“A independência é a grande força do que fazemos”
Escritor e ativista cultural, Ferréz fala sobre a literatura produzida nas periferias durante o primeiro dia da 25ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo
Por Gustavo Ranieri*
Literatura é literatura e ponto final. Independentemente de quem a faz, da raça do autor, do seu credo, do gênero... Mesmo assim, com duas décadas do século XXI atravessadas, os rótulos ainda acompanham, e muito, os escritores que habitam os bairros periféricos brasileiros – ou que escrevem sobre –, como se pontuassem qualquer palavra expressada por eles.
“Acho que de certa forma tudo tem rótulos, mas quando coligam qualquer coisa com periferia, aí tem que romper, renomear, é uma luta eterna por um lugar de espaço. Quem está de fato nas ruas sabe o que é urgente e sabe a importância de termos o nome, embora conquistar um seja difícil.” A opinião é do ativista cultural que há décadas batalha por uma transformação social profunda nas periferias: Reginaldo Ferreira da Silva, o Ferréz, 43 anos, que desde os 3 mora no Capão Redondo, bairro na Zona Sul paulistana.
Escritor, roteirista e compositor – autor de, entre outros, Capão pecado, Deus foi almoçar e Os ricos também morrem –, ele foi destaque na sexta-feira, dia 3 de agosto, na inauguração do BiblioSesc Praça da Palavra, um dos espaços de intensa atividade cultural que o Sesc promove durante a 25ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo, realizada pela Câmara Brasileira do Livro (CBL) e que vai até o domingo, dia 12. O bate-papo com Ferréz, intitulado Literatura periférica hoje, aconteceu às 20h, com entrada gratuita aos trabalhadores do comércio, serviços e turismo, bem como a seus dependentes.
Entre os assuntos, que o criador abordou, estava o crescimento da voz ativa dos muitos autores (e artistas de outras vertentes) que explanam sobre a vida nas periferias. Para Ferréz, essa maior representatividade encontra amparo nas ações de cada um. “A independência é a grande força do que fazemos, o caminho sempre foi esse. Os autores hoje vendem mais nas ruas e nas pequenas editoras que em grandes grupos. O nicho precisa ser específico, só quem pode ter esse acesso é quem conhece do que escreve e para quem escreve; é uma grande alegria trilhar esse caminho. Não é fácil, mas é mais digno.”
O processo todo, que alavancou o nome de muitos autores que antes não tinham espaço, resultou em um novo tempo, na opinião do escritor e ativista. “O novo tempo não é das editoras, não é dos contratos de 25 páginas, o novo tempo é do autor, é da literatura viva, dos saraus, dos núcleos de cultura, dos livros nas mãos e não enfileirados em estantes profundas. Estamos construindo esse mercado há tempos, e está perto a colheita”, conclui.
Outras atividades
Assim como aconteceu em edições anteriores, o Sesc mais uma vez promove um forte incentivo à leitura durante a Bienal do Livro, com a presença de dois caminhões-biblioteca: o BiblioSesc Praça da Palavra e o BiblioSesc Praça de Histórias. Com programação direcionada ao público mais jovem, ambos os espaços oferecem saraus, contação de histórias, slams e diversos espetáculos de música e literatura.
Na sexta, 3, além de Ferréz, que encerrou o dia no BiblioSesc Praça da Palavra, outras atividades atrairam bastante atenção. O coletivo As Rutes, por exemplo, apresentou duas ações diferentes: em uma, chamada de "Botica de histórias", duas artistas percorreram espaços carregando frascos de vários tamanhos e cores, os quais têm a fórmula necessária para resolver todos os males. E em "Mensagens de mulheres sábias", as pessoas foram convidadas a escrever cartas às mulheres que inspiraram e inspiram suas vidas.
Além dos dois BiblioSesc, a instituição também oferta vasta programação com o estande Edições Sesc, além de dividir a curadoria do Salão de Ideias com a CBL. Veja a programação completa aqui.
*Gustavo Ranieri é escritor e jornalista.