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“Se você vir a vida, diz que eu mandei lembranças”

Fotos: Rafael Escócio
Fotos: Rafael Escócio

Grupo Bagaceira de Teatro (CE) estreia "Lesados" no Sesc Pinheiros, espetáculo carregado de humor ácido e existencial. Leia entrevista com o autor Rafael Martins

As ausências de falas e os silêncios iniciais de Lesados dizem muito. Uma mulher bate o cartão ininterruptamente e se curva frente a um interlocutor imaginário. Próximo a ela, um sujeito consulta o tempo e abre o guarda-chuva insistentemente. Entre os dois, um homem tenta fazer um velho rádio funcionar, enquanto outro alguém só faz é tirar fotos. Todos estão sob a escuridão, enraizados em lugares dos quais temem sair.

A história contada neste espetáculo que o Grupo Bagaceira de Teatro (CE) encena de 8/1 a 14/2 no Auditório do Sesc Pinheiros talvez não seja, bem, uma história. Isto porque diversos acontecimentos se desdobram em cena, mas muito provavelmente você, espectador, não os considerará relevantes.

“Em Lesados, tudo o que existe são as tentativas e desistências destas quatro figuras, tão absurdas e tão reais. Tudo se desfaz, tudo fracassa antes mesmo de acontecer, da forma mais patética possível”, conta Rafael Martins, dramaturgo e membro fundador do Grupo Bagaceira. Carregada de humor ácido e existencial, a ação se mostra em outro plano para o público: “Por dentro dessas quatro figuras, aí sim, muita coisa se passa. As sensações e a vertigem existencial são a essência do espetáculo”, explica o autor.
 


A todo momento, os personagens de Lesados flertam com um porvir melhor, mas não têm coragem de encará-lo. Esta apatia é acentuada em declarações como:

– Quem vai, chega. Como? Não sei, mas chega.
– Para onde eu vou? Pra frente, mas pra frente até onde?
– Por é que a gente não fica parado? Para não ficar parado, oras!
– Se você vir a vida, diz que eu mandei lembranças.

Assistindo ao espetáculo, a identificação com estes questionamentos não se dá à toa. “O sentido da existência (ou a ausência dele) acompanha o ser humano no trabalho, na política, na arte, em tudo. Por que existo? Há diversas maneiras de vivenciar essa questão: raciocinando, sentindo, orando, intuindo... Mas não há respostas absolutas, então cada um responde ao seu modo, com a sua postura perante o mundo. Queiramos ou não, toda ação é um posicionamento existencial. E não agir também é”, coloca o dramaturgo.

As apresentações de Lesados marcam o início das comemorações do Grupo Bagaceira pelos seus 15 anos de estrada. Formada em Fortaleza em 2000 – tendo o autor, artista plástico, figurinista e cenógrafo Yuri Yamamoto como diretor –, a companhia possui 14 espetáculos e mais de 20 esquetes em seu repertório, contabilizando cerca de 800 apresentações. A peça guarda um espaço especial nesta trajetória: foi o primeiro texto de longa duração do grupo, que em seus anos iniciais vivia familiarizado com cenas curtas e processos breves de criação.

Lesados consolidou a inquietude, a disponibilidade que nós temos para correr riscos. Fomos muito bem recompensados por isso. Logo após a estreia, a peça abriu questionamentos sobre os rumos do teatro nordestino e inseriu o Bagaceira no circuito nacional, alavancando a trajetória do grupo. Até hoje, onze anos depois, o espetáculo permanece em atividade a todo vapor e disputa espaço na agenda com nossas peças mais recentes”, lembra Martins. Cabe lembrar que a temporada no Sesc Pinheiros representa a oportunidade de pela primeira vez assistir ao espetáculo em São Paulo.