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Celeiro de grandes negócios

O Boticário: retrato do sucesso das franquias no Brasil / Foto: Christian Tragni/Folhapress
O Boticário: retrato do sucesso das franquias no Brasil / Foto: Christian Tragni/Folhapress

Por: MIGUEL NÍTOLO

A criação, ou, pelo menos, o formato tal qual o conhecemos hoje, é made in USA, assim como outras novidades do gênero, a exemplo de autosserviços, lojas de conveniência e shoppings centers. Nos Estados Unidos ele avança a passos de gigante, uma caminhada que vem de meados do século 19, quando a Singer Sewing Machine Company, fabricante de máquinas de costura, teria abraçado a ideia com o propósito de aumentar suas vendas. No Brasil o negócio chegou há poucas décadas, e contrariando o ceticismo dos primeiros tempos, emplacou. A licença de uso de marcas e patentes, envolvendo a infraestrutura e o direito de distribuição de produtos, encontrou aqui solo fértil para crescer, transformando o país no terceiro maior mercado de franchising do planeta em número de marcas, atrás da China e Coreia do Sul segundo o ranking do World Franchise Council (Conselho Mundial de Franquias), entidade americana que estimula a compreensão internacional, a proteção e a promoção do setor nos quatro cantos do planeta. Na realidade, a franquia, tradução ao pé da letra de franchising, parece ter nascido em território brasileiro tal a popularidade e a atração que exerce sobre empreendedores de todas as idades e regiões do país.

Veja-se o exemplo do alagoano David Braga, de apenas 13 anos, que montou uma startup dedicada à compra de material escolar por meio de um sistema de busca que aponta para os usuários as melhores opções de preços entre as empresas fornecedoras cadastradas, cobrando pelo serviço um pequeno percentual sobre o valor da transação. A List-in, o nome da empresa de David, que ele toca em parceria com dois sócios, ambos maiores (um é programador, outro é designer), fechou 2014 com milhares de formulários preenchidos e com a expectativa de continuar avançando no mercado graças ao inusitado de sua proposta de trabalho. Startup, para quem não sabe, é o nome que se dá a um modelo de negócio, geralmente inovador, que opera em condições de extrema incerteza.

No caso da companhia de David, os resultados até agora colhidos mostram, ao contrário, que há muita certeza e se está diante de uma investida fadada ao sucesso, ainda mais que, conforme depoimento do empresário-mirim, a franquia faz parte dos planos de expansão da List-in. É preciso dizer que o amadurecimento comercial de David se deve, em boa dose, às atividades exercidas por seus pais. A mãe, dona de uma papelaria, ajudou a concretizar o negócio com a sua experiência na área, e o pai, do ramo de investimentos (segundo a revista “Franquia & Negócios”, ele é investidor-anjo, ou seja, coloca dinheiro na viabilização de empresas startups), contribuiu para tornar realidade o sonho do filho.

O fato é que a franquia caminha de vento em popa no Brasil. Segundo a Associação Brasileira de Franchising (ABF), o setor fechou 2013 (ainda não há números de seu desempenho em 2014) com 2.703 redes, 114.409 unidades franqueadas e R$ 115,5 bilhões de faturamento. De acordo com a ABF, 277 novas franquias se estabeleceram no país apenas naquele ano, despontando entre elas, a Le Coq Sportif, Malwee, Santos na Área e Academia Store (do ramo de vestuário); Açaí Raiz, Kappa Gourmet, Pão to Go e Stuppendo (alimentação); Loja das Torcidas (casa e construção) e Walking Party (entretenimento, brinquedo e lazer).

A verdade é que esses empreendimentos, que podem ter dado seus primeiros passos anos atrás, por meio da expansão física da Yázigi, rede de escola de inglês, contabilizam um expressivo desempenho em relação ao comportamento de anos anteriores. Em 2003, portanto, há 12 anos, operavam no país 68 redes e 65.564 unidades franqueadas, arcabouço que permitiu, no período, a abertura de 509 vagas e o faturamento de R$ 29 bilhões, quatro vezes menos que o montante auferido em 2013. Fundada por Fernando Silva e César Yázigi, nos anos 1950, o Yázigi deu vida a uma rede de escolas que, com 4.500 colaboradores, soma, atualmente, em todo o Brasil, 420 unidades onde estudam, todos os anos, 200 mil alunos.

Produtos de beleza

O segmento capitaneado pela ABF, que se expande ininterruptamente há mais de uma década, pode ter crescido 10% em 2014, ampliando as redes em 8%. E, garante a entidade, ainda tem fôlego para continuar em acelerada ampliação até 2020 – tomando por base o fato de que o potencial do mercado para esse tipo de investimento no país ainda está longe de ser atingido. “Em 2013, superamos pela primeira vez os Estados Unidos em número de marcas”, pontifica Ricardo Camargo, diretor executivo da ABF. Ele conta que das marcas em atividade no Brasil, 92,4% são genuinamente brasileiras, um dado que serve para atestar a força alcançada pelo franchising em território brasileiro. “Estamos orgulhosos por contribuir não apenas com a geração de muitos empregos diretos, mas, também, pela excelência na prestação dos serviços bem como a qualidade dos produtos que entregamos à sociedade”, destaca Cristina Franco, presidente da ABF.

De acordo com o Conselho Mundial de Franquias, o Brasil é o 6º colocado em escala global por unidades franqueadas, ranking que é liderado pelos Estados Unidos, seguido por China, Coreia do Sul, Japão e Filipinas, pela ordem de classificação. “O franchising é um setor da economia que cresce sólida e constantemente”, afirma Cristina Franco. Ela diz que se orgulha de estar à frente de um setor que contribui com a geração de mais de um milhão de empregos diretos.

Dos numerosos setores que integram a franquia nacional, o segmento que apresenta melhor resultado no quesito faturamento é o de Esporte, Saúde, Beleza e Lazer, expansão que decorre, principalmente, do acentuado incremento no consumo de produtos ligados à beleza e aos cosméticos. Conforme a Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (ABIHPEC), em 2013 o Brasil ocupou o 2º lugar na classificação mundial desse ramo de negócios. Naquele ano, o franchising nacional viu o segmento crescer com o ingresso no mercado de 73 novas marcas (entre elas a Body Concept, a Essencial Care e a Nagis Health), empresas que chegaram para disputar o mercado com as campeãs em faturamento da área: O Boticário, Ri Happy/PbKids, Farmais, Óticas Diniz e Igui Piscinas. Não é demais lembrar que a rede Empório Body Store, do ramo de cosméticos, repassou 51% de seu capital para a The Body Shop, da L’Oréal, multinacional de capital francês pontuada entre as maiores do mundo no setor de beleza com um portfólio de 28 marcas internacionais. Fundado em 1997 e com fábrica própria em Porto Alegre, o Body Store tem mais de uma centena de pontos franqueados no país.

A indústria brasileira de cosméticos cresce como um bolo carregado de fermento. Com um faturamento de US$ 48,7 bilhões em 2013, o mercado local desbancou o Japão do terceiro lugar no ranking que mede o consumo de produtos de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos, ficando atrás apenas do chinês e do americano, uma particularidade que tem estimulado o desembarque no país de marcas ainda não presentes aqui.

Ensino de idiomas

O segmento de Hotelaria e Turismo também faz bonito. Dados do Instituto Brasileiro de Turismo (Embratur) mostram que o Brasil vem recebendo milhões de visitantes estrangeiros por conta, em parte, de grandes eventos, como a Copa das Confederações, a Fórmula 1, a Jornada Mundial da Juventude e o Rock in Rio, em 2013, e a Copa do Mundo, em 2014. O turismo interno também tem dado sua cota de colaboração, considerando que o brasileiro está viajando mais, e agora não só carro e ônibus, mas, também, de avião. Todas as redes franqueadas do segmento saíram ganhando, mas o destaque ficou com a Flytour, TAM Viagens, Accor Hospitality, CI – Central de Intercâmbio e Marsans.

Acessórios Pessoais e Calçados, um segmento importante do franchising e em constante evolução, refletindo a expansão de marcas conhecidas, como Arezzo, Carmen Steffens, Havaianas e World Tennis, experimenta, na mesma proporção, incremento no volume de negócios. A ABF explica que o ramo empresarial é fortemente impactado pela entrada das mulheres no mercado de trabalho. Estatística divulgada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) mostra que elas já respondem no Brasil por 49,3% da força operacional. Há outro fator que pesa no caixa do segmento: a mulher investe mais na aparência pessoal do que o homem.

Na mesma toada estão as empresas franqueadas do ramo de Alimentação; Educação e Treinamento; Comunicação, Informática e Eletrônicos. A expansão do food service é um fato inquestionável: pesquisas revelam que mais de 30% das despesas com alimentação pelas famílias brasileiras é feito fora de casa, um alento para as grandes redes, como Bob’s, McDonald’s, Habib’s e Subway. De acordo com a ABF, o aumento da procura pelo ensino de idiomas e pelos cursos profissionalizantes, explicam, por outro lado, o avanço do segmento de Educação e Treinamento. “A expectativa é que o gasto com educação particular no Brasil continue crescendo”, salienta a assessoria de imprensa da ABF. É possível que em 2014 os brasileiros tenham desembolsado cerca de R$ 72 bilhões com a educação. Nos últimos dez anos, esse gasto mais que dobrou, retratando uma tendência que deve se manter em evidência.

Já os negócios na área de Comunicação, Informática e Eletrônicos têm sido estimulados pelo aumento do número de linhas telefônicas e pelas vendas de smartphones e de tablets, mercado que estimula a criação de negócios nos campos da prestação de serviços e da oferta de produtos e acessórios. Estimativas dizem que o Brasil pode ter fechado 2014, com 41 milhões de usuários de smartphones, resultado superior em 36% ao número de 2013. Também mostra que em 2017 eles serão mais de 70 milhões. E, já em 2016, especula-se, o país terá se transformado no quarto maior mercado mundial do equipamento (hoje é o 10º). A história não é diferente com os tablets, que, a exemplo dos smartphones, se popularizam rapidamente no país. Até setembro de 2014, eles respondiam por 47,7% do comércio de computadores contra 33,1% dos notebooks e 19,1% dos PCs, e a venda do aparelho havia alcançado a marca de 6,4 milhões de unidades apenas nos primeiros nove meses do ano, um aumento de 20% em relação ao mesmo período de 2013.

Raízes profundas

O franchising ainda agrupa uma série de outros segmentos que também estão dando passos largos no mercado a despeito da crise que se abateu sobre as finanças nacionais, tais como, Casa e Construção; Vestuário; Veículos; Limpeza e Conservação; Negócios, Serviços e Outros Varejos. A franquia fincou com tamanha profundidade suas raízes na economia brasileira que, hoje, marca presença em basicamente todo o território nacional, das regiões mais remotas aos grandes centros urbanos. A ABF informa que há uma grande concentração de franquias na região sudeste, que responde por 58,7% das unidades em operação. Também esclarece que as redes têm investido mais no interior e fora do eixo Rio-São Paulo, historicamente os lugares mais procurados pelo empresariado. A expansão do setor, na realidade, se processa em todos os horizontes, tanto que o sul participa com 14,5% dos pontos comerciais (o mesmo percentual do nordeste), o centro-oeste com 8% e o norte com 4,3%.

A excelente posição do nordeste no total de unidades em funcionamento no país se deve à presença de mais de 70 shoppings centers na região, centros de compras que têm servido de abrigo para boa parte dos estabelecimentos que operam pelo sistema de franquia. “Por meio de parcerias com a administração pública, o Sebrae [Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas] e os shopping centers, a ABF tem divulgado o potencial de negócios dessas regiões e incentivado as redes a aproveitarem tais oportunidades”, realça o diretor executivo Camargo, esclarecendo que o franchising é responsável, hoje, por levar marcas e serviços para o interior do Brasil, com forte abrangência e capilaridade. A entidade destaca que a franquia está presente em todos os municípios brasileiros com mais de 40 mil habitantes.

A franquia atende uma clientela diversificada, e esse é o segredo de seu êxito, além, é claro, das formalidades que pautam sua concepção e funcionamento. O universo de opções para investimento é amplo e vai além dos tradicionais fast foods, a face mais visível do franchising, hoje abrangendo segmentos e produtos até tempos atrás fora do alcance dessa modalidade comercial, como, por exemplo, almofadas, bolos caseiros, coletores de lixo, contabilidade, delivery de chope, entrega expressa, escolas de dança, especiarias, floricultura e padarias. É incessante a procura por novos filões de mercado, e na alça de mira estão consumidores de praticamente todas as idades e toda espécie de necessidade.

É justamente essa condição de guarda-chuva, capaz de abrigar um número ilimitado de marcas e produtos, que faz da franquia um negócio tentador. Em recente depoimento, Cristina Franco observou que o franchising é sempre um bom investimento: quando o momento econômico é de otimismo, ele se revela uma excelente aplicação. Quando é o pior dos mundos (desemprego e falta de perspectiva profissional, entre outros fatores negativos), se mostra uma boa alternativa, o que representa dizer que na bonança e na dificuldade, o sistema é sempre uma boa “pedida”.

É por essas e outras que a psicóloga Monica Toniolo, de Pompeia, interior de São Paulo, não titubeou ante a possibilidade de colocar dinheiro numa unidade da Supera, empresa de franquia fundada há apenas 8 anos e com 130 pontos em todo o país. Maior rede de escolas de ginástica para o cérebro da América Latina, a franqueadora oferece curso para o desenvolvimento de uma mente saudável, aumentando o poder de concentração, raciocínio, memória e criatividade. O resultado é maior autoestima e qualidade de vida.

 


 

De malas prontas para o exterior

Gradativamente, as franquias brasileiras estão se internacionalizando, mas ainda há muito espaço para crescer fora do país. A informação, da publicação bienal Estágios da Internacionalização das Franquias Brasileiras, editada pela Associação Brasileira de Franquia em parceria com a Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), retrata uma realidade que começa a mudar a cara do franchising verde--amarelo: a procura por parceiros de outros quadrantes tradicionalmente assediados por marcas estrangeiras, especialmente americanas. Sabe-se que até agora 105 franquias brasileiras estão presentes no exterior com negócios em 45 nações (número de junho de 2014), um crescimento de 62% em relação a 2010. Portugal, com 38 franquias, é o mercado internacional preferido pelas empresas do Brasil, seguido pelos Estados Unidos, com 33, e o Paraguai, com 29. No caso do mercado estadunidense, o interesse tem, por ora, recaído sobre Miami, importante cidade do estado da Flórida e onde moram mais de 200 mil brasileiros.