Postado em 01/06/2002
Juventude pragmática
por Waldenyr Caldas
Há
um ano e meio sou diretor da Escola de Comunicação e Artes (ECA)
da USP, onde estudam 3600 alunos de graduação e 720 de pós-graduação.
Além de administrá-la, tenho pesquisado sobre o que chamo de cultura
lúdica no Brasil. Estou trabalhando com um trinômio: o futebol,
a telenovela e a música. Na verdade, quero provar que o produto cultural
mais popular no Brasil não é a música nem o Carnaval nem
o futebol, mas sim a telenovela. Um indício desse fato é que 40
milhões de pessoas em média vêem, todos os dias, telenovela
no Brasil; enquanto a cada dia mingua o número de torcedores nos estádios
de futebol. Eventualmente, a televisão transmite o futebol e o número
de espectadores tem diminuído também. Estou preocupado com essa
reciclagem da cultura lúdica no Brasil. A telenovela, hoje, é
soberana em termos de audiência.
Outro projeto que estou finalizando é uma análise sociológica
da época da jovem guarda. Existem alguns trabalhos sobre a jovem guarda
muito bem feitos, mas apenas informativos. Um material que trouxesse uma reflexão
foi elaborado, muito rapidamente, por José Miguel Wisnik - um trabalho
de coleção sobre cultura brasileira. Dedico-me a esse projeto
desde 1999 e pretendo terminá-lo até outubro deste ano.
Em termos administrativos, mantenho contato com o professor Máximo Carevatti,
da Universidade La Sapienza, de Roma. Durante dois meses, ele ministra aulas
aqui e eu lá. Isso acontece duas vezes por ano, uma no primeiro semestre
e outra no segundo.
Os alunos da ECA
Os alunos de hoje são muito diferentes daqueles da minha época
de estudante. Na verdade, quase que o oposto, e isso não é somente
na ECA, mas em toda a universidade. Tenho contato com as faculdades de Ciências
Sociais, Economia, Poli e outras, e vejo que essa diferença se estende
por toda a USP. A diferença é que na minha época havia
o estudante politizado, principalmente da USP. Durante a ditadura, enfrentávamos
o autoritarismo nas ruas e dentro da universidade, dávamos a cara para
bater e dificilmente não apanhávamos. Era uma época em
que estudávamos não apenas do ponto de vista acadêmico,
mas também havia o prazer de estudar fora da universidade. Eu fazia parte
de um grupo, no qual também estava José Dirceu, que se reunia
no meu apartamento, na avenida Nove de Julho, para estudar marxismo, Lêenin
etc. Ou seja, tínhamos o prazer da politização independentemente
do aspecto acadêmico, no qual tínhamos de ler todos os teóricos.
Por isso, formávamos grupos de estudo, que funcionavam porque sempre
havia um líder, que em geral era alguém um pouco mais velho e
que organizava leituras e debates.
Hoje o aluno universitário tem um pragmatismo compatível com a
realidade sociopolítica do país. Como existe uma democracia, não
precisamos dar murro em ponta de faca. Mas quando digo que o país se
democratizou, é preciso lembrar a infeliz/feliz resposta do presidente
Geisel a uma pergunta feita em 1974, na Alemanha, sobre a existência de
uma democracia no Brasil. Ele disse "existe uma democracia relativa".
Todos caçoaram dele naquela época, mas se pensarmos bem, é
verdade: vivemos uma democracia relativa. Existe liberdade de expressão,
mas a divisão da riqueza não é democrática. Contudo,
hoje, o aluno não precisa dar murro em ponta de faca, como eu já
disse. Ele entra na universidade pensando na sua profissionalização;
tanto faz se é um aluno da Faculdade de Ciências Sociais, que era
um reduto de jovens extremamente politizados, ou da ECA ou da Poli. Aliás,
a ECA é, hoje, fundamentalmente uma escola de profissionalização.
Existe um único departamento que fornece uma base de cultura geral; nos
outros, a ordem é profissionalizar, seja no teatro, no cinema, na rádio
e televisão, no jornalismo, na biblioteconomia, na música, nas
artes plásticas... Isso não é diferente na Faculdade de
Letras, onde as pessoas entram, realmente, com a intenção de serem
tradutores, intérpretes, professores ou terem outra profissão
em que possam utilizar o idioma que estão aprendendo. Desnecessário
dizer que assim é igualmente na Faculdade de Economia e Administração
ou na Poli.
Atualmente, a USP tem um caráter altamente profissionalizante, mas não
perdeu o caráter reflexivo. No entanto, é uma minoria que deseja
se tornar cientista ou pesquisadora.
Há uma parte da geração dos anos de 1960 - José
Serra, Zé Dirceu, Genoíno e o próprio presidente da República
- que num certo momento foi de esquerda, principalmente por uma convicção
das leituras e pelo contexto internacional. O mundo vivia uma transformação
muito grande, não só do ponto de vista político mas também
cultural, haja vista o movimento da contra-cultura. Porém, tão
importante quanto isso é saber que nós, jovens daquela época,
tínhamos um ideal político porque fomos, também, compelidos.
Afinal, o contexto político internacional, e o Brasil estava inserido
nele, quase que nos dirigia para uma posição de esquerda - diria
que mais radical que a atual, mais radical que a mais radical ala do PT, do
PC do B ou do PSTU. Mas independentemente disso havia a convicção
plena de que o país precisava mudar, ou seja, havia a luta contra a ditadura.
Porém, no decorrer do tempo, depois que se percebeu que a queda da ditadura
era inevitável, não fazia mais sentido continuar com o mesmo radicalismo.
Seria uma insensatez. Seria como se ainda hoje mantivéssemos a ideologia
radical dos anos 1960.
A realidade política do país mudou, o contexto internacional é
outro, o muro de Berlim caiu... Não é mais possível fazer
uma leitura marxista de tudo, ideologizar tudo como naquela época. Concordo
plenamente com o que disse o presidente FHC: "esqueçam o que eu
escrevi". Ainda que ele, na verdade, não tenha dito exatamente isso.
Ele falava sobre o livro que havia escrito a respeito da dependência cultural
na América Latina, ele não se referia a todo o seu pensamento.
Depois que a ditadura militar desapareceu houve um desencanto. As pessoas de
esquerda não sabiam mais contra quem lutar. Elas deveriam se reciclar.
Tudo bem que queiram lutar contra a justiça social, mas sem armas. Podemos
tomar o poder no Congresso e na Câmara Federal, assim como José
Dirceu, Genoíno e outros colegas. Acabamos com a ditadura, agora é
hora de lutar com outras armas, que sejam reconhecidas pelo stablishment."