Sesc SP

postado em 02/07/2021

No calor da hora

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Por diferentes ângulos, cinco livros abordam as atuais crises política, financeira, social e sanitária, evidenciando que o pensamento crítico ainda é a melhor forma de enfrentar estes tempos obscuros

 

A ascensão de governos autoritários, o aumento das desigualdades, os conflitos armados e a pandemia da Covid-19 são eventos que, vistos em conjunto, parecem anunciar que a humanidade atingiu um ponto de inflexão em sua história. Ou ela caminha para um fim trágico, em que os direitos fundamentais da maior parte da população global serão impedidos pela irracionalidade, ou vai em busca de outras possibilidades, caminhos que só podem ser abertos por meio de um pensamento crítico pautado na realidade. No calor da hora, cinco livros publicados pelas Edições Sesc analisam as adversidades atualmente enfrentadas no Brasil e no mundo, o que permite ao leitor ampliar sua perspectiva acerca dos desafios a serem enfrentados e da necessidade de agir diante deles.  


Mutações: ainda sob a tempestade

Ao acompanhar a série Mutações, fruto de conferências e debates com grandes intelectuais da atualidade, é possível inferir que em boa parte dos livros anteriores havia preocupação com as transformações sociopolíticas em curso. O organizador, Adauto Novaes, há vários anos tem mobilizado discussões que apontavam para as ameaças à democracia, para a destruição dos recursos naturais e para a profunda despolitização das sociedades. Em Ainda sob a tempestade, filósofos do Brasil e do exterior falam a partir do epicentro da atual desordem política, retomando suas propostas de interpretação do real como possibilidades de esclarecimento e resistência diante do caos.

A obra contribui para o reconhecimento das estratégias do fascismo na atualidade, cuja face mais obscura está na operação por dentro dos sistemas democráticos e de braços dados com o capitalismo neoliberal. Dito de outro modo, o neoliberalismo vale-se do fascismo, também chamado de pós-fascismo, para ocupar o Estado, eliminar direitos sociais e subjetividades, priorizando – em absoluto – os interesses do mercado. Essa operação implica a arregimentação daqueles que deveriam ser contemplados pelas políticas sociais para a destruição de seus próprios direitos.


O capitalismo se desloca: novas arquiteturas sociais

Esta publicação oferece uma análise das mudanças que a chamada revolução digital tem provocado em escala planetária a partir das novas relações de trabalho, produção e reprodução do capital e do conhecimento. De acordo com a tese do autor, o economista Ladislau Dowbor, “em termos de organização econômica, social e política, é muito mais do que uma etapa do capitalismo industrial” – quer dizer, é provável que estejamos em transição para um novo modo de produção, uma nova matriz ou um novo paradigma civilizacional, em que o domínio não se dá mais pela propriedade dos meios de produção, mas sim pelo controle de sistemas intangíveis, sem lastro material: algoritmos, inteligência artificial, economia financeirizada.

O século XXI, portanto, pode ser vivido como o tempo de novas possibilidades de interação, alargamento de fronteiras e compartilhamento de experiências, mas também como o tempo de catástrofes ainda não mensuradas, afinal, como lembra o autor, “temos tecnologias e sistemas produtivos do século XXI com cultura, instituições e leis feitas para o século passado”. Apesar da aparente especificidade da temática, seu estilo e, no caso deste ensaio, seu estupor diante do impacto dessa realidade mobilizam um leitor ativo e empático, em um exercício constante de afastamento – para invocar as diversas referências aos clássicos da economia e da sociologia política – e de aproximação – para vislumbrar as milhões de vidas concretamente impactadas por esse sistema parasitário que torna ainda mais abissal a desigualdade econômica.       


O tempo dos inconciliáveis

Abdelwahab Meddeb (1946-2014) foi um importante ensaísta, poeta e romancista tunisiano, autor de cerca de trinta livros a respeito do Islã. Foi professor de literatura comparada nas universidades de Paris X–Nanterre e Genebra e também produziu o programa Culturas do Islã para a rádio pública France Culture. Este livro, lançado após a morte do autor, reúne uma série de crônicas radiofônicas e artigos publicados na imprensa por Meddeb. Nelas, o escritor defende a bandeira que empunhou ao longo de sua vida: distinguir o islamismo político de cunho fundamentalista do islã pautado pela ética e pela estética.

Ao se contrapor ao integrismo mulçumano, Meddeb opta por apresentar não só as riquezas, mas as sutilezas das culturas islâmicas – entendidas no plural – a partir da ideia de misticismo, e não exclusivamente da religião. Entre os temas abordados encontram-se a barbárie, o terror, a resistência civil, o elogio da espiritualidade e a crise do islã contemporâneo, o que permite ao leitor fazer uma análise profunda das motivações por trás dos impasses que envolvem o mundo islâmico e o ocidente nos últimos anos. O livro trata ainda de outras questões vinculadas à política e ao islamismo radical e versa sobre a defesa da liberdade e da pluralidade de ideias no mundo mulçumano, como os valores que não compactuam com o terrorismo e com a barbárie.


Pandemia crítica: outono | inverno – 2 vols. [em breve]

Os textos que constituem os dois volumes da coleção Pandemia crítica – uma coedição das Edições Sesc e n-1 editora, organizada por Peter Pál Pelbart – consolidam reflexões que a pandemia da Covid-19 provocou no Brasil e no exterior. A coletânea reúne autores renomados, tais como Eduardo Viveiros de Castro, Giorgio Agamben, Toni Negri, Judith Butler, Jacques Rancière, Bruno Latour, Vladimir Safatle, Michel Löwy, Silvia Federici, além de lideranças como Davi Kopenawa e Ailton Krenak. Os livros também conciliam reflexões de jovens pesquisadores das periferias, ativistas do movimento negro e pessoas anônimas, formando uma polifonia de afetos e pontos de vista.

Parte significativa dos textos são análises sobre as causas da pandemia, tais como a lógica predatória do capitalismo, a monocultura industrial, a invasão pela agroindústria dos habitats animais e o surgimento de novas epidemias. Outro conjunto de ensaios são depoimentos pessoais de artistas, escritores, poetas, feministas, captando com grande sensibilidade a atmosfera do momento, retratando os paradoxos do isolamento, a angústia, o medo, a solidão, o lugar das mulheres, mas também as iniciativas de solidariedade nas favelas, nas instituições e nos bairros. De modo geral, a coleção Pandemia crítica oferece interpretações singulares para um período caótico, nublado por notícias falsas, teorias absurdas, golpes políticos e ataques à ciência e à cultura. É precisamente por isso que as vozes desses autores precisam ser amplificadas e suas ideias conhecidas pelo grande público.

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