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A arte da narrativa dramática

Roteirista de audiovisual graduado em Língua e Literatura Portuguesa pela PUC de São Paulo e com pós-graduação em Roteiro Cinematográfico pela Universidade Autônoma de Madri, Bráulio Mantovani começou sua carreira fazendo roteiros para teatro.

Viveu em Nova Iorque por dois anos, onde trabalhou como assistente de produção e de direção do polonês Zbig Rybczynski e, de volta ao Brasil, foi roteirista dos longas-metragens Cidade de Deus e Tropa de Elite; Também é autor da série de TV A Teia, em parceria com Carolina Kotscho.

 

Como decidiu trabalhar com cinema?
Comecei, na verdade, no teatro. Fazia parte de um grupo de teatro amador lá no ABC, que era bastante engajado. Havia alguns jornalistas no grupo e, nessa época, ainda período da ditadura, muitos deles estavam desempregados. Eu gostava de ler e escrever e cheguei a pensar em fazer Jornalismo, mas fiquei preocupado de não conseguir emprego. Cogitei Ciências Sociais, mas acabei optando por estudar Letras, pensava em dar aulas. Na faculdade, fiz uma amiga que era casada com um cineasta [Adilson Ruiz]. Era início dos anos 1980 e ele tinha uma câmera de vídeo, que nos emprestava para fazer os trabalhos da faculdade. Um dia, o Adilson me convidou para trabalhar na montagem de um filme dele, mas o que eu fiz, de fato, foi o roteiro. Depois, ele ganhou um edital e me convidou a fazer o roteiro de um média-metragem, que recebeu nove prêmios, exceto o de roteiro. Trabalhei em jornal e em produtoras, fazendo vídeos institucionais. Aos 26 anos, fui para Nova Iorque e procurei o polonês Zbig Rybczynski. Acabei morando dois anos lá. Mas sentia falta de escrever e, então, fui para Madri fazer uma pós-graduação em roteiro. Voltei ao Brasil, aos 30 anos, e liguei para algumas produtoras, que me chamaram para trabalhar.

Como surgiu o projeto do filme Cidade de Deus?
Já tinha trabalhado com Marcelo Tas e Fernando Meirelles, que eram do Olhar Eletrônico, e um dia o Fernando me chamou para fazer o roteiro de Cidade de Deus. Comecei a ler o livro e, quando cheguei na página 100, liguei para avisá-lo que não daria para adaptar aquele texto para cinema. Depois, reavaliando, pensei: o que eu teria a perder? Então, decidi fazer. E propus um roteiro bastante maluco. Funcionou, porque, assim como eu, o Fernando não tinha medo de errar. O Walter Salles, que era produtor do filme, criticou duramente o roteiro, fiquei mal na época. Mas Fernando e eu resolvemos assumir e seguir mesmo assim. Nem achava que o filme teria tanto público. E, no fim, o filme recebeu quatro indicações ao Oscar. Era inverossímil para nós, parecia pegadinha! O filme mudou minha vida, depois dele, passei a viver do meu trabalho com roteiros.

O que é essencial no trabalho como roteirista?
Precisa praticar muito, ter o domínio da língua. E a escrita do audiovisual é muito específica. Nem tudo que a gente escreve é filmado. Eu mesmo tenho 27 roteiros escritos, apenas sete viraram filme. E isso não é um fracasso. Tem muito roteirista que se decepciona quando vê uma filmagem e percebe que ficou muito diferente daquilo que ele escreveu. A maioria tende a culpar os outros. Eu faço o oposto: penso que a culpa é minha e faço as perguntas: por que o cara não entendeu? Como tornar a minha escrita mais precisa? Um roteirista tem de ter talento, esforço e também sorte. O acaso conta muito. Tem que ler os clássicos da dramaturgia, os roteiros dos filmes bons.

A que fatores você atribui o sucesso de público de filmes como Cidade de Deus e Tropa de Elite, que tratam da violência?
Acredito que o interesse do público está mais ligado à forma do que ao conteúdo. Não importa qual é a história, desde que ela seja bem contada. Se você não conta bem, não vai funcionar. No caso desses dois filmes, o que aconteceu foi a junção de um time de pessoas que trabalham bem. Porque também não adianta um roteiro bom, se você não juntar as pessoas certas para realizar. É difícil saber quando um roteiro está bom. O que procuro fazer é me sentir feliz com ele. Eu sou meu público. E coloco na roda, peço para meus amigos lerem. O curioso é que as opiniões são bem diferentes. O que agrada a uns, não agrada a outros. Há muita subjetividade. E a gente só sabe se funciona mesmo na hora que filma. Há ainda o componente do imponderável. É como um salto no abismo, no escuro. Se eu fosse religioso, diria que é preciso ter fé. Como não sou, digo que precisa ter cara de pau.

O Brasil vive uma fase promissora nessa área?
Vejo o mercado de TV muito promissor. Mais do que o cinema, que é pequeno e mais demorado também. Com a nova lei da TV por assinatura [12.485/11], há cada vez mais séries sendo produzidas. Mas não acho que um roteirista precisa fazer essa escolha entre TV e cinema, dá para conciliar. O futuro do mercado é de crescimento. Quando comecei, eu lamentava que não dava para viver escrevendo roteiros. Era um carreira sem valorização e sem prestígio. Roteirista era aquele que digitava as “ideias geniais do diretor”. Hoje, tem muito trabalho e, em termos de mercado, de demanda, a tendência é melhorar. O que falta no Brasil é tradição. Nossa referência ainda é a telenovela, que segue uma estrutura diferente de roteiro. Falta a tradição de desenvolvimento da técnica.

Você tem algum método próprio de trabalho?
Tenho um processo absolutamente caótico. Nem consigo verbalizar o que me pega numa história ou de onde surgem algumas ideias. Começo da desordem. Tenho certa preguiça de fazer pesquisa de campo, não levo muito jeito para entrevistar pessoas, fazer as perguntas. Prefiro ler e ir anotando as ideias que surgem. Depois, entro numa fase metódica. Tenho um painel, onde vou fixando cartões, com resumos, cena a cena, que me ajudam na construção do texto final. Acho que meu cérebro nasceu pronto para esse tipo de trabalho: mesclar, misturar personagens e construir histórias. Procuro seguir sempre um conselho: “Para de pensar e deixa seus dedos trabalharem”. Ou seja, deixo a intuição agir também. Sem medo. Porque se você tiver medo de fazer, fará algo medíocre e seguro. Precisa ter coragem de errar para fazer algo realmente bom.