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Geografia afetiva

Foto Gal Oppido
Foto Gal Oppido

MEMÓRIAS E DILUIÇÃO DE LIMITES TERRITORIAIS AJUDAM ARTISTAS A FORMAR CARTOGRAFIA PRÓPRIA

Num contexto cada vez mais povoado por discussões sobre território e identidade, produções visuais que abordam – direta ou indiretamente – essas temáticas podem impactar o público, por exemplo, ao invocar aspectos da memória e da trajetória. “Há inúmeros artistas que, como Dahn Vo, asilado na Dinamarca com sua família, transpõem em sua obra essa trajetória pessoal, porém representativa de uma realidade de grande impacto ao público, o qual se reconhece neste contexto”, cita Tereza Arruda, historiadora da arte, crítica e curadora independente radicada em Berlim.

Dahn Vo é de origem vietnamita e teve seu trabalho reverenciado, este ano, na tradicional Bienal de Veneza. Adjetivado por críticos como militante, há no trabalho do artista um retrato  de questões geopolíticas que tocam pessoas em diferentes países e contextos.

DESLOCAMENTO
Procedimentos escolhidos em cada obra, pintura, instalação, vídeo ou uma somatória de todos os suportes também são fatores importantes para entendermos as motivações e opções utilizadas pelos realizadores. Independentemente do teor autobiográfico, as questões sobre deslocamento, fronteiras e territórios políticos se compõem com força no contemporâneo e estreitam o contato entre quem produz e quem vê. É o caso do artista belga Francis Alÿs, “que por sinal reside no México, o que nos permite repensar questões ligadas à identidade quando esta se vincula ao lugar, deslocando, também, relações como as de lugar de origem e lugar de produção artística”, explica o professor da Faculdade de Artes Visuais da Universidade Federal de Goiás (FAV-UFG) Glayson Arcanjo. “Como um dos procedimentos, o artista tem o caminhar, o andar. Por meio do deslocamento, passa a propor ações, trazendo à tona, em cada situação proposta por ele, a ampliação de questões cotidianas, das lógicas dos conflitos políticos, territoriais, religiosos e poéticos.”

Glayson menciona outra intervenção simbólica de Francis Alÿs, o vídeo Aquarela (Watercolor), de 2010, no qual o artista transporta um balde de água do Mar Negro, da Turquia até a Jordânia, onde faz escorrer a água no Mar Vermelho, criando um fluxo próprio e transparente. “Desse modo, o gesto físico de coletar, transportar e despejar a água do mar realizado por ele se carrega de caráter simbólico: ação poética, conflito e política se confundem e se mesclam nesta ação”, analisa.

Outro artista que se mantém sob os holofotes a cada passo é o chinês Ai Weiwei, responsável por uma indignação global quando foi preso pela polícia chinesa ao embarcar de Pequim para Hong Kong, em 2011, numa custódia forçada que durou mais de 80 dias e mobilizou museus e instituições, além de gerar comoção nas redes sociais. A saga foi retratada no documentário Ai Weiwei – Sem Perdão (Alison Klayman, 2012). Recentemente, o artista dissidente recuperou seu passaporte e ganhou ainda mais destaque na imprensa ao conseguir viajar para Londres, em setembro deste ano. “Após meses de prisão e anos sem a posse de seu passaporte, ele se tornou porta-voz das desavenças políticas na China”, reforça Tereza. Para ela, o continente asiático tem obtido grande projeção no contexto geopolítico da atualidade. “Tendências e discussões como essas acabam por influenciar e impactar o público de forma geral e principalmente os que vivem situação semelhante”, completa.


REDE DE LEMBRANÇAS
SOMANDO IMPACTO VISUAL E CARGA AFETIVA, PRIMEIRA EXPOSIÇÃO DE CHIHARU SHIOTA NA AMÉRICA LATINA PODE SER VISITADA ATÉ JANEIRO DE 2016

Logo na entrada do Sesc Pinheiros, o visitante que esticar o olhar bem para o alto irá se deparar com um emaranhado de fios vermelhos no formato triangular que carrega de maneira organizada e linear vários pares de sapatos. Antes que a interrogação se multiplique, é possível perceber que não se trata de uma instalação isolada. Ela é um convite, uma das partes da exposição Chiharu Shiota – Em Busca do Destino, que se desdobram pela fachada, piso térreo e espaço expositivo (2º andar) da unidade.

Nascida em 1972, na cidade japonesa de Osaka, a artista traz sua obra pela primeira vez à América Latina. A exposição, que tem curadoria de Tereza Arruda, foi articulada com o público. Os objetos usados nas instalações da artista são sempre coletados na cidade onde o trabalho será apresentado. “No entanto, ela costuma realizar seu trabalho em museus ou outros espaços dedicados à arte contemporânea, ou seja, onde há circulação de um público já familiarizado com sua obra e, portanto, disposto a contribuir. Nosso desafio foi criar um diálogo entre essa etapa tão importante do processo de criação com uma ação educativa. Dois meses antes da abertura da mostra, começamos atividades internas, com educadores que realizavam ações em diferentes espaços da unidade convidando o público a escrever cartas de agradecimento e doar sapatos, e externas, em escolas, feiras livres, no Largo da Batata e no bairro da Liberdade (pela origem da artista)”, relata a técnica de programação do Sesc Pinheiros Daniela Avelar. Segundo Daniela, o resultado desse processo foi muito positivo. “Tanto pelo viés educativo, na visível sensibilização de alguém que, após ter escrito uma carta, retorna à unidade para encontrar sua mensagem na instalação Cartas de Agradecimento ou seu sapato na obra Além dos Continentes, como pelo alcance em termos numéricos”, informa. “Arrecadamos em torno de 4 mil cartas e 500 sapatos, no período.” O evento é complementado por intervenções, performances e ações educativas.

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