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postado em 17/03/2016

Interconexões

A mandrágora, de Nicolau Maquiavel. Direção: Eduardo Tolentino de Araújo. Foto: Claudinei Nakasone
A mandrágora, de Nicolau Maquiavel. Direção: Eduardo Tolentino de Araújo. Foto: Claudinei Nakasone

      


A partir da mostra de repertório do Grupo Tapa no Teatro de Arena em 2013, O Tapa no Arena: repertório em imagens, de Claudinei Nakasone, demarca a força da junção entre arte dramática e fotográfica

Por Caio Túlio Costa*

 

Um exame das fotografias das montagens do Grupo Tapa na apertada arena do histórico Teatro de Arena, em São Paulo, remete sem dúvida a uma entre tantas afirmações iluminadas de Walter Benjamin: “o passado só se deixa fixar como imagem que relampeja irreversivelmente no momento em que é reconhecido”. Este é o caso.

Para sustentar o calor dos aplausos que essas dezesseis montagens aqui retratadas receberam, surgem agora as imagens fixadas pelo obturador da câmera do fotógrafo, professor e ator Claudinei Nakasone, a fim de serem perpetuadas no reconhecimento de então.

A partir desta obra, você vai conhecer bem de perto a história de determinação de uma companhia teatral nascida em 1979 e suas interconexões com o inesquecível Teatro de Arena, inaugurado em 1955. Sentirá também como a fotografia consegue, ao mesmo tempo, congelar e revelar a mágica dos dramáticos, cômicos e tragicômicos momentos da encenação.

Os instantâneos, capturados por Nakasone no rigor da objetiva que varia de 18 a 135 milímetros, realizam aquilo que o historiador Valmir Santos decompõe no ensaio introdutório: se o Arena caminhou do profissionalismo ao amadorismo, o inverso se deu com o Tapa, e a alma desse inverso se desnuda e se sobrepõe ao jogo de luz e sombra que o centro da arena exige para compensar a falta de paredes, as mesmas que confinam o palco tradicional.

Entre janeiro de 2013 e abril de 2014, o Tapa, nascido no Rio de Janeiro e radicado em São Paulo a partir de 1987, tomou conta das dependências do Teatro de Arena. Nesse exíguo período de treze meses, dezesseis montagens diferentes formaram aquilo que se batizou de “ocupação” e até levou um título: “Tapa no Arena: uma ponte na história”.

Simbólica como a própria palavra “ocupação”, uma das primeiras peças encenadas seria a que foi a primeira a levar ao teatro as engrenagens de uma estratégia política: A mandrágora, de Nicolau Maquiavel. O celebrado Augusto Boal também a montou no Teatro de Arena em 1962. Segundo Valmir, na época a encenação funcionou como uma “metáfora da conquista do poder”. Eram os tempos de João Goulart.

Muito tempo depois, em sua também primeira montagem de A mandrágora, em 1988, o Tapa intuitivamente retratou a corrupção e a falta de ética na vida pública, e isso foi feito no auge da politicalha que levou Fernando Collor de Mello à presidência da república. Corrupção e falta de ética na vida pública seguiram latentes e, quase profeticamente, explodiram em várias dimensões na sequência da remontagem de A mandrágora pelo Tapa no Teatro de Arena no fervilhante ano de 2013.

Em sete instantâneos de A mandrágora, Nakasone exibe em tom renascentista, carregado de atmosfera caravaggiana (se é que se pode tomar esta liberdade semântica com Caravaggio), todas as vicissitudes que um drama ancorado em uma planta afrodisíaca, a própria mandrágora, pode produzir nas personagens maliciosamente desenhadas por Maquiavel, o escriba das entranhas do poder.

O mecanismo pelo qual a fotografia se integra ao espírito do texto dramático perpetua-se nas outras quinze montagens, cada uma delas refletindo nas imagens a arquitetura que autor, diretor, atores, cenógrafos, figurinistas e contrarregras redefiniram a partir de seus olhares, sentidos e indagações. A tudo isso se soma o “tapa” do artista da câmera escura à luz desta arte imorredoura: o teatro.

 


*Caio Túlio Costa é doutor em comunicação, jornalista e professor. Este texto foi originalmente publicado na orelha do livro.

 

Veja também:

:: O Estado de S. Paulo | Repertório do grupo Tapa vira livro de fotografias
Tapa no Arena resgata grandes espetáculos da companhia dirigida por Eduardo Tolentino apresentados no Teatro de Arena

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