Sesc SP

postado em 11/05/2016

O prazer do jogo

Philippe Gaulier. Foto: Lana Sultani
Philippe Gaulier. Foto: Lana Sultani

      


Mais conhecido pelo trabalho com as linguagens do clown, Philippe Gaulier ensina em O Atormentador: minhas ideias sobre teatro que para estar em cena é preciso menos 'verdade' e mais imaginação

Por Soledad Yunge*

 

Por que as pessoas deveriam ler seu livro no Brasil, Sr. Gaulier?

Essa poderia ser a pergunta formulada pelo personagem “entrevistador/atormentador” especialmente para a edição brasileira. A resposta de Gaulier, depois de olhar profundamente nos olhos do interrogador através de seus óculos engraçados e de mover os lábios num sutil e quase inaudível resmungo – Bon... hum... bah  –, seria uma explosão de energia em forma de piada, jogo de palavras ou uma história um pouco estranha para ativar a imaginação do interlocutor.

O próprio formato de O atormentador, uma enorme entrevista fictícia, estabelece um jogo com os leitores. Por intermédio dessa brincadeira, Gaulier introduz seus pensamentos e princípios sobre o teatro e revela alguns dos exercícios que, ao longo dos 35 anos da sua escola, têm formado gerações de artistas no mundo inteiro. Alguns alunos célebres incluem Simon McBurney do Théâtre de Complicité, Emma Thompson, Sacha Baron Cohen, Roberto Benigni entre outros.

Philippe Gaulier é considerado um dos grandes mestres do teatro contemporâneo, mais conhecido pelo trabalho com as linguagens do clown e do bufão. Todavia, quem conhece a sua escola e foi exposto ao seu olhar sabe que suas ideias extrapolam trabalhar uma linguagem ou gênero em particular. Shakespeare, Tchekhov, as tragédias gregas, o melodrama, entre outros, são o “objeto” e pretexto do jogo. Ele busca nos alunos dispostos a se arriscar o resgate do prazer do jogo e da cumplicidade com seus pares, tal como vivenciados na infância.

Para Gaulier, esse estado de jogo, o prazer de estar em cena e a cumplicidade com colegas e público são o combustível para trabalhar qualquer gênero teatral. Na verdade, são os requisitos básicos para estar em cena e, em suas aulas, oferecer menos que isso é ter que sair do palco, sentar para assistir os colegas e aguardar a próxima oportunidade de tentar outra vez. Ter muitas ideias, pensar demais ou ser um acadêmico é um “pé no saco”, segundo o autor. Como ele mesmo diz: “as ideias matam a beleza e a imaginação”.

Aprendemos que, para estar em cena e ser amado, é preciso menos “verdade” e mais imaginação, menos ideias e mais jogo. A lei, nas suas aulas, é que a brincadeira e a imaginação têm que dar as mãos e andar juntas. E, assim, sua escola, com pessoas de nacionalidades e culturas distintas, vai construindo sua língua ímpar, apoiada em pilares próprios e muitas vezes inusitados. Pular corda, jogar pingue-pongue, cantar músicas ridículas de mãos dadas, em roda, e não poder rir, são aquecimentos e momentos de aprender a estar em cena. E dançar... dançar sempre.

É uma feliz escolha das Edições Sesc publicar o livro de um mestre como Philippe Gaulier, que possui tantos artistas brasileiros como ex-alunos e como admiradores que compartilham da sua maneira de pensar o teatro, a cena e o ator. Os que querem conhecer e entender o pensamento desse homem e artista divertido, sensível, e muitas vezes imprevisível, serão recompensados com provocações únicas. Este livro é um convite a adentrar o universo particular de alguém que tem dedicado sua vida a olhar o outro com um plano: o de encontrar seu espírito livre para que sua beleza apareça. Nada que nos ensinem numa escola de teatro pode ser mais precioso que isso. Com essa liberdade podemos alçar qualquer voo. 

 


*Soledad Yunge é diretora de teatro formada pela ECA-USP e cursou a École Philippe Gaulier em Londres nos anos de 1994/1995. Este texto foi originalmente publicado na orelha do livro.

 

Veja também:

:: O prazer do jogo | Por Soledad Yunge

:: Vídeo

 

:: Trechos do livro

 

 

Produtos relacionados