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Regulamentação problemática

Hélio Zylberstajn / Foto: Bruno Leite
Hélio Zylberstajn / Foto: Bruno Leite

Hélio Zylberstajn é Ph.D. em relações industriais pela University of Wisconsin, EUA, e professor sênior do Departamento de Economia da FEA-USP. Foi secretário nacional do trabalho no Ministério do Trabalho e da Administração, em 1992.
Foi ainda presidente da Associação Brasileira de Estudos do Trabalho, do Instituto Nacional de Mediação e Arbitragem e da Associação Instituto Brasileiro de Relações de Emprego e Trabalho. É consultor do Banco Mundial, do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e da Organização Internacional do Trabalho (OIT). É membro do Conselho Superior de Estudos Estratégicos da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo e do Conselho de Orientação Econômica da Associação Comercial de São Paulo.
Esta palestra de Zylberstajn, sobre o “Mercado de Trabalho no Brasil, Evolução Recente e Perspectivas”, foi proferida no Conselho de Economia, Sociologia e Política da Fecomercio, Sesc e Senac de São Paulo, no dia 12 de março de 2015.

Vamos falar de oferta e demanda no mercado de trabalho. Depois abordaremos a formação de salários no Brasil, seus mecanismos e a questão institucional no mercado de trabalho. Em qualquer lugar do mundo ele sempre teve alguma regulamentação que, no Brasil, é extremamente problemática. E ganhou mais complexidade nos anos recentes.

O desempenho do PIB [Produto Interno Bruto] está muito ruim e normalmente, numa situação assim, o emprego deveria estar um horror. Não está. A partir de março de 2002, houve uma queda contínua e sistemática na taxa de desemprego que, em janeiro de 2015, pulou de 4,3% para 5,3%. A renda média dos trabalhadores – assalariados mais autônomos – faz um movimento um tanto inverso, no começo ela cai. À medida que o emprego vai se ampliando, como há um excedente de mão de obra, os salários ainda permanecem muito baixos. Então a renda média diminui. A partir de determinado ponto, quando o mercado começa a se equilibrar, a renda cresce, tem crescido e continua crescendo até agora. Esse é o paradoxo. Uma economia com um desempenho macroeconômico muito fraco apresentando, do ponto de vista do emprego e da renda, o contrário do que se esperaria.

Por que isso ocorre? Provavelmente uma parte da explicação está no fato de que há pessoas que deixaram de participar do mercado. Como a renda da família aumentou, o pai e a mãe têm emprego, o jovem resolveu estudar, quando antes estudava e trabalhava. A renda dos aposentados também melhorou. As pessoas que costumávamos chamar de trabalhadores secundários da família saíram do mercado. É por isso que, mesmo sem criar emprego, temos uma taxa de desemprego pequena.

Outra razão é que a estrutura da economia mudou. Há 15 anos estamos vendo uma desestruturação da indústria no Brasil. É o setor da economia que tem os melhores empregos e a maior criação de valor adicionado, e está encolhendo. Ele cria mais valor do que serviços e comércio, tem empregos de maior qualificação. Aí o emprego encolheu enquanto em serviços e comércio aumentou. Então para um mesmo nível de PIB, de criação de riqueza, temos mais emprego, mas menos renda do trabalho em cada emprego. Ou seja, a economia brasileira ficou mais intensiva em trabalho, isto é, demanda mais trabalho e ao mesmo tempo tem menos gente disposta a trabalhar. É por isso que as taxas de desemprego são tão baixas. No ano passado, 2014, criamos pouco menos de 400 mil empregos. E em 2015, pelo jeito, será difícil alguma criação significativa de emprego.

Salário mínimo

Vou falar um pouquinho de salários, começando pelo mínimo, desde 2001 até 2015. Em 2001 o salário mínimo era de R$ 180 e foi sendo corrigido sempre acima da inflação, desde o Plano Real, intensificando-se com Lula. Hoje, se tivesse sido corrigido somente pela inflação, o salário mínimo seria de R$ 434, quando está em R$ 788. Essa diferença é o crescimento real do salário, que hoje compra 80% mais do que comprava 15 anos atrás.

O salário mínimo não tem tanta importância assim no mercado de trabalho, pois nos grandes centros via de regra os salários são maiores, mas nas finanças públicas é muito relevante, principalmente para as pequenas prefeituras e para a Previdência Social e o seguro-desemprego. Então, quando se mexe no salário mínimo, há um impacto fiscal muito grande. A regra de ajuste do salário mínimo é esta: aumenta com a inflação do ano anterior mais a variação do PIB de dois anos atrás. Dois anos atrás porque não dá tempo em janeiro de medir o PIB do ano anterior. Como os PIBs aumentaram com uma nova metodologia de cálculo, já estão se movimentando para incorporar esse aumento ao salário mínimo.

Outro mecanismo de formação de salário muito importante no Brasil são os pisos estaduais. Os estados do sul, Rio de Janeiro e São Paulo têm pisos próprios. Em geral cada um tem dois ou três pisos, alguns têm mais de três pisos, como o Rio de Janeiro, que tem meia dúzia. O aumento do mínimo em termos reais empurra os pisos estaduais, que crescem junto e não podem ficar atrás do valor do mínimo. Então é uma força muito grande na base da pirâmide, puxando a escala salarial para cima. Isso rebate na negociação coletiva.

O Dieese [Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos] faz um acompanhamento dos acordos e convenções que tiveram reajustes acima da inflação. Isso não tem sido acompanhado por aumentos na produtividade, o que é um problema macroeconômico importante. O órgão levanta esses dados todo ano, aliás, todo semestre eles são renovados, com uma amostra de 700 a 800 acordos de convenções. Infelizmente demoram muito tempo para divulgar, o que coloca uma dificuldade muito grande para as empresas, uma escassez de informação para quem senta numa mesa de negociação.

Estamos tentando suprir isso na Fipe [Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas], no projeto chamado salários.org. A CLT [Consolidação das Leis do Trabalho] determina que as empresas ou os sindicatos depositem no Ministério do Trabalho uma cópia do acordo ou da convenção assinada. Até 2007 era uma cópia física, em papel. Depois passou a ser virtual, pela internet. Existem nesse sistema, que se chama Mediador do Ministério do Trabalho, 280 mil acordos e convenções, mais ou menos 50 mil por ano. Nós na Fipe baixamos tudo isso, pois são documentos públicos, e desenvolvemos um programa que lê esses documentos e revela qual foi o aumento salarial, entre outras coisas. Isso nos permite acompanhar com mais agilidade o que está acontecendo nas mesas de negociação.

Os números mostram que ao longo de todo o tempo os trabalhadores têm conseguido aumentos reais, mesmo nos últimos meses. A exceção ocorre no fim de 2008, começo de 2009, quando houve reduções salariais com diminuição da jornada por causa da crise. Hoje estamos com mais ou menos 1,8% em média de aumento real nas negociações, ou pelo menos estávamos até dezembro de 2014.

Conflitos à vista

Vejamos alguns números de dezembro de 2013 a dezembro de 2014. Ao longo desse período o aumento real foi diminuindo. Temos capacidade de calcular essas médias por região e por setor. No comércio, por exemplo, os reajustes são menores, em média 7%. Já temos informação de janeiro de 2015: foram 710 negociações, que resultaram em média 8%. Nesse mês a inflação se aproximou de 8% e como o reajuste foi de 8%, o aumento real está diminuindo. Provavelmente é o ensaio para o resto do ano, que será de muito conflito, porque os trabalhadores se acostumaram nos últimos anos a ganhar aumento real.

Durante dez anos a folha de salários do país cresceu 8% ao ano em termos reais, um crescimento muito expressivo. Não é que o salário cresceu 8%, mas sim a folha de salários. Como o emprego aumentou, há mais pessoas trabalhando. Isso também ajuda a entender o que aconteceu com o consumo, com a ascensão da chamada, talvez erroneamente, nova classe média. Foi um crescimento espantoso da renda, o que ampliou a demanda, mas não estamos conseguindo produzir para essa demanda.

O Brasil tem uma folha de salários, só no setor formal, de R$ 1,2 trilhão, sem contar o funcionalismo público. A massa de renda do trabalho deve ser alguma coisa próxima de R$ 1,5 trilhão, um terço do PIB do Brasil. É pouco, a distribuição funcional da renda ainda é muito desigual.

Sinal de atraso

Quanto à regulamentação do mercado de trabalho, listei diversas tentativas de aperfeiçoamento do modelo. Houve uma que vale a pena ser rememorada. O ministro Almir Pazzianotto presidia o TST [Tribunal Superior do Trabalho] e tentou mudar a súmula que trata da rescisão dos contratos. Ele queria que, quando fosse feita uma rescisão, o contrato estivesse rescindido, não cabendo ir à Justiça reclamar mais nada. Essa súmula durou alguns dias, pois teve de voltar ao regime que continua hoje. Quando se rescinde o contrato de trabalho, ele ainda não está rescindido, o que cria uma indústria enorme. Só um juiz pode finalizar um contrato, um enorme sinal de atraso. Não conseguimos mudar isso. O que vingou a PLR [Participação nos Lucros e Resultados], que foi idealizada para criar uma remuneração variável não incorporada ao salário. É uma coisa saudável, que hoje está presente na mesa de negociação. Praticamente todos os trabalhadores de empresas relevantes recebem uma parcela da renda na forma de PLR, em muitos casos desvirtuada, mas existe.

Outra tentativa foi o condomínio de empregadores, principalmente rurais. É uma proposta muito interessante, mas não prosperou. A ideia era de que o vínculo de trabalho na agricultura fosse feito com um pool de fazendeiros. O empregado poderia trabalhar para todos esses fazendeiros, teria emprego o ano todo, eliminando a rotatividade e criando condições para se ter uma mão de obra permanente, com melhorias via treinamento, maior segurança etc. Infelizmente não foi para a frente.

A conciliação prévia foi outra tentativa, esta do TST, um projeto de lei que o Congresso aprovou. O importante era que quebrava o monopólio da Justiça do Trabalho na solução de conflitos individuais. Não foi para a frente, por diversas razões.

Fernando Henrique Cardoso tentou várias reformas, que o PT chamava de flexibilizações, mas na verdade eram reformas que remetiam aspectos da CLT para a negociação coletiva. A única coisa que prosperou de tudo isso foi o banco de horas, o que ainda hoje é muito negociado. Aí chegou Lula e disse: nada de reformas pontuais, não dá para fazer negociação se temos um sistema sindical muito ruim, vamos reformar os sindicatos. E durante dois anos o Fórum Nacional do Trabalho discutiu e criou um monstro de mais 400 artigos que foi engavetado.

Os canavieiros e o setor do agronegócio da cana tentaram uma experiência muito interessante, que foi chamada de compromisso nacional. Era uma inovação interessantíssima, arrojada, talvez avançada demais. Foi torpedeada por juízes, por inspetores do trabalho, pelo Ministério Público do Trabalho e morreu.

E os metalúrgicos do ABC vieram com uma ideia, eles não dizem, mas no fundo é uma tentativa de flexibilizar a CLT. O projeto de lei parou na Casa Civil, não se fala mais, com a oposição de todas as centrais.

Como se explica tudo isso? Não foi só discussão, houve várias tentativas e nada ou muito pouco se aprovou, muito pouco foi para a frente. A verdade é que se trata de um sistema tão enraizado em nossa cultura que virou business, um negócio, há diversos interesses construídos em cima desse sistema. Por exemplo, a Justiça do Trabalho. Em 2013 tínhamos quase 50 milhões de empregos formais e 2,3 milhões de reclamações novas na Justiça do Trabalho. Para cada 100 empregos, cinco reclamações na Justiça. É isso que acontece no Brasil, não se pode rescindir o contrato, definitivamente, que o pessoal vai para a Justiça do Trabalho.

Na década de 1990, o Collor abriu a economia, a indústria passou por um período de sofrimento, de exposição à competição. Veio a privatização, o Plano Real. Tivemos ajustes enormes na economia, muitas demissões, pouco crescimento do emprego. Chegamos a ter oito reclamações para cada 100 empregos. Provavelmente em 2015 a Justiça do Trabalho vai ter mais atividade.

Corações e mentes

A chegada de Lula à presidência da República representou uma mudança na distribuição de poder no Brasil. Os trabalhadores passaram a ter um quinhão maior na tomada de decisões, especialmente em relação aos assuntos de seu interesse. O equilíbrio de poder mudou e nunca devemos esquecer que a esquerda brasileira entendeu muito bem a mensagem de Antonio Gramsci. Gramsci era um intelectual do Partido Comunista Italiano que tinha uma linha diferente da de Moscou, uma espécie de dissidência. A ideia era de que o comunismo precisava penetrar nas mentes e nos corações das pessoas, não pela violência, não pela força. Isso tem sido praticado na América Latina, a esquerda vem ganhando cada vez mais corações e mentes. O resultado é que o aparelho de Estado no Brasil está comprometido com as ideias de maior proteção ao trabalhador, ideias antimercado ou anticapitalismo.

Lula, quando fracassou a reforma sindical que tentou fazer, resgatou alguma coisa dela, a contribuição sindical para as centrais. Ela é recolhida pelo governo e distribuída entre os sindicatos, federações e confederações. Corresponde a um dia de salário de cada trabalhador, 20% vão para o Ministério do Trabalho e Lula abriu mão de metade disso, dando 10% para as centrais. Houve uma enorme engenharia institucional para acomodar todas as tendências, e hoje temos oito centrais dividindo esse recurso.

O Ministério do Trabalho tem pressionado as empresas com as cotas para pessoas com deficiência. Antes de Lula essa pressão não existia, temos a lei desde 1991. É um assunto meritório a política de inclusão de pessoas com deficiência, mas hoje há uma pressão para se cumprir a cota, não importa qual seja o tipo de empresa.

Nas cotas para aprendizes, uma coisa incrível foi feita. O conceito de aprendiz é antigo na CLT e se refere a ocupações que precisam de um período mais extenso de aprendizagem, em funções com alguma qualificação. Quando Lula assumiu, um dos primeiros programas que adotou foi o Primeiro Emprego, que fracassou completamente, pois era um diagnóstico errado e de implementação também errada. Aí, para mudar a estratégia, pegou a CBO [Classificação Brasileira de Ocupações] e transformou todas em ocupações com processo de aprendizagem. Então hoje um faxineiro teria de passar por aprendizagem porque as empresas têm de ter uma cota de aprendizes. O que está fora são os cargos de confiança, de supervisão, de gerência. As outras todas têm de ter 5% de aprendizes. É uma forma violenta de resolver o problema do emprego do jovem, desvirtuando um conceito importante de aprendizagem e de qualificação.

Na saúde e na segurança foi feita uma transformação muito grande. Antes de Lula a lógica era: um trabalhador que tivesse algum problema ocupacional que estivesse afetando sua saúde, ou um acidente no trabalho, teria de provar que aquele problema havia decorrido do exercício daquela ocupação. Com Lula isso foi invertido e adotou-se uma lista internacional de doenças ocupacionais. Então, se alguém tem uma determinada doença que está nessa lista, a empresa tem de provar que não a causou. O Brasil é campeão mundial em acidentes e doenças do trabalho. Precisamos repensar essa área.

Big Brother trabalhista

Mais: a fiscalização do trabalho foi intensificada. O eSocial é um projeto adiado diversas vezes, porque é meio megalomaníaco. Se for implementado, todas as ocorrências trabalhistas serão lançadas no computador da empresa num sistema único e imediatamente enviadas ao Ministério do Trabalho. Então a empresa contrata alguém hoje, o sistema sabe que daqui a 12 meses ele terá de entrar de férias e aí se acende uma luzinha lá em Brasília para o fiscal verificar se o cidadão entrou de férias. Isso vale também para horas extras, para tudo. De onde veio isso? Primeiro, da mudança da responsabilidade de arrecadação da Previdência Social, que passou para a Receita Federal. Antes os fiscais da Previdência eram fiscais da Previdência, eles acompanhavam o recolhimento das contribuições previdenciárias. Isso passou para a Receita Federal que unificou todos os recolhimentos, contribuições e tributos. Aí a Receita Federal, que desenvolveu algo parecido para os tributos, resolveu desenvolver isso para as contribuições. Mas perceberam que elas dependiam de muitas coisas, foram estendendo o sistema e hoje estão propondo o eSocial. É um Big Brother trabalhista, é uma coisa extremamente ambiciosa.

O Congresso já está ameaçando votar a renovação da política do salário mínimo até 2019, por causa da briga do PT com o PMDB. Continuam tentando melhorar o financiamento dos sindicatos, a solução que Lula encontrou ainda é provisória. Vão perseguir uma proposta unificada de todas as centrais para aumentar a arrecadação compulsória. Esse novo cenário político e econômico mudou um pouquinho a pauta das centrais. A sensação que tenho é de que vão se posicionar muito mais na defensiva, estão reagindo ao que o governo está fazendo.

Como ficamos? É muito difícil prever. Vou levantar alguns pontos para pôr em discussão. A taxa de desemprego vai subir, isso vai deprimir os salários, o poder de barganha dos sindicatos será reduzido e o padrão de reajuste salarial deve mudar. Numa recessão o sindicato tende a abandonar salário e a enfatizar emprego. Então vamos com certeza ver diversas tentativas de arranjos para a preservação do emprego. Se pudéssemos construir mecanismos mais eficientes para isso seria interessante. Por exemplo, na Europa, principalmente na Alemanha, em vez de a empresa demitir e o trabalhador utilizar o seguro-desemprego, ela pode reduzir o número de horas, baixar o salário e o Estado complementa essa remuneração reduzida por um valor negociado. Sai mais barato para o Estado do que o seguro-desemprego. E é melhor para a empresa, porque preserva o trabalhador, e naturalmente para ele, que não fica desempregado.

No Brasil esse tipo de arranjo precisaria de uma legislação ou negociação especial. Seria interessante tentar isso já, porque a situação vai ficar complicada. Outra coisa que vamos ver, e já estamos vendo, é a politização das pautas sindicais. Na recessão não adianta a central bater na porta do empresário, vai para Brasília. Vão demandar por políticas de proteção. O cenário deixa de ser a porta da fábrica e passa a ser a rua e Brasília.

Talvez a crise no mercado de trabalho acirre essa coisa e aí estaremos numa situação muito complicada. O ideal para uma sociedade é que haja uma difusão de conflitos. Sempre haverá conflitos, o que não pode haver é a superposição deles.

Debate

NEY FIGUEIREDO – O senhor falou do governo e das centrais sindicais, mas na área do relacionamento entre capital e trabalho temos um tripé que inclui as entidades patronais. Gostaria de saber qual tem sido a atuação dessas entidades, como a CNI [Confederação Nacional da Indústria], a CNC [Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo] e as federações regionais. Ou seja, como os empresários têm se conduzido politicamente nesse novo viés trabalhista. O Ministério do Trabalho foi entregue desde o início do governo Lula ao PDT [Partido Democrático Trabalhista], que pertenceu ao Brizola, e sempre com ministros muito pouco significativos. Não vejo o PDT enquanto partido com capacidade de fazer coisa alguma. Será que no Ministério do Trabalho o PDT é a rainha da Inglaterra, que não manda coisa nenhuma?

LUIZ GORNSTEIN – Você não falou sobre a desoneração da folha de pagamento. Alguns dizem que ela induziria o emprego e evitaria a automatização. Não deu resultado, as empresas aumentaram a margem e o emprego não cresceu. Quanto à relação câmbio-salário, isso vai refletir nos dissídios?

JOSEF BARAT – O desemprego está baixo porque muita gente nem procura emprego. Seria uma conjugação de fatores? Por exemplo, o bônus demográfico, uma população envelhecendo gradualmente. Há muita gente vivendo da renda dos aposentados e, portanto, o jovem não trabalha. A geração que os espanhóis estão chamando de nem-nem, nem trabalha nem estuda, é um contingente enorme que não faz nada simplesmente. Minha pergunta é se o Bolsa Família contribui para isso também. No fundo criou-se uma situação de desestímulo ao trabalho e com isso o desemprego evidentemente fica baixo.

HÉLIO – Quanto à conduta das entidades patronais, a sensação que tenho é de que elas jogam um jogo em que não são boas. Onde as regulamentações são decididas? Em grande parte no Congresso, um fórum muito difícil de trabalhar, porque a tendência do político é ser a favor do trabalhador. Então é como dar soco em ponta de faca. Vejo as entidades se aparelharem e se organizarem em lobbies, mas é muito difícil represar esse movimento. Não estou dizendo que isso não deva ser feito, deveriam dar um passo a mais e insistir, insistir, insistir em mudar o jogo. Tem de ser outro jogo.

NEY FIGUEIREDO – Mas teoricamente não são elas que financiam os políticos eleitos?

HÉLIO – As entidades patronais?

NEY FIGUEIREDO – As elites. Os empresários estão representados pelas entidades patronais. Eles não têm poder para influenciar seus representantes?

HÉLIO – Quantos empresários já foram deputados e senadores e votaram a favor de medidas como essas? É uma ambivalência, um político tem de atender o povo. E por que se joga assim? Porque nosso modelo de relações do trabalho é de absoluta intervenção do Estado. Temos de mudar esse jogo para que a negociação entre as partes passe a prevalecer. É um projeto difícil, mas que precisa ser trabalhado, e não jogar taticamente a cada medida. Agora, para mudar esse modelo, precisamos de soluções alternativas.
Na questão do PDT e do Ministério do Trabalho, não é que o PDT seja a rainha da Inglaterra, a rainha é o ministério. A pasta não tem importância nenhuma, é uma repassadora das verbas do seguro-desemprego. Mas é atraente para setores políticos por causa da passagem dessas verbas. Por exemplo, dá visibilidade montar um programa para treinar 6 milhões de pessoas com dinheiro do FAT [Fundo de Amparo ao Trabalhador]. Se alguém medir o impacto disso, descobrirá que é zero.
Mas não é só no Brasil, no mundo inteiro os programas para desempregados têm um efeito muito pequeno, por diversas razões. O que resolve mesmo é qualificar o trabalhador junto com a empresa, que se compromete a treinar aquela pessoa com o compromisso de validar a contratação. Foi um erro separar o Ministério da Previdência Social do Ministério do Trabalho, deveria ser uma coisa só. Na verdade, precisaríamos de um ministério social, que incluísse saúde, trabalho e previdência em um bloco, porque teria mais força e articularia melhor as políticas sociais. Mas isso é sonhar muito num país com 39 ministérios.
Quanto à desoneração da folha, esse assunto envolve uma tremenda contradição com tudo o que o PT disse antes de chegar ao poder. Quando Fernando Henrique tentou aprovar uma política de flexibilização, que culminou num projeto de emenda da prevalência da negociação que Lula arquivou, o discurso era de que o emprego depende da demanda, da atividade econômica. O resto é bobagem. O que atrapalha o emprego é a falta de mercado. Por isso combatiam a flexibilização.
A desoneração em si é um erro como conceito de tributação, porque existem dois tributos que deveriam ter relação com a folha. Um é o que sustenta a Previdência, porque o valor do benefício tem relação com o salário. O outro é o seguro-desemprego, que também teria de ser sustentado pela folha e no Brasil não é. Aí tiram um imposto que deveria ser da folha e colocam no faturamento. Eles não desoneraram, mudaram e agora voltaram atrás. Qual foi o impacto disso tudo? A tributação é um problema, porque gruda no custo de nossos bens. O câmbio ajuda na exportação, mas nem a desoneração nem o câmbio vão resolver a questão, porque temos um problema sistêmico de competitividade.
Nas questões que o Barat levantou, primeiro uma consideração sobre os nem-nem. No Brasil eles são um pouquinho diferentes, 70% deles são mulheres e 50% são mulheres com filhos. É a moça que engravidou e não tem como trabalhar. Para resolver a questão dos nem-nem, deveríamos ter uma política de amparo para essas mães. Bolsa Família e outros programas têm impacto na participação no mercado de trabalho, sem dúvida. É mais dramático ainda, porque no Brasil se consegue trabalhar sem se registrar, para não perder o auxílio.
Temos um problema de pobreza tão grande que o mercado não dá conta, precisamos de um programa, mas com portas de saída. Não foi só Lula, todos os políticos na América Latina descobriram que distribuindo se reelegem. Deixam a entender mais ou menos sub-repticiamente que, se não votarem de acordo, vão perder o auxílio. Foi o que se viu. Então precisaríamos acrescentar ao Bolsa Família a possibilidade de saída.

ZEVI GHIVELDER – A Justiça do Trabalho é realmente necessária? Se ela não existisse, qual seria a alternativa?

MARCOS AZAMBUJA – Quero reter duas ideias. A primeira me parece uma novidade brasileira, novidade perigosa, é a ideia de nós e eles. Dos movimentos recentes o que mais me inquieta é essa divisão. O Brasil sempre teve o gênero da ambiguidade, criar situações intermediárias, acomodações. A segunda, relevante também, é evitar a superposição de problemas, a ideia de que se eles se superpõem há um momento em que eles configuram uma situação. O que me impressiona muito no Brasil é que toda a área rural tem capacidade de organização patronal, os interesses são muito bem defendidos. A parte industrial é muito mais fragmentada, não tem isso. Nunca senti o mundo rural brasileiro órfão de lideranças articuladas e na indústria sempre há uma fragmentação regional ou temática. Vejo a situação se agravando por essas razões.

MANUEL HENRIQUE FARIAS RAMOS – Como vice-presidente desta Casa, sinto-me na obrigação de fazer a defesa da entidade patronal. O conflito entre capital e trabalho ao longo do tempo ficou absolutamente reconhecido. Mas é claro que é muito difícil para as empresas, diferentemente dos empregados. Elas trazem para a federação que as representa a competição do mercado, são concorrentes. É difícil manter a unidade que os trabalhadores têm, porque nossa filosofia de vida é outra. Mas é possível fazer coisas. Lula e a CUT [Central Única dos Trabalhadores] queriam fazer a reforma sindical, isso antes do mensalão, quando o PT tinha mais força. Aqui, na Fecomercio, montamos uma equipe, ficamos um ano trabalhando numa contraproposta, porque a PEC [Proposta de Emenda à Constituição] da reforma sindical era a nosso ver muito vertical, tipo peronismo. Tínhamos que combater isso, sensibilizando outras federações, comparecendo a audiências públicas. Fizemos isso e levamos uma proposta. A ideia era aperfeiçoar o sindicalismo, apenas regulamentando o artigo 8o. O projeto foi apresentado e com apoio de 400 entidades conseguimos implodir a intenção do PT e da CUT de fazer valer aquele regime vertical de domínio absoluto, muito conveniente para eles. O conflito de classes não é como se pensava no século 19, mas continua, pois os interesses são divergentes e conflitantes.

BARAT – O receio e a preocupação do embaixador não é com o conflito capital-trabalho, mas vai muito além disso, é o problema do nós contra eles, esse momento dramático que o país está vivendo. O embaixador lembrou também da capacidade brasileira de conciliação, de criar zonas de negociação e de diálogo que está se esgotando e está levando a impasses que transcendem a questão do capital e do trabalho.

AZAMBUJA – Estamos vivendo um momento peronista. Getúlio não era peronista, criou um sistema com ambiguidades, com situações intermediárias, o próprio esquema político dele, com UDN [União Democrática Nacional], PSD [Partido Social Democrático] e PTB [Partido Trabalhista Brasileiro], sugeria uma fragmentação. Nós agora caímos na armadilha peronista, camisados e descamisados, nós e eles. Isso leva a uma ruptura de solução muito difícil. Uma vez que os terrenos são demarcados e as posições entrincheiradas, não é fácil encontrar aquelas posições brasileiramente ambíguas, criativas, razoáveis. O gênio brasileiro sempre foi a falta de clareza, não somos um país cartesiano, mas um país que desmoraliza um pouco.

HÉLIO – Quanto à Justiça do Trabalho, se não existisse, as coisas funcionariam muito melhor. Ela é uma exceção, a regra é não haver isso, porque nos países que praticam a negociação a base do sistema está na empresa. Há dentro dela mecanismos para solucionar conflitos e essa é uma questão indigesta para o empresário brasileiro, pois quem representa o trabalhador é o sindicato.

NEY FIGUEIREDO – A solução que está sendo preconizada é simples e eficiente, é dar ao sindicato uma nova posição. Existem dois tipos de sindicato, o sindicato da empresa e o sindicato na empresa. Se o sindicato for na empresa, com representação eleita internamente, o diálogo, a conciliação, a mediação, tudo fica mais fácil.

HÉLIO – O que falta em nosso sistema é o reconhecimento da natureza conflituosa da relação. Uma relação conflituosa não significa que tenho de trabalhar todo dia com uma metralhadora a tiracolo. O sistema tem de construir mecanismos para solucionar essas divergências no nascedouro. Se tivéssemos mecanismos que promovessem o entendimento e permitissem que as pessoas contratassem, reformassem e terminassem o contrato, não precisaríamos da Justiça do Trabalho. Claro que há a questão das pequenas e das microempresas. Evidentemente, não vamos colocar um sindicato dentro de um botequim. Vamos criar mecanismos mais gerais para esses casos, mas o conceito é que a primeira tentativa de acerto tem de ser direta e com plenos poderes para resolver o conflito. No Brasil não é assim. O trabalhador assina, é despedido e vai reclamar com o juiz.
Quanto às entidades patronais, realmente é muito difícil compor uma posição única, porque a heterogeneidade é muito grande. Como disse, tem de ser um projeto, uma construção de longo prazo. Não dá para continuar jogando esse jogo.

CLÁUDIO CONTADOR – Dois pontos muito rápidos. Tenho visto muitas críticas sobre a mudança de cálculo do PIB. Só quero lembrar que isso estava previsto desde 2009. As mudanças são por devida classificação, mas também por inclusão de novos setores. Não é oportunismo político.
Segundo ponto: a questão da geração nem-nem é muito séria, porque a Europa, em particular a Espanha, vai ter uma geração que nunca trabalhou, com impacto nas gerações seguintes, pai e mãe nunca trabalharam.

FRANCISCO BARBOSA – Pelos dados apresentados, a média de aumento real do trabalhador tem sido relativamente baixa. É claro que isso tem relação com o crescimento do PIB, que também é baixo. Se incluíssem antes esses setores que não eram computados, já teria aumentado. Aliás, a taxa de crescimento média é baixa desde o começo dos anos 1980 pelo menos. Então o que me intriga é que os representantes dos trabalhadores brigam para criar renda, para instituir direitos artificialmente, mas não se incomodam com o que é fundamental para o aumento da renda, que é o crescimento da economia. Eles nem se queixam que estamos entrando numa grande recessão, não se importam. Criam um sistema extremamente caro para buscar migalhas e não se importam com o essencial. Como entender esse conformismo?
Minha tese é que o governo brasileiro, o PT basicamente, tem uma estratégia econômica de médio prazo, visando a próxima eleição. No começo de 2008 começaram a valorizar o câmbio para segurar a inflação e elevar a renda do trabalhador. Como isso estava se complicando, fizeram outros complementos, como o financiamento de habitação para gerar emprego. Sabiam que o câmbio ia dar problema de desindustrialização. Fizeram outras coisas para poder chegar à eleição de 2014 e quase não deu tempo, mas criou-se um quadro recessivo grave. A política para a eleição visava conter a inflação e manter o custo de vida artificialmente, a despeito de saberem que isso ia provocar uma grande recessão.
Hoje a política visa 2018. Estão seguindo Maquiavel, jogando todos os males em 2015. Inclusive escolheram alguém isento para dirigir a política econômica, para depois colocar alguém do PT para fazer a parte boa. A desvalorização atual do câmbio é provocada para fazer com que a indústria brasileira se torne competitiva. A recuperação tem de ser acelerada.

JOÃO TOMAS – No mercado de trabalho brasileiro há uma constante reclamação da qualidade de formação. Por outro lado, estamos vivenciando uma chegada de mão de obra estrangeira, que não está devidamente institucionalizada. Gostaria de saber qual o impacto disso, porque há pouca discussão a respeito. Em Portugal reclamam que muitos engenheiros saíram e agora, se houver crescimento lá, não haverá profissionais.

HÉLIO – O Francisco me fez pensar na miopia dos trabalhadores.

FRANCISCO – Na verdade, de muitos economistas também.

HÉLIO – Fiquei pensando se existem países em que os trabalhadores não são míopes desse jeito, onde eles, ao fazer um pedido de aumento salarial, preocupam-se com o impacto macroeconômico disso. Na verdade, os países da Europa têm um sindicalismo mais atento a essas coisas. Japão e Alemanha fogem um pouquinho desse modelo. Nos outros, que são países pequenos e que dependem da exportação, fica mais claro para o movimento sindical que a nação vai perder competitividade e eles vão perder o emprego se exagerarem na pedida. O Brasil é completamente diferente, é um país enorme com um comércio exterior muito pequeno. E muito heterogêneo. Então estamos muito longe de corrigir essa miopia dos trabalhadores, infelizmente, além do eterno conflito distributivo. Qual é a saída? Produtividade. O grande desafio é como aumentar a produtividade.
A pergunta do Tomas é sobre o jeitinho que está sendo praticado para conseguir que os trabalhadores mais qualificados possam ficar aqui. Outro dia, depois de muitos anos, fui passear no Bom Retiro e percebi muitas feições de bolivianos, pessoas da América Latina. Há uma forte imigração da América Latina, do Haiti, da África também. Mas não podemos perder de vista que o tamanho do nosso mercado de trabalho é de quase 100 milhões de pessoas – o formal passou de 50 milhões.
O impacto disso por enquanto ainda é muito pequeno. Para as empresas que contrataram engenheiros portugueses e espanhóis o impacto é muito grande, mas no geral não é. Esses anos de quase esgotamento da força de trabalho já sinalizaram que vamos provavelmente assistir, mais para a frente, a uma nova onda de imigração, assim como tivemos os escravos e depois os europeus. Se o Brasil voltar a crescer, aí teremos de resolver essa questão com regulamentação.