Sesc SP

postado em 17/07/2020

Fake news como vírus e como fraude

Reprodução | Pixabay
Reprodução | Pixabay

      


Na vida democrática, as decisões por este ou aquele comportamento com base em informação falsa levam à polarização política, ao ódio e à antipolítica

Por Wilson Gomes*

 

Pode chamar de fake news, notícias falsas de internet, fraude informativa, informações falsas, ou até de misinformation, se prefere inglês, que você estará designando corretamente a mesma doença informacional que se disseminou como uma pandemia pela vida pública mundo afora nos últimos quase cinco anos, e cujos principais sintomas nas pessoas infectadas consistem na perda da capacidade de distinguir a verdade, de lidar adequadamente com fatos e dados e de tomar decisões bem-informadas. Sabe-se que o portador do vírus se torna alérgico a fatos e evita a todo custo a dissonância cognitiva, isto é, entrar em contato com informações que não satisfaçam os seus desejos e com relatos que se choquem com as suas crenças.

Não aconselho, contudo, a expressão “desinformação” para este fenômeno, posto que sinônimos não são. Troque por “informações falsas digitais” se prefere, mas uma coisa é a informação, verdadeira ou falsificada, e outra são os seus efeitos cognitivos no público.

Vamos supor que em um país imaginário um presidente da República mande cortar o suprimento diário de informações, que o seu Ministério da Saúde oferecia, sobre o número de infectados e mortos das últimas 24 horas de uma pandemia que castiga a nação. O resultado disso é desinformação. Um sujeito desinformado é um cidadão sem informação. Continuem a supor que este mesmo presidente fictício do nosso país imaginário publique em meios de informação digital que os seus adversários políticos “buscam meios de descriminalizar a pedofilia, transformando-a em uma mera doença ou opção sexual”, coisa sabidamente falsa. Quem recebe e assimila esta informação falsa estará certamente mal-informado. Um sujeito mal-informado é um sujeito com informação, sim, mas com uma informação falsa, distorcida ou parcial. Podemos até dizer que quem está mal-informado também está desinformado, porque está desprovido de uma autêntica informação, concedo, mas são duas coisas diferentes. 

 


"A verdade é obscurecida por rumores sobre o coronavírus":
imagem criada por Redgirl Lee para campanha das Nações Unidas. Unplash

 

Fake news” são, portanto, informações fabricadas de maneira desonesta com base em parcialidades, distorções ou completa invenção. Mas são informações. A expressão “desinformação” se refere ao estado cognitivo das pessoas que estão desprovidas de uma informação verdadeira, ou porque se impediu que a informação correta fosse produzida, ou porque a informação que receberam era errada, seja este erro introduzido por engano ou por desonestidade.

Fake news são postas em circulação como parte de um esforço coordenado para enganar, mentir e manipular. Se bem-sucedidas, campanhas baseadas em fake news têm como resultado fazer com que as pessoas assumam atitudes, gerem convicções e tomem decisões convenientes para quem falsificou e disseminou a informação falsa.

Não se falsificam informações para consumo íntimo ou privado, mas para produzir efeitos sobre a massa. Só um público-alvo massivo é capaz de compensar o esforço e os custos dos falsários de informação, que funcionam em um modelo profissional e em uma escala industrial, assim como os dos grandes traficantes de informação falsa que vivem de disseminar um volume absurdo de fake news por via digital. Por isso é que não se deve subestimar o que significam decisões mal-informadas causadas pelo consumo de fake news, já que são decisões numa escala massiva. Em campanhas eleitorais, decisões mal-informadas necessariamente produzem resultados ruins, como se veem nas escolhas por radicais da direita conservadora e populista desde que iniciou a epidemia mundial de fake news em 2016. Na vida democrática, em geral, a adoção de atitudes, a formação de convicções, além das decisões por este ou aquele comportamento com base em informação falsa levam à polarização política, ao ódio e à antipolítica. Por fim, como vemos agora nas circunstâncias da pandemia do novo coronavirus, decisões mal-informadas simplesmente nos matam.

 

* Wilson Gomes é doutor em filosofia, professor titular da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (Ufba) e coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital (INCT.DD). Publicou artigos e livros na área de comunicação e política, entre eles Transformações da política na era da comunicação de massa (Paulus, 2004) e A democracia no mundo digital: história, problemas e temas (Edições Sesc, 2018).

 

Veja também:

:: Coleção democracia digital | Publicados exclusivamente em e-book, cinco títulos discutem as mudanças que os aparatos digitais trouxeram para as democracias

 

Produtos relacionados