises que descem à raiz dos problemas que as motivam. Ou seja, asautoras, três psicanalistas talentosas e experientes, descrevem e interpretam para os leitores e, sobretudo, para as leitoras os passos e percalços de toda essa crise que ronda e envolve a mulher, ao atingir os 40 anos.

Apoiada em depoimentos extraídos de exaustivas entrevistas com intelectuais, artistas, jornalistas, publicitários, empresários, sociólogos, gente criativa e famosa, a obra explicita conceitos e revela um mundo cheio de dilemas e, ao mesmo tempo, de possibilidades na escolha de caminhos para continuar a trajetória da vida.

Situações angustiantes, próprias desse momento, como a sensação de vazio, a consciência da morte e, principalmente, a não aceitação das mudanças que se operam em todos os níveis, despertam uma série de indagações cuja resposta exige urgente revisão de valores. É claro que tudo isso gera grande desconforto e abala profundamente a confiança e segurança da mulher, após os 40.

Talvez esse período de incertezas seja o maior desafio. Trabalhar dentro dos limites impostos pela idade e no ritmo mais pausado do organismo que a essa altura já passou por várias transformações faz parte da estratégia para superar o medo de uma transição inevitável. Sem dúvida, a tendência é conservar tudo que constitui a história de cada uma e fazer do passado um tempo presente imutável. Mas a lei da morte é a inércia, a lei da vida é a mudança. A importância da crise está justamente na sua capacidade de provocar o desequilíbrio para nos obrigar a lançar mão de outras maneiras de lidar com a realidade.

O grande fantasma, porém, dessa fase da vida é a menopausa que até hoje é vivida como um estigma, atormentando as mulheres, mesmo depois de tantas conquistas sociais e profissionais. O impacto da menopausa no comportamento sexual da mulher é imprevisível. Possivelmente esteja relacionado com o estilo de vida anterior. Há mulheres, por exemplo, que justificam seu desinteresse pelo sexo, refugiando-se nos supostos incômodos da menopausa. Outras, ao contrário, são capazes de experimentar um prazer ainda maior. Mas, apesar de ter enfrentado inúmeras lutas na faixa etária anterior, a mulher se sente agora em desvantagem, com menos competência, principalmente em relação às mais jovens.

As autoras chamam também a atenção para outro aspecto muito importante: a solidão. Apesar de atingir a ambos os sexos e em qualquer idade, tem significado especial na maturidade, isto é, talvez a travessia pela experiência da solidão seja fundamental para o redimensionamento do sentido da vida depois dos 40.

Seja como for, este pode ser o momento da grande virada, mas, até para que isso aconteça, a mulher tem que se voltar mais para si, sem, contudo, se fechar em seu egoísmo, mas para se redescobrir, se reencontrar e reconstruir seu espaço social. Em outras palavras, seu esforço deve ter um sentido libertário.

Alternativas não faltam para a conquista desse objetivo. Há várias direções possíveis, mas sem setas indicativas. Entregar-se a alguma atividade pode ser um fator importante como parte de um projeto pessoal mais amplo, onde se priorize a criatividade, a persistência e a flexibilidade.

Outra passagem interessante do livro é a reflexão sobre a crise da masculinidade com a emergência do feminino na sociedade contemporânea. Emergência que pode levar a mulher a 40 graus à sombra, com direito a todas as suas fantasias, à plenitude de suas paixões.

Enfim, através de artifícios literários bastante oportunos, as autoras expõem e tocam os sentimentos mais profundos da mulher em diferentes situações que a vida as coloca depois dos 40. Neste sentido, didaticamente, cita exemplos de personagens de filmes e romances que, depois de passarem por momentos difíceis e dramáticos, encontraram saídas honrosas e prazerosas. O livro é, realmente, um mergulho no mistério que envolve o corpo e a alma feminina. Sob esse aspecto, é algo fascinante, surpreendente e chega a emocionar.

PEREIRA, Maria Lúcia da Cruz; PIMENTEL, Regina Maria Carneiro Leão de Barros; FONTES, Mariana Coutinho de Oliveira. Mulheres: 40 graus à sombra. Objetiva Editora, Rio de Janeiro, 1994.