Sesc SP

postado em 28/05/2020

Jean Vigo, um cinema a resistir

Cena do curta-metragem <i>A propósito de Nice</i>
Cena do curta-metragem A propósito de Nice

      


Noventa anos após o lançamento de A propósito de Nice, a breve e marcante obra do cineasta francês merece ser descoberta pelas novas gerações


Nem sempre o nome de Jean Vigo chega rapidamente ao conhecimento daqueles para quem a sétima arte é uma paixão ainda recente. A breve existência, encerrada aos 29 anos, em 1934, colabora para esse fato. Junto a isso, o fato de ter filmado apenas dois curtas-metragens, um média e um único longa em um período pouco midiático e globalizado. Mas a força de sua breve obra faz com que este seja um momento ideal para se descobrir quem foi o criador que, há exatos noventa anos, em 28 de maio de 1930, lançou o emblemático A propósito de Nice.

Depois desse curta, Vigo lançou no ano seguinte o curta-metragem documental Taris ou a natação, em 1933 foi a vez do aclamado Zero em comportamento e, em 1934, de Atalante. Todos esses filmes integram a Caixa Paulo Emílio – Jean Vigo, lançado originalmente em 2009 em parceria entre as Edições Sesc São Paulo e a Editora Cosac Naify, com organização de Carlos Augusto Calil. Além dos filmes e de uma série de extras, incluídos em dois DVDs, a caixa apresenta também os livros Jean Vigo e Vigo, vulgo Almereyda, que o cineasta brasileiro Paulo Emílio Sales Gomes (1916-1977) publicou originalmente em francês.

Admirador incontestável e estudioso do trabalho de Vigo, Paulo Emílio travou seu primeiro contato com a produção do francês em 1937, quando ele chegou a Paris depois de ter fugido do Brasil por causa de sua militância comunista. Mas a vida de Jean Vigo também estava atrelada à política desde cedo, uma vez que seu pai, o jornalista e militante anarquista Eugène Bonaventure de Vigo, tinha sido preso e supostamente se enforcado na prisão, em 1917, quando contava 34 anos.

Esse fato, somado ao abandono por parte de sua mãe, fez com que o cineasta parisiense tenha tido uma vida conturbada, influenciando sua produção. A relação com o cinema se deu por volta dos 23 anos. Por esse período, conheceu o diretor de fotografia russo Boris Kaufman, irmão mais novo do famoso Dziga Vertov, que viria a colaborar em todos os seus filmes, os quais introduziram o realismo poético no cinema e influenciaram fortemente a Nouvelle Vague de duas décadas depois.

Já os livros que estão nesta caixa são fruto da pesquisa que Paulo Emílio fez sobre o cineasta e seu pai anarquista entre 1947 a 1952. A primeira publicação, Jean Vigo, saiu em francês, em 1957. Nos anos 1970, em inglês e, no Brasil, ganhou edição bem mais tarde, em 1984. Enquanto isso, Vigo, vulgo Almereyda, sobre Eugène, teve sua versão em português em 1991.

Sobre o primeiro livro, o cineasta François Truffaut declarou ao Cahiers du Cinema, em 1954: “Passou por minhas mãos o manuscrito do mais belo livro de cinema que já li. Trata-se de um livro monumental sobre Jean Vigo, sua vida, sua obra. (...) Estou convencido de que com a publicação desse livro – teria de ser uma publicação integral – não seria mais possível escrever dez linhas sobre Jean Vigo sem fazer referência a ele.”

E no prefácio de Vigo, vulgo Almereyda, o filósofo Claude Lefort afirmou: “O livro que [Paulo Emílio] consagrou a Almereyda, pai de Jean Vigo, traz a marca de sua personalidade. Não teria feito disso um projeto não fosse o sentido de mistério que encerra o destino de um indivíduo e, não menos, o desejo de compreender o jogo das forças sociais e políticas que abalam ou destroem o edifício das teorias. O que torna o livro tão envolvente é a maneira como entrelaça a história de um homem à de uma época”.
    

:: Leia também:
O cinema para se ver... e ler

Produtos relacionados