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postado em 15/03/2017

Arte sem fronteiras

<i>A face oculta da Lua</i> (Yves Jacques), 2000. Foto: Sophie Grenier
A face oculta da Lua (Yves Jacques), 2000. Foto: Sophie Grenier

      


Entrevistas reunidas em Conversas sobre arte e método oferecem uma síntese da obra do encenador, dramaturgo e ator Robert Lepage, que há três décadas expande o campo de ação do teatro

*Por Sílvia Fernandes

 

As entrevistas reunidas por Renate Klett em Conversas sobre arte e método oferecem ao leitor uma síntese de arte, pensamento e vida do encenador, dramaturgo, ator, cineasta e artista multimídia Robert Lepage, que há três décadas expande o campo de ação do teatro.

Criador de grandes epopeias como A trilogia dos dragões e teatros íntimos como Needles and Opium [As agulhas e o ópio], Lepage é autor de obras de arte reconhecidas pela ênfase nas imagens e nos recursos cinematográficos. A encenação de óperas como Ring e a atuação em projetos solo como Vinci, A face oculta da Lua e The Andersen Project [Projeto Andersen], em que testa suas habilidades de performer, são indícios da busca incessante de uma identidade que sempre escapa. Por isso as viagens têm posição destacada em seu teatro, com personagens o tempo todo em trânsito.

A arte sem fronteiras de Lepage conquista reconhecimento internacional com A trilogia dos dragões, de 1985. O espetáculo associa recursos da mais alta tecnologia a estruturas de palco e efeitos de magia para apresentar a história de seu país na via da crônica familiar. Como observa em uma das entrevistas deste livro, para falar do mundo ele prefere os desvios da “pequena história”. Daí o recurso constante à autobiografia e a escolha de temas como a busca da identidade, a transformação pessoal e o retorno à infância, ao inconsciente e à memória. Desse caldo subjetivo são filtradas as micronarrativas de vida que os personagens conduzem como performers-narradores em busca de uma rota perdida, criando uma espécie de saga contemporânea de sonhadores sem heroísmo. É o caso de Os sete afluentes do rio Ota, encenado no Brasil por Monique Gardenberg em 2002, e de A face oculta da Lua, espetáculo solo de evidente caráter autobiográfico em que Lepage interpretava os irmãos Philippe e André. Na cena final, inesquecível, o artista rastejava pelo chão do palco enquanto sua imagem flutuava no espaço.

Transformar o dia a dia em navegação interestelar é um bom exemplo de como a sofisticação tecnológica de Lepage permite ao espectador ver o mundo a partir de múltiplos pontos de vista, como acontece no palco giratório de Jogos de cartas, apresentado em São Paulo em 2014.

Talvez o núcleo mais forte do trabalho de Lepage seja exatamente a abertura do olhar para o “ritual das trocas” entre quem vê e quem faz teatro. As entrevistas reunidas neste livro dão continuidade a essa relação produtiva.

 


*Sílvia Fernandes é professora titular do departamento de artes cênicas da ECA-USP. Seu último livro, Antonio Araújo et le Teatro da Vertigem, foi publicado pela editora Presses Universitaires de Provence em 2016. Este texto foi originalmente publicado na orelha do livro.

 

Veja também:

:: Robert Lepage: conversas sobre arte e método  | Em conversas informais com a jornalista Renate Klett, o ator e diretor franco-canadense fala de seu trabalho e de sua abertura em relação a tudo o que é fora do comum

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