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O que houve com o que se ouve na TV

O ex-caminhoneiro Elvis Presley costumava desabafar mandando bala nos aparelhos de TV dos hotéis. Sentia-se sufocado, parte de uma engrenagem que, ao mesmo tempo que lhe dava tudo, o esmagava e era uma força da qual não adiantava tentar fugir. E olha que isso foi lá nos anos 1960.

Correndo as centenas de canais por assinatura da televisão da atualidade, Elvis talvez não tivesse mais aquela sensação de claustrofobia. Cinquenta anos depois daquela
era de pioneirismo, a perda de audiência massiva aumenta a cada dia, e a criação de nichos de interesse segmenta o veículo. Tudo que sobrou são reality shows que simulam um ambiente similar ao das “peneiras” de futebol (e nos quais todos os postulantes berram como cantoras de R&B norte-americano) ou acompanham o cotidiano de astros aposentados do rock. Ozzy Osbourne levou seu cachorro, periquito, cozinheira e a família para a TV, encenando de forma paródica seu próprio processo de domesticação social. Gene Simmons, linguarudo líder do grupo Kiss, virou um golfista de condomínio na televisão americana.

Os músicos tornaram-se artífices de si mesmos no YouTube e em outros canais de divulgação da internet, assumindo papéis de produtores, atores, filmmakers, divulgadores. Vivem as delícias e os riscos da independência, mas de forma compulsória.

Não há mais a relação de dominação nem de onipresença da TV em relação à música. A TV não é mais aquela aliada, e também não é mais aquela inimiga. “É que a televisão
me deixou burro muito burro demais. E agora eu vivo dentro dessa jaula junto com os animais”, dizia Arnaldo Antunes num dos grandes sucessos de uma das maiores bandas brasileiras dos anos 1980, os Titãs.

A TV era Deus e o Diabo na Terra do Bombril. Os artistas ou eram “puros” ou eram “absorvidos” por ela. Raul Seixas virou o Carimbador Maluco e Caubói Fora da Lei em
programa infantil e no Fantástico. Kid Vinil, então vocalista da banda punk Verminose, levou à TV o programa que serviu como educação sentimental para todos os roqueiros do interior do País: o Som Pop.

Os roqueiros enxergavam a TV como um inimigo do seu espírito contracultural. Já os executivos da TV viam no rock que nascia e na MPB que emergia no País um pote
de ouro no final do arco-íris. No Brasil, programas de TV como O Cassino do Chacrinha, Silvio Santos, Raul Gil, Gugu Liberato e Domingão do Faustão contribuíram para catapultar e tornar conhecidos gêneros como bossa nova, new wave, rap, rock, mas também disseminar uma ideia de uma música popular sob custódia, domesticada, massificada, obediente, manipulável.

Houve momentos, contudo, em que um e outro (rock e televisão) viveram quase em harmonia. Em 1983, a TV Cultura e o Sesc Pompeia iniciaram o projeto Fábrica do Som. “Era um programa onde o público estava muito presente. Mais do que marketing, mulheres e calcinhas, como rola nos auditórios hoje, era um evento de rock que queria revelar novos valores. Os Titãs, quando ainda eram do Iê-Iê, apareceram pela primeira vez na televisão no Fábrica. Barão Vermelho, Ultraje a Rigor, Arrigo Barnabé.
Todos esse caras, ainda ‘frescos’, participaram”, relembrou outro dia o apresentador do Fábrica do Som, Tadeu Jungle.

A televisão ajudou a disseminar o rock’n’roll, que nasceu praticamente com a TV. Paralelamente a isso, os efeitos sociais do rock’n’roll se mundializaram e se tornaram
massivos, suplantando barreiras de classe social, língua e formação intelectual e política. Virou um gênero sem fronteiras. Sem nacionalidade, com e sem ideologia. E a TV era seu aríete globalizante.

Manic Street Preachers tocaram na proscrita Havana, Cuba. Uriah Heep encheu a Praça Vermelha em Moscou. The Clash fez da Nicarágua um tour de force e o rap-metal do Rage Against the Machine foi crucial no apoio à luta dos zapatistas de Chiapas, no México (e até no apoio à luta do MST, em Itu, São Paulo). Na República Tcheca, Vaclav Havel agradecia a Lou Reed pela sua vitória política.

Ao mesmo tempo que a música passava a influenciar moda, política, comportamento e linguagem, ela era apropriada e transformada pelo veículo que a projetava. Não há almoço grátis.

Num determinado instante histórico, tudo pareceu caminhar para a simbiose definitiva. Foi em 1981, quando foi criada a MTV em Nova York. Ali, havia diluição e também reflexão. Nada acontecia antes de um videoclipe passar pelo crivo da MTV, e quando isso acontecia, estava forjado o fenômeno. As festas VMB criaram o encantamento de uma Hollywood musical, com glamour e geração de gossips. Sua última edição já tem uns cinco anos, e a orfandade traz consigo também um senso de nova realidade.

Hoje em dia, sites como MySpace e YouTube se tornaram rentáveis aliados da disseminação da música. Muitos artistas de grande repercussão são filhotes desse novo mundo, como Arctic Monkeys, Lilly Allen, Mallu Magalhães. Mas o que era liberdade vai se tornando também indistinção. Os vídeos musicais que chamam a atenção e projetam novos Midas da música são geralmente os que conjugam apelação e repetição. A telinha caiu na rede, e seu brilho novo atrai ainda mais mariposas