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Os novos tempos da produção audiovisual

Tata Amaral é diretora, produtora e roteirista. Seu primeiro longa-metragem, Um céu de estrelas, de 1997, foi premiado nos festivais de Brasília, Boston, Trieste, Créteil e Havana. Antônia, seu terceiro longa, inspirou a série de televisão homônima exibida pela Rede Globo e indicada ao Emmy em 2006. Seu último filme, Hoje, foi vencedor do Festival de Brasília, em 2011. Finaliza agora o filme Trago Comigo, derivado da minissérie coproduzida pela TV Cultura e SescTV, no projeto Direções.

 

Sua cinematografia aborda temas sociais, presentes também em outros filmes latino-americanos. Existe uma identidade latina no cinema?
O cinema latino-americano, em sua maioria, tenta fugir do modelo hollywoodiano, trabalhando com cenários próprios, roteiros elaborados a partir da nossa realidade. Discutem principalmente temáticas sociais de seus países. Alguns até tentam copiar a fórmula norte-americana e ficam interessantes, mas são poucos. O modelo de cinema surge porque ele é inerente a uma cultura. Nos Estados Unidos, por exemplo, a indústria cinematográfica é a segunda maior do país, só perde para a bélica, que ainda é beneficiada com propaganda nas telas, pois qual filme norte-americano não tem arma de fogo? Este é o retrato da sociedade norte-americana e seu cinema é uma indústria que trabalha para disseminar sua cultura pelo mundo. Por isto mesmo, quando a gente tenta reproduzir esse modelo narrativo, o resultado é pobre, inverossímil. Nossa produção original tem diferentes maneiras de narrar e discute temas mais próximos do nosso cotidiano. O grande desafio agora, é fazer com que esta crie vínculos com nosso público.

 

Quais são suas expectativas para o atual mercado brasileiro?
Para mim, é um sonho o que está acontecendo com o audiovisual no Brasil. Em São Paulo, até pouco tempo atrás, havia, quando muito, a produção de dez curtas-metragens por ano. Hoje, com os programas de fomento e de apoio à produção, a situação mudou visivelmente e tende a melhorar, principalmente agora com a SPCine, a empresa de Cinema e Audiovisual de São Paulo. Essa agência paulistana pretende reunir investimentos municipais, estaduais e federais para alavancar de 8 milhões de reais anuais, investidos nos últimos anos em cinema, para algo em torno de 70 milhões, entre editais de produção e distribuição na cidade. Em âmbito nacional, a Ancine também tem um bom programa em execução chamado Brasil de Todas as Telas, que busca incentivar não apenas a produção e distribuição de filmes, mas a capacitação profissional, contemplando todas as áreas. O país tenta agora resolver outros grandes problemas do audiovisual: a descentralização da produção de cinema, a diversidade dessa produção, dentre outras. Sempre tento acompanhar as novas produções nacionais, mas fica cada vez mais difícil ver tudo. Democratizando a produção pelo território nacional, possibilitamos que outras histórias sejam contadas, com pontos de vista diferentes. Se considerarmos o impacto do audiovisual na população brasileira, as políticas públicas para o setor são poucas e buscam agora sanar uma dívida antiga com o audiovisual brasileiro, que poderia ter tido um papel bem mais importante e ajudado a mudar a educação do país, a estabelecer novos valores e novas representações simbólicas.

 

A Lei da TV Paga trouxe mudanças significativas para o setor?
A lei 12.485 amplia para mais de mil horas de programação audiovisual inédita e independente por ano. Isto cria uma demanda de novas histórias sem precedentes na nossa cultura. A meu ver, a maior importância desta lei é que ela garante a diversidade de programação na TV. Isto é inédito, nossa TV sempre veiculou conteúdos determinados por cinco emissoras. Se pensarmos na importância que as imagens, notícias e valores divulgados através da televisão cotidianamente têm na formação simbólica de nós brasileiros, podemos concluir que é extremamente empobrecedor, num país com as dimensões do Brasil, que poucos canais de televisão divulguem conteúdos audiovisuais. Com a nova lei, deixamos de ser reféns do mesmo conteúdo engessado pela antiga falta de opções, para veicularmos a riqueza e diversidade de forma e conteúdo que nossa cultura pode proporcionar. Em um estado democrático, a gente precisa propor alternativas às narrativas convencionais dominantes na televisão e no cinema comercial. Por isso, acredito que todas essas iniciativas incentivem a produção independente de maneira que esta possa, em médio prazo, vir a se tornar comercial e competitiva.

 

Quais as contribuições do audiovisual para a educação?
As imagens, as telenovelas, as séries, os filmes são nossa produção intelectual e artística mais relevante. Ela expressa nosso imaginário e representa nossos valores. É da maior importância trabalhar com novas representações nos conteúdos da TV e do cinema, ampliando as discussões e colocando em pauta outros valores sociais. Um exemplo disto é meu filme Antônia. Queria contar a história de um grupo de meninas da periferia que queria viver da sua arte, da sua música. Identifiquei que havia, tanto no cinema quanto na televisão de dez anos atrás, uma representação negativa do jovem negro da periferia, sempre associado à violência, ao tráfico, ao crime, à pobreza. Conscientemente, quis interferir nesta representação, que no filme e na série eram positivas: os jovens negros da periferia têm vida cotidiana como todos, moram em casas como todos, têm sonhos, talentos etc. Por isto, mas não apenas, penso que o audiovisual deveria ser ensinado nas escolas como disciplina de expressão artística, assim como o teatro, a música e as artes plásticas são oferecidas em algumas. Deve ser ensinado como uma possibilidade de expressão, de produção artística e simbólica e como forma de comunicação. Não basta apenas exibir filmes e demais conteúdos audiovisuais nas escolas. É preciso ensinar os dispositivos da linguagem para que os alunos, consumidores de audiovisual desde cedo, possam compreender e identificar seus mecanismos. Só assim estas crianças e adolescentes deixarão de ser manipulados pelo discurso de terceiros e poderão refletir sobre os valores expressos em cada discurso.