Sesc SP

postado em 29/06/2014

Rosely tem olhos eternamente curiosos

 rosely

      


Por Cris Lisboa e Marília Pozzobom*

 

Na casa da Mooca onde Rosely cresceu a arte era sagrada. Durante o dia, os sons do piano se misturavam aos sons infantis dos quatro irmãos. A mãe, espanhola de sangue fervente, buscava na técnica a disciplina necessária para a expansão da criatividade das suas crianças. À mão fazia brinquedos e doces, sempre se certificando que não faltasse açúcar na vida. Quando vinha a noite, o silêncio se estabelecia e indicava que o pai, filho de imigrantes japoneses, chegara para assegurar a ordem e a obediência.

Nesse lar de paradoxos tipicamente paulista, cresceu Rosely Nakagawa. Herdou do pai os olhos eternamente curiosos e a calma com a qual pratica seu trabalho de curadoria de imagens. Acaricia papéis enquanto suavemente toma seu chá. Da mãe ficou o amor pela arte e o espírito inquieto de uma mulher que nunca perdeu a delicadeza no trato.

O interesse pela imagem nasceu na faculdade, quando cursava arquitetura e urbanismo. Na mesma época, apaixonou-se. Por Rubens, hoje seu marido. E pela fotografia de Carlos, hoje seu amigo. Assim, aprendeu que o amor era doce como os quitutes da mãe. E que o trabalho podia ser quieto, como o gênio do pai. Carlos Moreira transformou seus olhos: foram deles os primeiros originais que viu, aos 25 anos. E desde então o encantamento seguia na vontade de transformá-lo em documento. “Publicar consagra, e Carlos merecia isso”, diz.

No auge dos seus 60 anos, ela se dá ao luxo de trabalhar com pessoas que conhece há mais de 20 anos. Muito mais do que curadoria, o seu trabalho é de conhecer, entender as obras. E para tal, é preciso conhecer o artista. O modo de trabalho de Carlos é simples, e bastante semelhante: ele passa o tanto de tempo quanto pode ao lado da sua musa, São Paulo. Percorre suas veias, entende suas fraquezas e encantamentos. Vê beleza onde ninguém mais vê. Moreira costuma vagar pela cidade onde Rosely nasceu com o olhar apaixonado. Olha para cima, enxerga um universo só seu. Clica seus prédios como quem eterniza uma amante, de preferência em duas cores. “Ele percebe algumas coisas (que ninguém mais vê), ele para e pensa a cada mudança de luz, a cada sombra”, conta a paulista.

Da paixão pela obra do amigo, nasceu o livro Carlos Moreira: São Paulo, lançado pelas Edições Sesc São Paulo. O título de 204 páginas é um compilado de imagens do fotógrafo na capital paulista. Já da paixão por Rubens Matuck – artista plástico, marido, amigo e amante –, nasceram Alice, como a do livro, e Beatriz, como a musa de Edu Lobo.

Hoje, tamanha dedicação e desvelo no trabalho se explicam pela criação em uma casa onde nada e tudo eram permitidos. Onde a arte era tão necessária quanto a ética e a moral. E ao lado dos dois netos, ela repete a história de carinho e doçuras da mãe, construindo à mão casinhas e prédios imaginários feitos de lençóis. Esses nunca foram fotografados por Carlos. 

 

 


* Cris Lisboa e Marília Pozzobom são jornalistas e parceiras em projetos de conteúdo (ambas com matérias publicadas em revistas como a Rolling Stone, Trip e Noize).

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