Luiz Gama e Movimento Negro Unificado: a história dos negros brasileiros contada por eles mesmos
No prelo: Edições Sesc preparam coletânea de artigos abolicionistas de Luiz Gama e livro sobre o Movimento Negro Unificado
Por Maria Elaine Andreoti*
Na crônica "Maio", o grande escritor Lima Barreto relembrava a assinatura da Lei Áurea, ocorrida exatamente no dia de seu aniversário de 7 anos, e refletia: “Como ainda estamos longe de ser livres! Como ainda nos enleamos nas teias dos preceitos, das regras e das leis! [...]”. Hoje, em outro maio, de outro século, movimentos por direitos civis encampados por homens e mulheres negras ainda precisam denunciar que a abolição não os libertou: seguem excluídos da sociedade brasileira de diversas maneiras, alijados das oportunidades de estudo e trabalho e até dos espaços públicos. E seguem sendo assassinados criminosamente por agentes das forças públicas que deveriam zelar por suas vidas.
Para pensar criticamente esta data e evidenciar o protagonismo dos negros na superação do sistema escravista e na luta contra seus resquícios na estrutura social brasileira, as Edições Sesc preparam a publicação de duas obras importantíssimas: Lições de resistência: artigos de Luiz Gama na imprensa de São Paulo e do Rio de Janeiro, organizada pela professora e pesquisadora Ligia Fonseca Ferreira; e Movimento Negro Unificado: a resistência nas ruas, organizada por Enio Brauns, Gevanilda Santos e José Adão de Oliveira, em coedição com a Fundação Perseu Abramo.
Luiz Gama (retrato às esq.), negro, ex-escravo e autodidata, lutou pelas letras e pela lei para libertar homens e mulheres do cativeiro e expor a hipocrisia dos legisladores e políticos de sua época. O livro, organizado por Ligia Fonseca Ferreira – intelectual negra, é importante frisar –, reúne artigos publicados na imprensa abolicionista de São Paulo e do Rio de Janeiro durante as décadas de 1860 a 1880, período em que Gama publicizou a permanência de escravizados que deveriam estar protegidos pela Lei do Ventre Livre, assinada em 1831. Com introdução e notas da organizadora e um prefácio do historiador Luiz Felipe de Alencastro, os leitores do século XXI poderão acessar os artigos do século XIX com mais fluência, relacionando fatos e personagens históricos.
O segundo livro, Movimento Negro Unificado: a resistência nas ruas, apresenta as quatro décadas de luta dessa organização que se originou na cidade de São Paulo, em plena ditadura civil-militar, denunciando em alto e bom som que a democracia racial é um mito. Várias gerações de lutadores compõem a narrativa por meio de registros fotográficos, testemunhos, manifestos e ensaios históricos, evocando e homenageando os antepassados africanos, os avós escravizados e os diversos atores que participaram (e continuam participando) desta história de resistência; seja sobrevivendo ao extermínio, seja divulgando e enaltecendo sua cultura, seja pautando e reivindicando políticas públicas para reparar as marcas da desigualdade que perduram após mais de cento e trinta anos do fim da escravidão.
A história dos negros é parte fundante da história do Brasil. Durante séculos ela foi amputada ou contada a partir do ponto de vista do dominador, o branco, mas, graças ao acesso de jovens negros nas últimas décadas às universidades, essa narrativa vem sendo refutada cientificamente, e fatos e personagens ressurgem como testemunhas de um novo capítulo que, esperamos, seja verdadeiramente democrático a todos os brasileiros.
*Maria Elaine Andreoti é graduada em letras e mestre em literatura brasileira pela USP. É assistente editorial nas Edições Sesc São Paulo.
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Trecho do livro
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