O
BOOM DA GASTRONOMIA NO PAÍS DO FOME ZERO
por
Estanislau da Silva Salles
A gastronomia está
na moda.
Há uma avalanche de programas de gastronomia nas TVs, com chefs
de todas as tendências, personalidades, artistas, celebridades,
socialites, dondocas, formadores de opinião falando sobre gastronomia.
Há uma proliferação de escolas, faculdades, universidades,
cursos, oficinas, especializações, mestrados e doutorados
sobre gastronomia.
Há uma legião de jovens descolados, empreendedores, montando
restaurantes, cafés, buffets, temos engenheiros, arquitetos e
outros profissionais metidos a restaurateurs, bem-sucedidos ou não.
Há um volume enorme de informação em livros, revistas,
cadernos especiais em jornais, CDs, DVDs, sites sobre gastronomia.
Há uma onda de alimentos saudáveis, orgânicos, alternativos
e produtos terroir.
Há o pseudo-sofisticado minimalismo dos pratos da alta gastronomia
com a utilização de produtos exóticos (temperos,
frutas) e um cardápio rebuscado, como coxa de perdiz com molho
de jabuticaba, filé de pirarucu com geléia de pimenta.
Há uma sofisticada e esmerada ambientação arquitetônica
dos espaços com seus elementos e materiais diversos, dos mais
longínquos recônditos da terra, do Oriente à Amazônia,
passando por uma releitura das favelas ao Nordeste brasileiro, tudo
muito high tech, em que, muitas vezes, o que menos importa é
o cardápio.
Em contraposição, nós temos um país com
milhões de famintos, a ponto de o governo federal estabelecer
como política social prioritária um programa de combate
à fome. O país não respeita um direito humano básico:
possibilitar a todos os cidadãos e cidadãs alimentarem-se
dignamente!
A indústria gastronômica tem sua importância na economia
do país, como geradora de renda, empregos e tributos. Mas é
necessário olhar para a outra banda do país que não
consegue usufruir minimamente desse universo.
Entendemos a gastronomia não como um modismo sofisticado, mas
como um importante elemento formador de nossa identidade cultural, com
alimentos que respeitam a nossa diversidade, que sejam social, econômica
e ambientalmente sustentáveis.
Recentemente foi aprovada no Congresso Nacional a Lei de Segurança
Alimentar e Nutricional, que estabelece o direito de todos ao acesso
regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente,
sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais (Lei n°
11.346, de 15/9/2006).
Como lidar, então, com essa constatação paradoxal?
Como já explicitamos, nada contra a gastronomia; no entanto,
entendemos que prioritariamente devemos mobilizar toda a sociedade civil
e cobrar do governo políticas públicas para que o direito
humano à alimentação saudável e adequada
seja garantido a todos os cidadãos e todas as cidadãs.
As situações de insegurança alimentar e nutricional
não se manifestam apenas com a ausência do alimento (a
fome propriamente dita), mas também com outros tipos de problemas
como a fome oculta (carência de micronutrientes), obesidade, doenças
associadas à má alimentação (diabetes e
doenças cardiovasculares), consumo de alimentos de qualidade
duvidosa ou prejudicial à saúde, anorexia, entre outros.
Portanto, para nós, educadores, a alimentação no
Sesc tem como princípio básico e fundamental práticas
alimentares que promovam a saúde através de ações
educativas, como a utilização de alimentos saudáveis
e adequados, visando ao bem-estar e à melhoria da qualidade de
vida das pessoas. Valorizamos o momento de alimentar-se como uma celebração:
sentar-se à mesa dignamente, dividir, e conviver de uma forma
prazerosa.
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ESTANISLAU DA SILVA
SALLES, SOCIÓLOGO, É GERENTE DE
PROGRAMAS SOCIOEDUCATIVOS DO SESC SÃO PAULO
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