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Foto: Rafael Pimenta
Foto: Rafael Pimenta

Remanescente da formação original da Banda de Pífanos de Caruaru, Sebastião Biano continua a se apresentar pelo país tocando o seu pife

Único remanescente da formação original da Banda de Pífanos de Caruaru, Sebastião Biano (Seu Biano) continua a se apresentar pelo país tocando o seu pife – instrumento similar a uma flauta transversal. Começou a se envolver com música brincando e descobriu a vontade de tocar pife acompanhando o pai na roça. A Banda de Pífanos de Caruaru foi criada nos anos 1920 e tem matriz familiar, composta pelo pai de Seu Biano, tios e irmãos.
Dando sequência à caminhada da Banda de Pífanos, Seu Biano começou uma nova empreitada ao lançar seu primeiro álbum solo, Sebastião Biano e seu Terno Esquenta Muié (Selo Sesc, 2015). Com quase 97 anos, o instrumentista mantém uma agenda de shows equilibrada, mas constante, sem se abater pelo cansaço: “Levo esse trabalho e as pessoas estão me procurando muito. Chega convite, chega homenagem. Eu não acho ruim, não. Porque sou conhecido no mundo. Tanto aqui quanto nos países do povo do outro lado”, diz. Acompanhe trechos da conversa.


Cantor e tocador

O que posso contar é o começo da minha vida. Nasci no dia 23 de junho de 1919, vou fazer 97 anos. Ainda criança, aprendi a tocar o meu instrumento, que é o pífano, com 5 anos de idade. Meu pai nasceu num lugar que não tinha nada de música, só era assim: quem sabia cantar era cantor e quem sabia tocar era tocador. Não tinha outro. O compasso era ditado por quem fazia música. Eu, na minha parte, andava atrás dele, naquele compasso. Comecei a tocar e fazer música imitando o canto do passarinho. Foi o começo de tudo. Nunca mais paramos de cantar.

Disco novo

No disco novo – Sebastião Biano e seu Terno Esquenta Muié (Selo Sesc, 2015) –, só têm duas músicas com voz, quase tudo é instrumental e com história, tem mais história do que música no disco.

Levo esse trabalho e as pessoas estão me procurando muito, tanto aqui quanto do outro lado também. Chega convite, chega homenagem. Eu não acho ruim, não. Porque sou conhecido no mundo. Tanto aqui quanto nos países do povo do outro lado. Nos shows conto história para o pessoal, que fica esperando pra me ouvir falar. Mas o pessoal gosta muito da “Pipoca Moderna” [a Banda de Pífanos de Caruaru tornou-se conhecida fora de sua região quando, em 1972, Gilberto Gil gravou a composição “Pipoca Moderna”, de Sebastião Biano com letra de Caetano Veloso, no disco Expresso 222 (1972)], muitos grupos já gravaram e outros querem gravar. Essa música é a preferida da nossa banda. Se algum grupo diz que gosta da minha música, eu escuto a deles também, gosto de ouvir outros grupos no rádio. Tudo isso a gente faz. Vivemos da música.
 

Gravando

No começo da carreira, em Caruaru, a gente tocava na feira, em frente a uma loja de roupa, todo sábado. Aí chegava o povo do Sul e falava pra gente: Por que vocês não gravam? A música de vocês é tão boa pra gravar. E eu perguntava: O que é gravar?, porque a gente não sabia o que era. Ficavam admirados e daí por diante ia um pessoal só pra escutar a gente. Tocamos na feira e ficamos mais conhecidos, porque eles levavam fotos, nossas músicas gravadas, percorremos o Brasil todo. Toco no pífano, mas todo instrumento da banda era passado pela minha mão. Meu pai fazia instrumentos e eu sempre observava como ele fazia isso. Depois que meu pai morreu, eu já tinha minha experiência, aí fiquei fazendo também, do mesmo jeito. Só continuei o trabalho. E gosto de todos os instrumentos, de ouvir e ver a pessoa que está tocando. 

Medo de avião

Cansar, cansa, sendo de ônibus, carro ou avião. Eu tinha muito medo de avião, por causa dos acidentes. Não me lembro do ano, mas a primeira vez que viajamos foi por causa de um convite do Rio de Janeiro e o produtor dessa festa foi buscar a gente em Caruaru. Pegou o avião dos comandantes e colocou a gente. Só cabiam 28 pessoas nesse avião. Levaram a gente e dava um medo tão grande, parecia um caminhão sem carga. Se o caminhão está cheio tudo bem, mas se vai vazio, sem nada em cima, dá cada salto. A gente sentia que ele ia baixando, eu pensei: nossa senhora, o coração ficava nos pés, de tanto medo, mas depois o avião subia de novo. Mas é muito seguro.

Também viajei para o Paraguai, foi muito bom. Nos convidaram para tocar num festival de folclore internacional, passamos oito dias em Assunção, tocamos na capital e eles nos levaram para as cidades bonitas do interior. Andaram com a gente para todo canto, tocamos muito, foi em 1996.

Ficamos bem queridos do pessoal de lá, parecia que tínhamos nascido juntos, era uma turma boa de jovens, todos arrodeando a gente, querendo conversar. E a comida de lá é muito boa. Um pessoal muito querido, lá não vimos “depravo” nenhum, se você visse o joelho de uma mulher, ganhava dinheiro. Eram todas bem compostas, arrumadas, de cabelo comprido. Ainda procuram a gente pra voltar pra lá. Convidam a gente para tocar, mas não temos nada agendado.


No começo da carreira, em Caruaru, a gente tocava na feira (...) todo sábado. Aí chegava o povo do Sul e falava pra gente: Por que vocês não gravam? (...) E eu perguntava: O que é gravar?