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É para ocupar

Paulo Faria, diretor da Cia. Pessoal do Faroeste, explica por que considera o teatro o lugar da expressão humana, universal e secular
 

Paraense radicado em São Paulo há mais de 20 anos, , o dramaturgo e diretor de teatro Paulo Faria criou uma relação intensa com a cidade, no ritmo que seu trabalho à frente da Cia. Pessoal do Faroeste foi crescendo. Antes das atenções estarem voltadas para a região central, Paulo e sua trupe aceitaram a empreitada de ocupar culturalmente o espaço: “Quando viemos pra cá era um lugar abandonado, em escombros humanos, todo mundo dizia que era loucura, que o público não iria. Era uma região doente que ainda está se recuperando, mas já saiu da UTI”, conta o diretor. Acompanhe o que pensa Faria no depoimento a seguir.

 

No centro

Há 25 anos estou em São Paulo, trabalhei profissionalmente como produtor de elenco, cenógrafo, figurinista, diretor de palco, ator, autor e diretor artístico. Nas vésperas de assumir a direção do teatro FAAP [teatro da Fundação Armando Álvares Penteado] e me formar na USP [Universidade de São Paulo], em Letras, abandonei tudo para fundar o Pessoal do Faroeste, há 18 anos. E há 16 anos passamos a estudar e produzir peças teatrais por meio de didática de montagem sobre a região da Luz. De lá para cá, além de outras peças, foram duas trilogias sobre essa parte da região do centro: Trilogia Degenerada (Re-bentos, Os Crimes de Preto Amaral e Labirinto Reencarnado) e Trilogia Boca do Lixo (Cine Camaleão, Homem Não Entra e Luz Negra.

Ao estudar a região central de São Paulo descobrimos como essa é a parte mais interessante da cidade e como ela foi abandonada. Decidimos arregaçar as mangas para ajudar em sua recuperação, requalificação, despertando na população um sentimento de pertencimento. Todo centro é o coração de uma cidade e sem o coração não vivemos, não humanizamos essa relação urbana.

 

Efervescência

O público respondeu positivamente a essa ação e ocupou com a gente a Rua do Triunfo, a Boca do Lixo, a rua do cinema paulistano. O público começou a frequentar o local e 15 coletivos de arte ocuparam o prédio ao lado do Teatro do Faroeste, o “Ateliê Amarelinho”. Antigo ateliê da Maria Bonomi (artista visual), estava desativado, e recebemos o convite do seu proprietário para ocupá-lo. Levamos para ali os coletivos na intenção de provocar a efervescência de artistas que aquele lugar teve num passado recente.

Está prevista para o aniversário de São Paulo, neste ano, a entrega da reforma do Largo General Osório, em parceria com a SP Urbanismo, Secretaria de Direitos Humanos e Secretaria de Cultura do município. A reforma possibilitará a ocupação artística desses coletivos, além da Escola de Música Tom Jobim. A Cia. Pessoal do Faroeste também é curadora no projeto Luz Solar, no programa de Braços Abertos com usuários de crack. A ideia é trabalhar com toda a população do entorno.

Atualmente, a Cia. desenvolve um projeto, Cartografia Afetiva do Quadrilátero do Pecado, para conhecer melhor o entorno e aproximar nossas ações dessa população. Esse projeto é patrocinado pela Lei de Fomento ao Teatro para a Cidade de São Paulo; esse é o sétimo edital em que a Cia. é contemplada. Hoje não conseguimos mais separar estética e política de nossas propostas artísticas. Por essa e tantas outras ações socioculturais, faço parte do Conselho Consultivo da Ouvidoria do Estado de São Paulo.

 

Cena potente

Hoje o movimento dos grupos de teatro independente é onde há investigações potentes no fazer teatral. E em São Paulo é ferramenta para a requalificação de vários lugares, no Centro – como aconteceu como a Praça Roosevelt – ou na periferia da cidade.

E mais do que o teatro independente, os grupos de teatro é que atingiram um momento maravilhoso de produção e organização. Os grupos nunca foram tão sólidos e presentes na cidade como agora. Graças à Lei de Fomento e, mais recentemente, à Lei Zé Renato, que atinge também o pequeno e médio produtor. São Paulo é a única cidade brasileira que possui duas leis municipais destinadas à produção teatral.

É possível perceber o impacto do nosso trabalho. Basta ver o que aconteceu aqui [na região central]. Quando viemos para cá era um lugar abandonado, em escombros humanos, todo mundo dizia que era loucura, que o público não iria. Era uma região doente que ainda está se recuperando, mas já saiu da UTI. E isso aconteceu de uma forma humana, simplesmente com o diálogo com todos, com respeito. Sem precisar de polícia, dessa ideia falida de segurança.

O teatro tem essa dimensão. É um lugar da expressão humana, universal, secular, e quando esse direito à cultura está alinhado com os preceitos universais de direitos humanos, não há como não dar certo. O teatro não é nosso, é dos homens e mulheres, é irresistível. Portanto, a melhor ferramenta para descortinarmos cidades invisíveis e reabitá-las.

Acabamos de estrear TempoNorteExtremo, uma peça documental sobre a guerra que o jornalista Lúcio Flávio Pinto vive na Amazônia. Em novembro aconteceu a reestreia do espetáculo Luz Negra, e as duas montagens seguem juntas até abril de 2016. Estaremos em cartaz de segunda a segunda. Lembrando que nossos ingressos são no sistema “pague quanto puder”. Em abril pretendemos começar a filmar o meu texto A Mulher Macaco, com Mel Lisboa, David Cardoso, Nicole Puzzi e um grande elenco.