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A máquina de fazer espanhóis

Foto: Lourenço Mutarelli
Foto: Lourenço Mutarelli

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A máquina de fazer espanhóis
Valter Hugo Mãe.
Editora: Cosac Naify. São Paulo. 2011.

                                        (1) Virgínia Chiaravalloti 

Indagar-se sobre a finitude da vida é algo mais ou menos corriqueiro a depender do momento no qual se encontra, mesmo porque tal inquietação faz parte da existência humana. Já deparar-se com tal evidência, sendo tomado de assalto e sem que, ao menos, se possa decidir se deseja, ou não, pensar a respeito é algo que intimida. É nesse momento que a fragilidade humana é apontada de forma incisiva, ainda mais quando vem associada à ausência de autonomia, de perspectivas ou ao fim iminente. Diante disso, com que recursos se poderia contar?  

Por outro lado, a convivência com esse sofrimento pode fazer surgir algo vigoroso, uma potência que se transforma na busca do sentido pela vida, mesmo permeada de um sentimento de desconforto, de indisposição e de mal estar. 

Esse é o périplo vivido por António Jorge da Silva. Um homem de 84 anos que acaba de perder a esposa e que por uma determinação familiar passa a viver no asilo “feliz idade”, descobrindo ali formas de sobrevivência entre os seus iguais – tantos outros silvas. É entre iguais, porém, que encontra sutilezas que alinhavam as possibilidades dos encontros – com os outros e consigo mesmo. Encontros de tristeza e de alegria. Aliás, a construção do sentido da existência e, nesse caso, do sentido de ser velho passa necessariamente por essas manifestações.  

Há certas minúcias nesse romance. Uma em particular referencia o poeta Fernando Pessoa, com quem o personagem dialoga de forma indireta. A outra são as lembranças de um Portugal sob a sentença da ditadura de Salazar (1933-1974), com as quais ele tem que conviver ou encontrar um destino certo para elas. Há ainda a imagem de nossa senhora de Fátima, diante da qual o personagem recusa qualquer forma de acalento optando, ao contrário, por viver densamente a suas aflições. 

Multiartista, Valter Hugo Mãe nasceu em Angola em 1971, sendo reconhecido pela crítica em 2007, ao receber o Prêmio Literário José Saramago, em 2007, com sua obra O Remorso de Baltazar Serapião. 

(1) Mestre em Ciências Sociais pela PUC-SP. Assistente Técnica da Gerência de Estudos e Desenvolvimento (GEDES), do Sesc São Paulo.