Sesc SP

postado em 24/01/2019

Vamos ressignificar São Paulo?

Praça Ramos de Azevedo em 1970. Foto: Carlos Moreira
Praça Ramos de Azevedo em 1970. Foto: Carlos Moreira

      


Para celebrar os 465 anos da metrópole e repensar o uso de seus espaços

Por Gustavo Ranieri*

 

Uma cidade é um corpo em movimento. E assim como por ela transitam seus habitantes, ela própria está predisposta a se transformar diariamente, ainda que, em alguns casos, sejam necessárias décadas ou certo distanciamento analítico para se perceber com melhor clareza quais foram as mudanças e seus reais impactos. Assim é com São Paulo, que no dia 25 completa 465 anos de sua fundação.

É incrível pensar que a metrópole, com seus 12 milhões de moradores, era povoada por pouco mais de trinta mil pessoas há cento e cinquenta anos. Um século e meio depois, São Paulo é não somente a cidade mais populosa do Brasil, como também de todo o continente americano. E, de acordo com o ranking da organização Globalization and World Cities Study Group & Network, ocupa a 11º posição como mais globalizada do planeta.

Todavia, como toda grande cidade, enormes também são os problemas e os desafios para administrá-la, ainda mais quando a falta de planejamento adequado, seja no passado, no presente ou em ambos os casos, resulta em um cenário meio desastroso em quesitos fundamentais como plano urbanístico, mobilidade e habitação. Pois é, São Paulo também é assim: caótica.

Quem muito bem registrou todas essas facetas paulistanas foi o célebre fotógrafo Carlos Moreira, 82 anos de vida e 55 de trajetória profissional. Em 2014, para celebrar meio século de sua produção fotográfica, em grande parte dedicada à metrópole – por quem se apaixonou aos 14 anos de idade –, foi lançado o livro Carlos Moreira: São Paulo, com imagens que contemplam muito bem as transformações da cidade. Mas engana-se quem pensa que há certa tristeza nos cliques de Moreira da São Paulo de hoje se comparada a de décadas atrás. Seu olhar continua fascinado pelo o que a cidade foi e é, mesmo que, como mostra suas fotos, os exemplos de degradação de espaços públicos sejam visíveis.

 

RESSIGNIFICAR

Em 2016, a cineasta Eliane Caffé lançou um importante longa-metragem de ficção documental, o Era o hotel Cambridge, no qual reuniu atores e não atores para contar a história de moradores sem-teto que ocupavam, sob ameaça de despejo, o prédio homônimo em São Paulo, ícone por hospedar personagens ilustres no passado e abandonado desde o início do século atual. A direção de arte foi realizada pela irmã da diretora, a arquiteta Carla Caffé. Ela, por sua vez, junto aos alunos do curso de arquitetura da Escola da Cidade, explorou as fronteiras do fazer arquitetônico com o fazer cinematográfico.

Melhor do que o resultado na tela foi o que Carla e seu grupo conseguiram: desenvolver um projeto cenográfico que, após o término das gravações, permaneceria no prédio para melhorias no cotidiano dos moradores, como o salão de jantar do hotel que, para o filme se transformou na lan house de uma personagem e, posteriormente, na biblioteca coletiva da comunidade.

O resultado de todo esse belo trabalho, registrado por Carla no livro Era o hotel Cambridge: arquitetura, cinema e educação, é também a definição prática de uma ação que há anos está em voga nos encontros que versam sobre urbanismo: ressignificar os espaços da cidade, ressignificar o habitar, permitindo novas percepções e experiências em locais que estão inóspitos ou que perderam sua função inicial.

“Ressignificar os espaços da cidade de São Paulo é criar intervenções que suavizem os impactos da nossa sociedade desigual, fruto ainda do nosso passado de escravidão, que promovam uma convivência harmoniosa entre diferentes classes sociais”, enfatiza Carla, que expressa sua preocupação com a metrópole. “São Paulo é uma cidade relativamente nova, não chega a ter quinhentos anos e, no entanto, encontra-se em um estado de abandono deplorável. É importante entender que também somos responsáveis por isso, cada paulistano é responsável pela sua cidade e precisa cuidar do espaço compartilhado.”

A arquiteta também ressalta sua relação pessoal com a cidade que habita: “São Paulo é o lugar onde encontro meus amigos, onde encontro meus familiares, onde trabalho, onde fico ansiosa, angustiada, temerosa, amedrontada. É uma cidade que realmente promove o encontro, mas não a contemplação, nem o lazer, o silêncio, a área verde. É uma cidade para produzir, para trabalhar, trabalhar e trabalhar. De qualquer maneira, sou viciada e apaixonada por essa cidade".

Outro ícone da cidade e que tudo tem a ver com ressignificação é o Sesc Pompeia, inaugurado em 1982 no local que abrigou a Fábrica de Tambores, erguida em concreto armado com vedações em alvenaria. O projeto arquitetônico coube nada mais nada menos que a Lina Bo Bardi (1914-1992). Tão surpreendente é o projeto que, em 1999, os arquitetos André Vainer e Marcelo Ferraz organizaram, durante a IV Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo, a exposição SESC Pompeia: Cidadela da Liberdade, para homenageá-lo.

Em 2013, o catálogo distribuído aos visitantes dessa exposição foi ampliado e transformado no livro Cidadela da liberdade: Lina Bo Bardi e o Sesc Pompeia.

 

RECUPERAR

Tão importante quanto ressignificar é restaurar o uso de determinados espaços públicos. O Jardim da Luz, um dos mais charmosos parques paulistanos – aliás, o primeiro do município – inaugurado no século XIX, é um bom exemplo. Ao lado da Estação da Luz, ele viveu seu auge na época áurea da economia cafeeira e, já nos 1900, com a crescente industrialização. Décadas depois, no entanto, o crescimento desordenado da cidade e a crise cafeeira impactou negativamente toda a região central da metrópole, fazendo com o que o parque perdesse seu brilho. Pior ainda, em meados do século XX a sua manutenção já não era rotina, resultando em edificações deterioradas, projeto paisagístico comprometido, e o passeio público das famílias paulistanas passou a ser ponto de atividades marginalizadas, como prostituição e tráfico de drogas, o que perdurou até os anos 1990.

No fim dessa década, entre 1998 e 2001, Ricardo Ohtake, secretário municipal do verde e do meio ambiente, e Carlos Dias, chefe de gabinete da secretaria, colocaram em curso o projeto de revitalização da área, trazendo Luz novamente ao Jardim. Juntos eles publicaram, em 2011, um livro para contar toda essa história e mostrar as fotos do trabalho realizado. Trata-se do Jardim da Luz: um museu a céu aberto.

 

*Gustavo Ranieri é jornalista e escritor.
 

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