Sesc SP

postado em 05/05/2014

A fotografia como escritura institucional

Centro Cultural e Desportivo Francisco Garcia Bastos, São-José-dos-Campos, Sesc-Senac, 1980
Centro Cultural e Desportivo Francisco Garcia Bastos, São-José-dos-Campos, Sesc-Senac, 1980

      


Textos e imagens discutem as funções da fotografia na trajetória do Sesc e de que forma ela representa a filosofia da entidade

 

Para além do senso comum que afirma ser a fotografia um poderoso instrumento de preservação da memória individual e coletiva de uma sociedade, a atividade de fotografar – hoje, massificada pelos constantes avanços da tecnologia digital – também pode constituir um exercício de compreensão do que seja o presente. Em seu famoso livro A câmara clara, o semiólogo francês Roland Barthes declara: “A fotografia não rememora o passado. O efeito que ela produz [é] o de atestar que o que vejo de fato existiu”.

A partir de um trabalho de consultoria prestado ao programa Sesc Memórias (responsável pela coleta, guarda, tratamento e divulgação da documentação da entidade), a historiadora Solange Ferraz de Lima apresenta As imagens da imagem do Sesc: contextos de uso e funções sociais da fotografia na trajetória institucional, lançado pelas Edições Sesc São Paulo. Reproduzindo parte do vasto e riquíssimo acervo fotográfico da instituição, apresentado por meio de textos que discutem a natureza da imagem fotográfica, o livro trata da participação das fotografias não somente na construção como também na constante atualização da imagem institucional do Sesc em São Paulo.

A pesquisa que o sustenta foi desenvolvida a partir de uma perspectiva histórica e procura responder a duas questões: Quais as funções da fotografia ao longo da trajetória do Sesc e de que forma a filosofia do Sesc se materializa na visualidade fotográfica? A tais questões, a pesquisadora não poderia responder exclusivamente com a exploração de fontes visuais. “Tratar os problemas históricos na dimensão visual da sociedade não significa restringir-se às fontes de cunho visual”, afirma a autora na introdução da obra, concluindo em seguida: “Seria empobrecedor e pouco eficaz”. Desse modo, a historiadora orientou-se pela seguinte questão: O que é possível extrair das fotografias que nenhum outro documento forneceria? Ou seja, de que maneira específica a fotografia contribuiu para a construção da identidade institucional de uma entidade tão longeva como o Sesc e, mais importante ainda, como ela forneceu conteúdo visual à filosofia de atuação da entidade?

Solange Ferraz de Lima é mestre e doutora em história social pela Universidade de São Paulo e docente, da mesma instituição, no Museu Paulista (Museu do Ipiranga). Tem experiência na área de história, com ênfase em cultura material e cultura visual. Sua produção acadêmica resulta da pesquisa e curadoria de acervos, principalmente nos seguintes temas: fotografia, ornamentação, cidades, coleções, curadoria e museus.

As imagens da imagem do Sesc: contextos de uso e funções sociais da fotografia na trajetória institucional está organizado em quatro capítulos. O primeiro deles – “Imagem, imagens” – apresenta o referencial teórico e metodológico adotado para a pesquisa e as fontes fotográficas selecionadas. As noções de imagem, imaginário e representações sociais que serviram de referência teórica à pesquisa foram retiradas da historiografia contemporânea, especialmente dos escritos de historiadores do campo da história da cultura, como Roger Chartier, Raymond Williams, Maurice Aguillon, Pierre Nora e Carlo Ginzburg. No Brasil, entre os que estudam a cultura urbana nos séculos XIX e XX, essas noções serviram de base para o trabalho de historiadores como Sandra Jatahy Pesavento, Ulpiano T. B. de Meneses, Elias Thomé Saliba e Nicolau Sevcenko.

O segundo capítulo, intitulado “Contextos de uso da fotografia”, aborda os usos de fotos por parte do Sesc, tendo como referência o quadro mais amplo de produção fotográfica em São Paulo, e focaliza particularmente os diálogos estéticos estabelecidos entre profissionais e amadores. Aqui, são reproduzidas inúmeras capas das publicações periódicas Sesc em marcha e Revista do comerciário, que ajudaram a instituição a solidificar seu trabalho de comunicação institucional.

O terceiro capítulo – “Da pedagogia da imagem na formação cultural do cidadão” – reproduz um valioso grupo de fotografias que mostram os vários projetos que a entidade desenvolveu desde seu nascimento com vista a oferecer ao público comerciário a experiência de uma ação cultural consequente e desafiadora, características que o Sesc mantém até os dias de hoje. 

O quarto capítulo, intitulado “O corpo em movimento”, trata das funções que a fotografia cumpriu ao longo da trajetória do Sesc, focalizando a constituição de modelos que garantissem a formação de uma identidade do comerciário no contexto da cultura urbana dos anos 1950 e a representação do corpo do trabalhador do comércio tanto na esfera do trabalho como no âmbito do tempo livre.

Destinado não somente a historiadores e cultores da fotografia, mas também ao público em geral, As imagens da imagem do Sesc: contextos de uso e funções sociais da fotografia na trajetória institucional resgata e coloca à disposição do leitor uma parte naturalmente ínfima de uma iconografia que não para de crescer. A estimativa de documentos fotográficos guardados pelo Sesc até o ano 2000 era de aproximadamente 70 mil itens. E esse número deve ser pensado apenas como material preservado, pois é provável que a produção real tenha alcançado patamares bem mais elevados. Dada a natureza da atuação do Sesc, abrangendo ações culturais de forte apelo visual (espetáculos de dança, música, teatro, exibição cinematográfica, exposições...), o acervo fotográfico da instituição é um dos mais ricos do Brasil, resultado de processos de divulgação e registro das atividades.

Mas o livro de Solange Ferraz de Lima vai além da mera evocação de um passado envolto em saudade. A prática fotográfica, para ela, ultrapassa as funções de registro e divulgação para se tornar um meio privilegiado de formação da memória institucional. Longe de ser uma exceção, essa característica da produção material do Sesc reitera uma particularidade da cultura urbana contemporânea: a valorização da dimensão visual como lugar estratégico para a criação e o funcionamento de sistemas de referência da sociedade. Por essa razão, a obra vê a construção da imagem do Sesc em São Paulo como integrada à dinâmica da sociedade paulistana na segunda metade do século XX. O que Solange procurou analisar com a pesquisa foram as maneiras específicas pelas quais a fotografia foi mobilizada para dar conteúdo visual à expressão do lugar de poder político e social ocupado pelo Sesc na sociedade brasileira desde sua criação.

Se a fotografia, ainda para Roland Barthes, “transforma a incultura de uma arte mecânica na mais social das instituições”, o Sesc, segundo pode-se depreender da leitura do trabalho de Solange Ferraz de Lima, vem transformado suas imagens fotográficas, há quase sete décadas, na mais inequívoca das escrituras institucionais.

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