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postado em 07/10/2015

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Imagem a partir da tela Áreas de cor nº 4. (1989), de Aldir Mendes. Acervo Sesc de Arte Brasileira
Imagem a partir da tela Áreas de cor nº 4. (1989), de Aldir Mendes. Acervo Sesc de Arte Brasileira

      


Planejamento e avaliação de projetos culturais: da ideia à ação, de David Roselló Cerezuela, distingue bases contextuais, diagnóstico e produção na execução de trabalhos artísticos

Por Newton Cunha*

 

O desenvolvimento das assim chamadas ações culturais (cujas origens remontam à antiguidade, mas que, numa conceituação moderna, provêm de meados do século XVIII), realizadas tanto por organismos públicos quanto por fundações, instituições e empresas privadas, gerou consigo não apenas a necessidade de profissionais progressivamente mais especializados (agentes, animadores ou ainda educadores culturais), como o emprego de instrumentos auxiliares ou de métodos mais consistentes ao seu planejamento. Como propor ideias, obter e gerir recursos, realizar e avaliar planos e projetos de natureza artística e de cunho intelectual? É o que nos ajuda a pensar e fazer o livro de David Roselló Cerezuela, Planejamento e avaliação de projetos culturais: da ideia à ação, que as Edições Sesc São Paulo acabam de colocar à disposição dos leitores de língua portuguesa.

Com uma linguagem simples e direta, o autor mais sugere do que determina critérios racionais e já experimentados para a confecção de um documento que oriente, esclareça e facilite a compreensão e a realização de atividades culturais. Cerezuela sabe perfeitamente que a diversidade de propostas, de condições, de objetivos e de públicos nesse terreno muito largo – às vezes mais impreciso do que as fronteiras da China, como certos autores costumavam dizer anteriormente – não permite a fixação de um cânon, de um esquema rígido (talvez necessário em outros campos de ação, como o de um projeto de engenharia), o que não exime o profissional, a instituição, o artista ou o intelectual de agir como se estivesse num fuzuê ou arrastado por afetos ou insights exclusivamente personalistas.

É preciso ter em mente que um projeto cultural não é apenas um amontoado de boas intenções, algo que as gerações passadas também tiveram, sem com isso resolver as contradições, a estupidez ou a fealdade inerentes e habituais do mundo. Um projeto cultural é uma ferramenta sensata para a execução de uma atividade inteligente e de aperfeiçoamento da sensibilidade, algo que nos ajuda a suportar e a melhorar a vida em sociedade, se formos suficientemente perspicazes para concordar com Nietzsche em sua referência ao papel da arte. A ação e a animação culturais têm em comum propor, estimular ou tornar possíveis conhecimentos, experiências simbólicas, sociais e também sensitivas (corporais), e por tais meios instituir um sentido e um ideal de formação aprimorada e de hábito, tanto de um ponto de vista individual quanto coletivo, assim como apoiar a realização de obras ou subvencionar artistas ou autores em processo de criação. Essa seriedade requer, assim, ponderação e controle ou, em outros termos, planejamento.

De maneira prática, Cerezuela esclarece que um projeto, aliás a estrutura prévia mais acercada da execução prática, tem por finalidade, entre outras, otimizar recursos para que os resultados sejam os mais próximos possíveis do inicialmente imaginado; estabelecer prioridades e critérios comuns, sobretudo por ser um trabalho em equipe e, não poucas vezes, multidisciplinar; criar um método de trabalho que apresente com clareza suas próprias razões, que possa ser transmitido e mais facilmente realizado; elaborar uma documentação que possa ser apresentada a múltiplos interessados e se conserve como registro de um processo ou memória de um evento.

Genericamente, seu esquema é constituído por três itens: as bases contextuais, o diagnóstico e a produção, e cada um deles se subdivide em quatro ou cinco unidades de maior detalhamento. O contexto diz respeito à análise dos elementos que devem ser conhecidos antes de se tomar alguma decisão – informações históricas, dados estatísticos, estudos e opiniões “assinaladas” (para usarmos um adjetivo preciso e ao gosto camoniano). O diagnóstico é, ao mesmo tempo, uma síntese da análise anterior e um posicionamento que justifica e fornece argumentos à proposta. Por fim, a produção envolve os mecanismos de gestão e de execução da proposta – infraestrutura requerida, investimentos, medidas jurídicas eventualmente necessárias, responsabilidades de pessoas e setores, formas de divulgação etc.

O próprio Sesc, já nos anos de 1970, sob a orientação direta do professor, pesquisador e ativista Joffre Dumazedier, utilizou-se de um método de planejamento então em voga na sociologia empírica, a chamada “teoria da decisão”. A estratégia, de tendências científicas, visto a importância dada a uma sistematização de fatos observáveis, estipulava então determinados passos para a realização de uma atividade sociocultural e educativa, buscando transformar em prática o que antes houvera sido apenas objeto de reflexão teórica: a análise das situações (geral e particular), o estabelecimento de valores, a realização de objetivos e a avaliação do executado.

O aumento de atividades artístico-culturais, públicas e privadas, fenômeno que se desenvolveu após a segunda guerra em todo o mundo ocidental – e que o mesmo Dumazedier denominava “poder cultural” –, acaba por exigir uma qualificação específica, que é ao mesmo tempo necessária e bem-vinda. Portanto, não poderia causar surpresa o fato de o Sesc ter-se interessado em trazer ao público de hoje um trabalho e uma experiência simultaneamente útil e contemporânea. Os profissionais dessa área, que tende a se expandir, já que o peso relativo da indústria continua a decrescer, encontram na obra ideias e sugestões não apenas convenientes, mas realmente indispensáveis ao trabalho do dia-a-dia.

 


*Newton Cunha é escritor, autor de A felicidade imaginada: relações entre os conceitos de trabalho e de lazer (Ed. Brasiliense, 1978), do Dicionário Sesc: a linguagem da cultura (Edições Sesc São Paulo: Perspectiva, 2003) e Cultura e ação cultural (Edições Sesc São Paulo, 2010).

 

Veja também:

:: Trechos do livro

 

 

 

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