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Criança e televisão: uma relação complexa

Por mais que se discuta criança e televisão, esse é um tema que nunca se esgota, pois é uma relação bastante complexa e suscita diferentes olhares. Do ponto de vista da criança, poderíamos abordar a televisão a partir de seus programas preferidos, seus gostos e repertórios televisivos, seu tempo de televisão em sua “dieta midiática”, as brincadeiras que inspira, os imaginários que oferece, e também as inseguranças que promove, sobretudo quando assiste a algo além de sua capacidade de compreensão e discernimento sem ter alguém que lhe ajude a entender o fluxo realidade-fantasia que alterna desenhos animados, variedades, notícias, publicidade etc. Do lado do adulto, poderíamos problematizar o quanto ele sabe sobre o que suas crianças assistem na televisão, e o quanto conversa com elas a esse respeito, bem como o quanto usa a televisão para “distrair” as crianças ou preencher seu tempo livre. Do ponto de vista da produção televisiva, poderíamos perguntar: como ela trata as crianças? O que oferece para assistir? Que tipos de programas são feitos pensando na especificidade e na singularidade do ser criança?

Perguntas que nos levam a pensar sobre o lugar da criança na sociedade, na mídia e nas relações “lúdicas e reais” que a televisão promove. Afinal, além de distração e entretenimento, a televisão propicia diversas formas de aprendizagens informais, de socialização e de pertencimento social e cultural e também de estímulo ao consumo. E essa reflexão sobre as “influências” e os riscos que a publicidade e certos programas podem causar às crianças remete à discussão sobre a ética e a estética daquilo que é oferecido às crianças na televisão e as condições da criança como sujeito de direitos e espectador crítico nesse processo de produção e consumo midiático.

Hoje, para a maior parte das crianças, assistir à TV representa uma atividade a mais da vida cotidiana, assim como comer, dormir, brincar, navegar na internet, ir à escola. Diversos estudos mostram o quanto as crianças aprendem e se socializam por meio dessas atividades espontâneas de observação, interação direta com pessoas reais, mas também com os personagens que ganham vida na diversidade dos programas televisivos. E isso pode ser preocupante se considerarmos que grande parte das famílias prefere deixar suas crianças em frente à televisão em vez de oferecer outras atividades lúdicas em espaços junto à natureza ou até mesmo de conversar sobre o que assistem.

Isso revela que na relação criança-televisão, a criança é vista pelo adulto de uma forma paradoxal: por um lado os pais subestimam a capacidade de compreensão das crianças pequenas para entender situações complexas e por outro, se maravilham com certas afirmações das crianças maiores demonstrando suas competências, superestimando o que elas realmente são capazes de fazer.

Esse modo de ver as crianças se revela também na interpretação do papel da televisão e sua presença na vida das crianças: se pensa que antes dos 6 anos não teria problema com o que a criança assiste pois “a criança não entende” e depois também não teria problema pois “a criança entende tudo”. E sabemos que não é bem assim.

É importante assumirmos as responsabilidades sobre os programas que as crianças assistem, visto que isso pode se configurar como um problema social, político e cultural, além de jurídico, no sentido de assegurar os direitos da infância em relação à mídia: proteção, provisão e participação. Essa questão diz respeito a uma co-responsabilidade que implica a todos nós, inclusive a quem realiza os programas, a quem exibe, e a quem permite que as crianças assistam. Num mundo de fronteiras cada vez mais fluidas entre público e privado, por vezes a proteção parece ser atribuição apenas do espaço privado, doméstico e familiar. No entanto, essa questão também diz respeito a outros âmbitos, sendo necessário discutir a provisão e as qualidades que os programas para crianças devem ter para que possamos fazer nossas escolhas de modo consciente e mediar o direito de participação.

Nesse sentido, muitas são as perguntas sobre os programas de televisão que poderiam ajudar tanto os produtores quanto pais e professores: Há preocupação com a faixa etária e condição de infância? Faz a criança se sentir bem? Fala com a criança de forma inteligente? Preocupa-se com as diferentes formas de organização familiar, perfil sociocultural e comportamentos das crianças? Transmite segurança, auto-confiança e esperança? Encoraja a atitude autônoma das crianças? Estimula a ajuda aos outros? Mostra e celebra o entendimento e o respeito às diferenças? Estimula pensamentos positivos, solidariedade, respeito à natureza, consumo responsável, não-violência? Há aventura, fantasia e bom humor? Há exploração de imagens desnecessárias? Mostra possibilidades para mudar o mundo ou para se conformar com ele? Apresenta solução aos problemas, ainda que fantasiosas? Que valores e identificações permite na construção do caráter?

Perguntas que nos levam a pensar que qualquer programa de TV pode ser educativo, pois educativo é o processo que se estabelece a partir da interação que as produções televisivas propiciam, é a conversa, a fruição, a reflexão e as sensibilidades tocadas que podem construir a compreensão sobre o que se vê, sente e compartilha nessa complexa relação.

Monica Fantin é doutora em Educação, Professora da Universidade Federal de Santa Catarina e Líder do grupo de pesquisa Núcleo Infância, Comunicação, Cultura e Arte, UFSC, CNPq.