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Batatinha quando nasce...

Não é uma campeã de vendas, mas tem presença garantida nas  feiras livres / Foto: Orlando Maver
Não é uma campeã de vendas, mas tem presença garantida nas feiras livres / Foto: Orlando Maver

Por: MIGUEL NÍTOLO

O Brasil é um dos mais importantes produtores mundiais de alimentos, tendo, nos últimos tempos, avançado na modernização do campo, e, como tal, subido à condição de estrela no ramo do agronegócio. Somos grandes plantadores e destacados consumidores; todavia, certos itens que marcam presença em nossas mesas não ocupam posição de realce na pauta de ofertas da agricultura nacional em comparação com o resto do mundo. Um exemplo? A batata, tubérculo comestível ranqueado entre os alimentos mais consumidos no planeta – atrás do arroz, do trigo e do milho – e rico em vitaminas B1, C e sais minerais (especialmente ferro, magnésio e potássio). O fato é que, ao contrário do arroz e do feijão, da carne, do ovo, do tomate e das verduras em geral, e apesar de não reunir desafetos entre os comensais nativos, a batata, ou Solanum tuberosum L., seu nome científico, não tem frequência diária no cardápio de boa parcela das donas de casa. Isto no Brasil, porque em muitos países, como Inglaterra e Irlanda, é a base da alimentação ao lado, por exemplo, da carne, da farinha, dos legumes, da manteiga, do ovo e do peixe.

Na realidade, mais de 70% da população planetária consome a hortaliça diariamente, fazendo com que a oferta global do produto, hoje ao redor de 330 milhões de toneladas, cresça praticamente todos os anos. A produção brasileira, a 23ª no ranking global, conforme a Associação Brasileira de Bataticultores (Abba), participa com menos de 1%, colocando no mercado, anualmente, entre 2,5 milhões e 3 milhões de toneladas, segundo Natalino Shimoyama, gerente daquela entidade. Ou, 3,67 milhões de toneladas já em 2014, conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A China – seguida por Índia, Rússia e Estados Unidos – é o maior representante desse setor, respondendo por 30% da colheita da bataticultura mundial com a produção de 100 milhões de toneladas anuais (número de 2014). E deve avançar ainda mais se os objetivos das autoridades de Pequim forem doravante atendidos. A ideia é elevar o consumo de batata, transformada nos últimos tempos em alimentação básica da nação, uma necessidade ante o tamanho da população chinesa, de aproximadamente 1,4 bilhões de almas, e da crescente redução da terra arável (especialistas do governo local utilizam como argumento a favor do tubérculo o fato de que ele “é mais resistente que o arroz e demais grãos”).

O consumo per capita da hortaliça pelos conterrâneos de Xi Jinping ainda é baixo, em torno de 36 quilos – 3,5 mais que o do Brasil, porém, quase dez vezes menos que o de Belarus no Leste Europeu (338 quilos), o maior consumidor (população de somente 9,5 milhões de habitantes) –, mas deverá encorpar nos próximos anos e exigir maior empenho dos 6 milhões de bataticultores do país. O plano da China é dobrar a área de cultivo (atualmente de 5,3 milhões de hectares) até o final da década, passando a ocupar com a plantação de batatas um território do tamanho da Coreia do Sul. A meta, na realidade, é colher 300 milhões de toneladas até 2020, chegando, portanto, bem perto da atual produção mundial. Além dos usos tradicionais da batata, os chineses tencionam empregar a fécula do vegetal na produção de macarrão e pão, dois alimentos largamente consumidos no país do mandarim.

Enquanto isso, no Brasil, a bataticultura vive uma situação diametralmente oposta. “No passado, o setor contava em todo o país com mais de 40 mil produtores e 150 mil hectares de área cultivada; hoje, eles não passam de 5 mil e o plantio agora ocupa pouco mais de 100 mil hectares”, conta Shimoyama. Ele diz que o consumo per capita, que era de 15 mil quilos de batata fresca, despencou para apenas 10 mil quilos. E faz comparações. “O Peru, de onde o tubérculo se esparramou para o mundo, tem 700 mil plantadores e o consumo médio anual é de 85 quilos por pessoa, demanda semelhante à dos Estados Unidos e da Europa”, relata. Ele assinala, todavia, que a redução da área plantada foi acompanhada pelo incremento da produtividade, pela substituição de algumas variedades e pelo aprimoramento das tecnologias relacionadas, por exemplo, à irrigação.

“Vai frango, vem batata”

O Brasil tem feito avanços na área. Empenhados em acelerar a oferta do tubérculo em seu país, pesquisadores chineses empreenderam, em 2014, uma visita a bataticultores de Itararé, no Vale do Ribeira, em São Paulo, com o propósito de conhecer o plantio a partir do broto da batata, uma técnica que tem a virtude de elevar a produtividade e evitar o surgimento de doenças. O método, que data dos anos 1980 e cuja aplicação no campo tem contado com o apoio de um instituto de pesquisa do município e do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), valorizou o broto do vegetal, sempre tratado como descarte. A técnica brasileira entusiasmou os visitantes. E não é para menos. No plantio convencional, cada semente gera, em média, dez batatas, que, por sua vez, dão origem a dez brotos cada uma. Plantados, cada broto pode produzir três batatas. Trocando em miúdos: um único tubérculo produz brotos capazes de gerarem até 30 batatas, um negócio da China para os chineses, que ainda não dominam todas as técnicas de plantio da hortaliça.

A despeito dessas conquistas, o setor amarga no Brasil uma série de entraves que vão além da queda na área cultivada e do consumo, percalços que contribuem para tolher a expansão da oferta e dificultar a colheita de bons resultados. Shimoyama cita a inexistência de novas regiões para a expansão do cultivo (é essencial a disponibilidade de água e temperatura amena), as doenças (bactérias, fungos, insetos e nematoides) e a retração de consumo motivada pela política de preços praticada por grandes redes de varejo (“pagam pelo quilo R$ 0,20 e vendem por R$ 4”). Não é apenas isso. O comandante da Abba diz que o pior de todos os problemas está relacionado à política do governo para o campo. “Há um certo desprezo com as cadeias produtivas destinadas ao abastecimento do mercado interno, a exemplo do alho, da batata, da cebola, da cenoura, do tomate, das folhosas e de alguns frutos. É muito comum o governo utilizar esses produtos – cuja produção gera milhões de empregos e é a base da genuína agricultura familiar – como moeda de troca em acordos comerciais internacionais: vai frango, vem batata; vai soja, vem alho etc.”

O Brasil não exporta batatas (esporadicamente vende para o Uruguai), porém, importa 300 mil toneladas de pré-fritas congeladas todos os anos – um salto e tanto ante as 115 mil toneladas de 2010 –, o equivalente, de acordo com os cálculos de Shimoyama, à produção de 20 mil hectares. “São compras desnecessárias, pois reunimos todas as condições para abastecer o mercado interno”, lastima-se dizendo que, apesar de ser um dos únicos países em que é possível plantar e colher diariamente e produzir para abastecer o mercado interno e, se necessário, exportar, “inacreditavelmente trazemos batata do exterior, principalmente daquela modalidade”.

As pré-fritas congeladas, que o país importa, principalmente (números de 2013) da Argentina (52%), da Bélgica (25%), da Holanda (18%) e da Alemanha (3%), é uma das coqueluches das lanchonetes, apesar de também ser comercializada pelo varejo. No caso do consumidor de supermercados, segundo os especialistas, cresce o número de donas de casa, em especial as que trabalham fora, que fazem a opção pela batata congelada, fornecida já descascada, em detrimento do produto in natura. O consumo nacional de batatas pré-fritas congeladas pode ter chegado a 388 mil toneladas em 2014, um avanço de 4,8% em relação a 2013, e a 440 mil toneladas em 2015 (projeção), uma expansão de 13,4% em comparação com o ano anterior. É um mercado que (batatas chips, onduladas, lisas, palha e congeladas), ao contrário de numerosos outros segmentos, se encontra em franco crescimento, com vendas anuais em torno de R$ 1,5 bilhão.

Quinze regiões

Várias empresas estão investindo no processamento industrial do tubérculo no país, e um dos exemplos é o da Bem Brasil Alimentos, que se apresenta como o maior fabricante 100% brasileiro do setor. Fornecedora de pré-frita congelada e flocos desidratados de batata, a empresa – instalada no município mineiro de Araxá – tem capacidade anual de produção de 100 mil toneladas. Com a inauguração de uma segunda fábrica até o final do ano em Perdizes, a 65 quilômetros de Araxá, a companhia deverá elevar sua capacidade de processamento anual para 250 mil toneladas.

Minas Gerais não é apenas a base de operação da Bem Brasil e de outras firmas produtoras de pré-fritas congeladas. Também desponta como o maior produtor nacional de batatas, com uma oferta anual superior a 1,2 milhão de toneladas em área cultivada de 38,6 mil hectares. A região do Alto do Paranaíba, no centro-oeste do estado e que abriga mais de uma dezena de municípios – entre eles, Araxá, Ibiá, Perdizes, Santa Juliana, São Gotardo, Sacramento, Serra do Salitre e Tapira, por exemplo –, responde por 51,33% da bataticultura mineira. O ponto em comum dessas localidades é a altitude média, entre 800 e 1.350 metros, e a possibilidade de estender o cultivo por todo o ano.

Bahia, Goiás, Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo também são grandes produtores com plantios que se distribuem por quinze regiões, um quadro que vem de longa data e não tem experimentado mudanças significativas nos últimos anos. As elevações de preço do tubérculo vez por outra estimulam o plantador a investir na ampliação da área plantada, como aconteceu nos últimos meses do ano passado no estado de São Paulo com o valor de mercado da batata-inglesa. Pelo mesmo motivo, a colheita dessa variedade em solo mineiro pode ter registrado crescimento de 10% na safra das águas diante de idêntico período de 2014. O atraso no início do plantio em razão das chuvas, que chegaram mais tarde, não minou a expectativa dos bataticultores, que vinham animados justamente pela alta dos preços.

A história da batata remonta há 7 mil anos (ou há 8 mil, segundo alguns pesquisadores), e, até onde se sabe, ela se originou na Cordilheira dos Andes, entre a Bolívia e o Peru, tendo, a partir dali, dada a volta ao mundo pelas mãos dos primeiros colonizadores. Aqui, ela chegou no século 18 trazida pelos ingleses, que vieram ao país para construir as primeiras ferrovias nacionais, e como já haviam incluído o tubérculo em suas refeições, acabaram popularizando o alimento entre os brasileiros (a variedade “batata inglesa” ganhou esse nome em razão dos hábitos alimentares dos visitantes). As primeiras plantações da hortaliça começaram pelo sul do país, estendendo-se, paulatinamente, a outros cantos até estabelecer-se como cultura de escala nos estados que hoje lideram sua produção. Há exemplos curiosos de lugares onde o tubérculo experimentou grandes saltos como produto agrícola, mas foi perdendo força com o correr dos anos. Esse é o caso de Passa Quatro, município mineiro que em outros tempos chegou a ser reverenciado como o principal fornecedor de batata certificada do sudeste do Brasil, situação que não é a mesma hoje, fazendo parte do passado.

Num dia os números que medem o comportamento do setor avançam; noutro, recuam. Todavia, uma coisa é certa: a batata é um alimento indispensável. A Abba informa que nutricionistas da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO, na sigla em inglês), garantem que uma dieta composta de batata e leite poderia suprir, em caráter de emergência, todos os nutrientes de que o organismo humano precisa para se manter. “A batata apresenta, na média, 2,1% de proteína total, correspondente a 10,4% do peso seco do tubérculo”, esclarece a entidade brasileira. “Isso pode ser excelente, considerando que os valores, nos casos do trigo e do arroz, por exemplo, é 13% e 7,5%, respectivamente.” Também explica que a batata pode render em torno de 300 quilos de proteínas por hectare “contra 200 quilos do trigo e 168 quilos do arroz”.

São muitos os tipos de batatas cultivados no Brasil, com destaque para as variedades Ágata, Almera, Amorosa, Asterix, Atlantic, Bintje, Canelle, Chipie, Colorado, Emeraude, Florice, Fontane, Gredine, Maranca, Markies, Monalisa, Mondial, Opaline e Sinora. Já na Cordilheira dos Andes somam mais de 4,2 mil as variedades conhecidas, algumas delas com formatos que fazem lembrar o caju, a mandioca e a pera.

 


 

Para mais e para menos

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que a produção de batatas no Brasil não segue uma linha ascendente, como era de se supor. O Nordeste, em 2014, colheu 173.442 toneladas depois de já ter tirado do solo 245.179 toneladas em 2013 e 344.039 em 2011. O Centro-oeste, por sua vez, produziu em 2014 o equivalente a 210.764 toneladas, oferta inferior a 2011 (311.032 toneladas), a 2010 (294.415) e a 2009 (232.250).

O panorama não é muito diferente nas duas maiores regiões produtoras, mas aqui os picos para mais e para menos têm pouca representatividade. No Sul, por exemplo, a colheita em 2014 cravou em 1.326.037 toneladas, a maior de todos os tempos e não superada por nenhum resultado anterior. O mesmo se pode dizer da produção do Sudeste, que alcançou 1.965.368 toneladas em 2014, colheita que só perdeu para a oferta de 2012, da ordem de 1.988.758 toneladas.

Em relação à área cultivada, as oscilações são mais acentuadas. Em 2014 ela era de 4.490 hectares no Nordeste, depois de já ter chegado a 6.318 hectares, em 2013, e a 9.976, em 2011. Em 2014, os bataticultores do Centro-oeste utilizaram 5.271 hectares contra 8.932, em 2013, e 7.898, em 2007. No Sul os números divulgados pelo IBGE falam em 53.612 hectares em 2014, uma quebra de 10 mil hectares em relação a 2004. E no Sudeste, a maior região produtora, a área cultivada era, em 2014, de 67.357 hectares, número inferior aos resultados anuais de 2004 para cá.

 


 

A batata vai a Marte

O filme é um grande sucesso tanto pelo enredo e interpretação, quanto pela atualidade do tema. Perdido em Marte, estrelado por Matt Damon (vencedor em janeiro deste ano do Globo de Ouro nas categorias melhor filme e melhor ator de comédia ou musical), uma espécie de Robinson Crusoé da era espacial, foi filmado em parte no deserto vermelho da Jordânia, país do Oriente Médio entre a Arábia Saudita, a Cisjordânia, o Egito, o Iraque, Israel e a Síria, região que guarda semelhanças com o solo do vizinho planeta conforme fotos feitas pelas sondas enviadas para lá pela National Aeronautics and Space Administration (Nasa). Na pele do botânico Mark Watney, o ator Damon procura retratar como seria a vida naquele inóspito corpo celeste, um lugar de atmosfera rarefeita e onde a vida não seria fácil para o homem.

Watney é um dos astronautas de uma missão ao planeta vermelho. Dado como morto numa tempestade, é abandonado em Marte pelos companheiros. Com poucos suprimentos e esperançoso de um dia ser trazido de volta, coisa que efetivamente só acabaria acontecendo dois anos mais tarde, ele se vê obrigado a colocar em prática sua engenhosidade para produzir água e cultivar batatas num planeta sem vegetação. Coisa de cinema?

Perdido em Marte, segundo gente conhecedora das peculiaridades daquele planeta, contém algumas imprecisões, mas no caso das batatas, a investida de Watney para saciar a fome encontra ressonância nos estudos conduzidos pela Nasa com o propósito de enriquecer a alimentação dos astronautas que, na próxima década, pisarão em solo marciano pela primeira vez. A ideia é fazer o tubérculo germinar a 227 milhões de quilômetros (tomando por base a distância entre o Sol e Marte), projeto que, se der bom resultado, abrirá uma janela de possibilidades às futuras missões tripuladas. A agência americana tem levado tão a sério a proposta que, em parceria com um centro de pesquisas do Peru, faz estudos para descobrir como a hortaliça se desenvolveria em Marte. As duas instituições trabalham com batatas peruanas, que são cultivadas a título de experimento em um deserto sul-americano de solo vulcânico que, assim como o quarto planeta do sistema solar, não dá abrigo a nenhuma forma de vida.