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Exportação, a tábua de salvação

Aviões da Embraer: presença mundial / Foto: Paulo Fridman/Pulsar Imagens
Aviões da Embraer: presença mundial / Foto: Paulo Fridman/Pulsar Imagens

Por: CARLA CAMARGO

Vender para outros países tem sido uma excelente saída para as empresas decididas a continuarem firmes no mercado não obstante a retração econômica que aflige o país. Com previsão de diminuição do Produto Interno Bruto (PIB) de 3% em 2015 e de algo redor de 1% a 1,4% em 2016, cada vez mais os empreendedores brasileiros têm olhado para fora a fim de alcançar novos patamares de expansão. Não é de se admirar que as empresas de capital nacional, principalmente as de pequeno poder de fogo e que estão entre as mais afetadas pela crise, nunca tenham exportado tanto. Segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, em 2014 as micros, pequenas e médias companhias registraram um aumento de 9,3%, sobre 2013 no valor total de mercadorias embarcadas ao exterior. Apenas no primeiro semestre de 2015, avançou em cerca de 13% o total de empreendedores que realizaram algum negócio fora do Brasil, de acordo com dados da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex). 

O “Ranking das Multinacionais Brasileiras de 2015”, elaborado pela Fundação Dom Cabral, instituição de educação executiva de Belo Horizonte, mostra que 53,2% das 62 empresas analisadas abriram novas unidades no exterior em 2014. “Sem dúvida, é um número impressionante. A crescente internacionalização dos negócios brasileiros tem acontecido, em grande parte, porque o mercado externo aponta para uma recuperação da crise mundial, enquanto internamente a economia apresenta desafios”, comenta Lívia Lopes Barakat, professora e gerente de Projetos Internacionais daquela escola. “O movimento de procurar novos mercados no estrangeiro deve prosseguir em 2016”, ela diz.

Para boa parte dos empresários, o cenário econômico brasileiro é um dos principais motivos que têm levado a uma busca maior pelas exportações. O dólar nas alturas é outro argumento favorável. Quase um terço dos empreendedores ouvidos pelos pesquisadores da Fundação Dom Cabral disse que as dificuldades na economia tiveram impacto na decisão de aumentar as vendas para fora do país. Desses, muitos se revelaram satisfeitos com os bons resultados conquistados no plano internacional.

Entre as grandes empresas, alguns dos destaques ficam por conta da Braskem, Duratex, Embraer e Marfrig. Parte delas iniciou ou incrementou a atuação em regiões como a América Latina, Ásia e Oriente Médio, a exemplo da Duratex, produtora de louças, materiais sanitários e painéis de madeira, que adquiriu o controle de uma indústria na Colômbia em 2014, a Tablemac, investida que ajudou a reforçar a presença da companhia no cenário internacional. Por sua vez a Braskem, atualmente líder na fabricação de resina da América Latina e a sétima maior do mundo nesse segmento, esperava finalizar no final de 2015 a construção de um complexo petroquímico no estado de Veracruz, no México, que demandou investimentos de US$ 5,2 bilhões. O plano é produzir no local cerca de 1,05 milhão de toneladas de resina de polietileno por ano.

A Embraer, uma das empresas brasileiras de maior atividade no exterior, criou uma joint venture nos Estados Unidos para fornecer o jato Super Tucano para a Força Aérea Americana. No primeiro trimestre de 2015, a empresa registrou um recorde no valor de contratos assinados com compradores externos, e as novas vendas somaram mais de US$ 22 bilhões. No acumulado do primeiro semestre de 2015, os acordos firmados para entregas de aeronaves chegavam a US$ 45 bilhões, e os negócios foram fechados com numerosos países, entre eles a China, por exemplo. Em relação à Europa, a Embraer também prevê uma forte demanda, tendo a expectativa de sacramentar mais de 1.500 novas entregas de seus modelos de aviões para aquele mercado ao longo dos próximos 20 anos, gerando receitas ao redor de US$ 72 bilhões.

Muitos desafios

Outra grande empresa, a Marfrig, terceira maior produtora de carne bovina do planeta, com receita líquida de mais de R$ 23 bilhões anuais e presente em 80 países, apostou nas exportações à América Latina (como Argentina, Chile e Uruguai), e incremento das vendas para Arábia Saudita e China. A previsão era de que a unidade Marfrig Beef, responsável por mais da metade do faturamento do grupo, iria expandir a sua atuação no exterior em cerca de 13% no decorrer de 2015. “A Marfrig é uma das empresas brasileiras que mais tem se posicionado internacionalmente, com todas suas unidades de negócios externos apresentando crescimento”, destaca Lívia.

O caminho para as exportações, no entanto, não é livre de desafios. Criar produtos de alto valor agregado, que compensem os custos com as vendas lá fora, e a logística de embarque são dois deles. Também é preciso lidar com a burocracia envolvida no processo relativo ao comércio exterior tanto no Brasil quanto nos países para os quais se deseja vender, assim como implementar, quando necessário, adaptações culturais. Para as empresas de menor porte, muitas vezes as exigências são até maiores. Grande parte dos empreendedores opta por analisar cuidadosamente o caminho da exportação antes de definir um planejamento estratégico internacional. “Por vezes, exportar implica também na reformulação de produtos ou serviços da empresa”, observa a professora da Dom Cabral.

A Docile, fabricante de doces de Lajeado, no Rio Grande do Sul, criou linhas especiais de produtos com vistas a emplacá-los no mercado internacional. A empresa produz balas de gelatina colorida, pastilhas com sabor de fruta e produtos à base de marshmallow, entre outros itens, com foco especial no mercado de festas em outros países. “Os estrangeiros adoram as cores e os sabores de frutas”, conta Cristian Ahlert, representante de exportações da Docile. “É preciso ter também um cuidado especial com as embalagens e fazer vários lançamentos, para manter atualizado o catálogo de novidades”.

Hoje, 15% do faturamento da companhia gaúcha vem das vendas para mais de 50 países. “Trata-se de um resultado considerado bastante representativo, que pode melhorar ainda mais”, afirma Ahlert. A participação em feiras internacionais, investimentos em marketing e inovações em embalagens e na criação de novos produtos têm sido as principais estratégias da Docile. A empresa também busca certificações internacionais com o propósito de abrir as portas dos mercados. Recentemente, ela obteve o “Halal”, um certificado fornecido pelo Centro Islâmico no Brasil e fundamental para a comercialização de alimentos principalmente com os países do Oriente Médio. Com isso, se intensificaram as vendas para a região. “O plano de expansão, desenhado há alguns anos, prevê o crescimento das exportações”, salienta Ahlert, frisando que “vender ao exterior também é uma maneira de garantir a saúde dos negócios, porque a empresa passa a não depender apenas do mercado interno”. 

No curto e médio prazo, o comércio exterior deve representar 20% do faturamento total da Docile, que vem realizando importantes operações para viabilizar esse objetivo. Atualmente, 65% das exportações são realizadas para a América Latina e América do Norte, enquanto o restante segue para a Europa e outros continentes. Para diminuir custos com logística e estar geograficamente mais próxima dos mercados compradores, agora no tocante ao Brasil, a companhia está construindo uma fábrica em Pernambuco, próxima ao Porto de Suape, em Jaboatão dos Guararapes, em área de 2 mil metros quadrados.

Outra empresa do segmento de doces, a Sodiê, especializada em bolos artesanais, também pretende ingressar no mercado internacional. Fundada pela empreendedora Cleusa Maria da Silva, uma ex-empregada doméstica e boia-fria, em Salto, no interior de São Paulo, a marca vem passando por um forte processo de expansão. Em 2007, a Sodiê lançou o sistema de franquia, e, dois anos depois, já estava à frente de uma rede de 50 lojas em São Paulo – hoje elas já somam mais de 200. Cleusa vem estudando há algum tempo a internacionalização da empresa com o propósito de ampliar a fonte de receita e fortalecer seu crescimento. A meta é abrir as primeiras unidades da Sodiê nos Estados Unidos, plano que poderá ser executado já este ano. “Preferi analisar bastante o mercado externo e estudar algumas particularidades antes de dar início às operações internacionais”, diz Cleusa.

Negócios com piscinas

Uma das principais dificuldades foi definir quais ingredientes seriam utilizados fora do Brasil – alguns itens importantes no preparo de bolos, como leite condensado e creme de leite, dificilmente são encontrados nos Estados Unidos e mesmo em outros países. Para não comprometer o sabor dos doces e a padronização, a empreendedora optou por levar daqui os ingredientes para as unidades que serão abertas fora do Brasil. “Vamos fazer os produtos lá de um jeito bem brasileiro, e não apenas adaptá-los”, diz ela.

Segundo a Apex, o segmento de doces é um dos que têm encontrado maior receptividade no mercado externo. O nicho de bebidas típicas, como cachaça e café, também oferece boas oportunidades para as empresas brasileiras. Itens de moda, como roupas e sapatos, são outro segmento atrativo. “Produtos que de alguma forma refletem a imagem do Brasil no exterior, de um lugar agradável, com muito sol e alegria, têm mais chance de conquistar o consumidor estrangeiro”, ressalta Lívia.

Um dos casos de marcas brasileiras com maior sucesso internacional é o da Igui Piscinas, empresa, que partiu para a franquia há apenas 8 anos e hoje opera com 360 unidades no Brasil e 180 no exterior. Lá fora está presente, por exemplo, na Argentina, em Aruba, na Bélgica, em Curaçao, nos Estados Unidos, na Itália, na Jordânia e no México, mercados nos quais são comercializadas piscinas em fibra de plástico e outros materiais. Para facilitar as vendas no estrangeiro, a Igui opera fábricas na Argentina, no México, em Portugal e em alguns outros países, e, no ano passado, inaugurou um escritório em Miami, nos Estados Unidos. “O mercado americano de piscinas é o maior do mundo, por isso vamos reforçar nossa presença lá”, relata Filipe Sisson, diretor e fundador da companhia. “As vendas externas são importantes para o faturamento da empresa e é um dos motivos pelos quais não estamos sendo tão afetados pela crise”, diz. A Igui esperava crescer em 2015, em faturamento, cerca de 10%.

A história da empresa começou em 1995, na pequena cidade de Gravataí, no Rio Grande do Sul, como um negócio familiar. Por um bom tempo, os negócios se concentraram no sul e sudeste do país; todavia, aos poucos a gestão foi sendo profissionalizada e as vendas começaram a crescer. E as exportações, que sempre fizeram parte do planejamento estratégico da empresa, não demoraram em acontecer. “Talvez pela proximidade geográfica da Argentina, percebemos rapidamente que fincar raízes no exterior seria algo que só nos traria bons frutos, até porque não ficaríamos reféns do mercado interno”, diz Sisson. A empresa realiza constantemente pesquisas de mercado para descobrir carências do setor e desejos dos consumidores fora do Brasil. A meta da empresa é que, nos próximos anos, as exportações passem a representar 30% da receita anual, 50% mais que o índice atual. “É um resultado excelente”, diz Sisson. A empresa é considerada uma das franquias brasileiras com maior presença no exterior. 

Para escapar da crise, empresas do setor de serviços também têm procurado incrementar o desempenho no exterior. É o caso da Emagrecentro, rede de clínicas de estética criada há quase 30 anos pelo empreendedor Edson Ramuth, de São Paulo, e que oferece pacotes de tratamentos para emagrecer, com supervisão de nutricionistas, e terapias estéticas voltadas para a classe média. “Os preços são acessíveis, e várias unidades estão localizadas em bairros de menor poder aquisitivo”, diz o empresário. A empresa, que está presente em quase todo o país, deu início recentemente ao processo de internacionalização, em grande parte devido às oscilações da economia brasileira. “Está ficando cada vez mais difícil e temerário contar apenas com o mercado interno devido a instabilidades de toda ordem”, argumenta Ramuth. A primeira unidade da marca fora do Brasil foi aberta em 2015, na Colômbia, nova opção das empresas brasileiras desejosas de exportar – o PIB daquela nação avançou 4,6% em 2014, e, em 2015, a expectativa é que o crescimento tenha sido de 3%. “A economia lá tem demonstrado bons resultados e exercido forte atração sobre o empresariado brasileiro”, acentua o fundador da Emagrecento.

Ao pesquisar o mercado americano, o empresário também descobriu que há oportunidades para clínicas de estética, principalmente na Flórida. “A maior demanda deve acontecer por parte das consumidoras de origem hispânica, mais preocupadas com a vaidade”, explica. No curto e médio prazo, a rede de clínicas de estética brasileira deve abrir unidades também no México e no Peru. “Nos próximos anos, as receitas geradas no exterior devem pesar sobremaneira no nosso faturamento”, estima Ramuth.

 


 

Commodities na frente

Em 2014, as exportações brasileiras vivenciaram um fenômeno curioso: 19.234 empresas realizaram vendas para o exterior, 425 a mais do que em 2013, e o valor total exportado chegou a US$ 225,1 bilhões. Houve uma redução em volume de recursos gerados em relação a 2013, quando o Brasil vendeu em mercadorias US$ 242 bilhões, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. A queda nas vendas é atribuída a uma retração no valor das commodities em decorrência do aumento da produção mundial desses itens – e, consequentemente, a diminuição de seus preços. Afora isso, teve a queda da demanda por parte da China, para quem o Brasil exporta boa parte dos produtos embarcados para o exterior.

Não parece, mas cerca de 60% de nossas vendas internacionais são de commodities, e os principais itens comercializados pelo Brasil com os importadores são a carne in natura, o milho, o minério de ferro e o de alumínio e a soja. Os minérios, o petróleo e a soja representam, juntos, 30% das exportações. “Historicamente, o Brasil é um país que exporta bens primários”, diz Fabio Faria, vice-presidente executivo da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB). “O preço desse tipo de item, que tem valor unitário baixo, é determinado pela produção e demanda mundial. São produtos que os países compram baseado em preço, e não em qualidade ou tecnologia, como acontece com artigos industrializados e de maior valor”.

Os chamados produtos manufaturados respondem por cerca de 30% das nossas exportações – não se trata de itens de alto valor agregado, mas sim daqueles que passaram por algum tipo de processamento, como o açúcar refinado, alumínio em barra, café solúvel, etanol, gasolina, laminados de ferro e aço, óleo combustível, papel, suco de laranja, entre outros. “Falta uma política de industrialização e exportação ao país, que nenhum governo resolveu abraçar e levar adiante. É temerário ficar dependente das cotações internacionais e da China, um dos maiores compradores de matéria-prima do mundo”, diz Faria. A estimativa é que o preço de algumas matérias-primas, como do minério de ferro, continue caindo – um dos principais importadores do produto, mundialmente, é a China, cujos investimentos no setor de construção civil, para obras de infraestrutura, não deverá se expandir no mesmo ritmo de anos anteriores, segundo economistas. Em quatro anos, entre 2010 e 2014, o preço do minério de ferro caiu cerca de 70%. “A China é um espelho de como funciona nossa balança comercial. Vendemos matéria-prima para os chineses e compramos deles produtos industrializados, de alto valor agregado”, observa Faria.